sábado, junho 16, 2007

Teleponto

Este texto em duas partes foi publicado na revista de televisão do Diário de Notícias (15 de Junho).

O público e o privado > Numa edição especial do programa Dança Comigo (RTP1), Catarina Furtado achou por bem dar conta da sua gravidez. Ao mesmo tempo, pediu à impren-sa "respeito pela privacidade" da sua família.
Ao contrário da esmagadora maioria dos jornalistas, creio que importa dizer alguma coisa sobre tão singular evento. Não por desrespeito pela privacidade seja de quem for. Muito menos para pôr em causa o simples facto de uma figura pública gerir como muito bem entender as informações que dizem respeito, justamente, à sua vida privada.
O certo é que a mera ocorrência envolve algo de humanamente perturbante. E não o digo por causa de Catarina Furtado, mas por todos nós. Tem a ver com o facto de representar uma cedência unilateral ao pior que a imprensa tem. De facto, como nos ensinou Roland Barthes, há duas espécies de censura: a que nos impede de falar e a que nos obriga a dizer. Catarina Furtado foi vítima desta última.
Entenda-se: pela vulnerabilidade em que aceita expor-se, a sua atitude só me suscita simpatia. Mas não deixa de ser uma atitude que reconhece que há uma agenda mediática de alguns estilos de imprensa que não nasce da vontade dos seus protagonistas, uma vez que é, objectivamente, imposta.
Não é possível discutir tão graves problemas deontológicos apenas em função da dicotomia "verdade/mentira" (pode mesmo fazer-se um jornalismo de "verdades" que seja, em última instância, moralmente repugnante). Importa perguntar: como e porquê chegámos a este ponto? Como é possível que o espaço privado possa depender da "caução" de alguma imprensa? E porque é que num universo mediático de tantas "causas", quase ninguém se indigna com isso?

Humor e inteligência > Hora H (SIC), o programa de Herman José, está cada vez melhor. Superada uma certa desorga-nização dos primeiros textos, encontrada uma estrutura de montagem mais ágil e afinadas as principais personagens (o "jornalista-actor" não tem parado de crescer), Hora H consegue, afinal, uma coisa que se tornou rara no panorama português: dar a ver como o espaço televisivo é feito de convenções, artifícios e muitas máscaras. Os números musicais continuam a ser um prodígio de inteligência: mostram como fazer humor é uma arte singular e não uma mera acumulação de "anedotas".