Texto publicado na revista "Op" (#22, Primavera 2007) >>> O americano Uri Caine é um daqueles pianistas que já não nos suscita a questão clássica: "O que é que ele está a fazer?" Perguntamos antes: "Onde é que ele está?" Isto porque a sua formação jazzística, em conjunto com a sua sensibilidade clássica (ou "erudita", se quisermos sermos mais oficiais), o leva a entrar por paisagens sempre inesperadas que, num certo sentido, sentimos que ele desenha à medida que nelas se vai infiltrando. Agora, por exemplo, separados por poucas semanas, chegaram ao mercado dois álbuns exemplares do risco formal e do sentido de experimentação de Uri Caine. Moloch: The book of angels, vol. 6 (Tzadik / Flur) é uma antologia de dezanove pequenas composições de John Zorn, geradas no seu trabalho no interior do colectivo Masada. Plays Mozart (Winter & Winter / Dargil), como o título indica, é mais uma viagem de Uri Caine pelo universo de um compositor, com reminiscências daquilo que ele já fez, por exemplo, com a música de Bach (The Goldberg Variations, 2000) ou Mahler (Dark flame, 2004). No primeiro caso, o piano solo introduz-nos num labirinto de variações e derivações em que as estruturas jazzísticas integram referências muito diversas, incluindo tradicionais melodias judaicas; no segundo, a recriação de Mozart vai desde os solos de piano até à integração surpreendente e estranhamente sedutora de instrumentos clássi-cos (violino, clarine-te), guitarra eléctri-ca ou bateria. Escusa-do será dizer que Uri Caine é um exemplo vivo de todas as lógi-cas "transversais" que rasgam muitas zonas da criação artística contemporânea. Que ele o faça sem alienar o seu individualismo criativo, eis a proeza que se renova.