terça-feira, junho 26, 2007

A lição ao piano

Foto de Gonçalo Santos

Com a boa disposição que lhe é reconhecida, Philip Glass fez questão de não deixar a comunicação com a plateia apenas pelas notas de música que, a solo, tocou durante cerca de hora e meio ao piano. Falou a cada peça que apresentava, frequentemente com uma tirada de humor que arrancou gargalhadas de uma plateia que, em quase respeito religioso, se calava logo depois para escutar, sem interruopções ou ruídos, a obra que se seguia. Quase em jeito de discreta e agradável lição, explicando ponto a ponto o que íamos ouvir, "mestre" Glass brilhou uma vez mais num palco lisboeta. Após dois encores, a ovação de pé agradeceu, firme, no fim.
De negro (como sempre se apresenta em palco), óculos no rosto, sem partituras sobre o piano, Philip Glass levou ao Grande Auditório do CCB uma inesquecível noite de peças para piano, umas delas originalmente composta para teclas, outras (como os casos de um excerto de Thin Blue Line ou o Knee Play 4 de Einstein On The Beach) em transcrição para aquele que era o único instrumento em palco.
Depois de saudar uma plateia praticamente cheia com Mad Rush e Wichita Sutra Vortex, mergulhou nos quatro primeiros andamentos do ciclo Metamorphosis que, como vincou no momento, compôs em 1987 para explorar sugestões de semelhança entre as peças. Notaram-se bases feitas de módulos com poucas diferenças, aceitando depois as sugestões melódicas na mão direita, estas mesmo assim contidas e de evidente afinidade entre cada peça. Seguiu-se, para contraste, parte do ciclo Études For Piano, estes escritos quase dez anos depois a vincar uma lógica inversa, revelando a cada vez mais presente curiosidade e liberdade lírica da mais recente música de Philip Glass.
O compositor sabe que não é um virtuoso no piano. De resto, muitas das gravações das suas obras para piano são interpretações de Michael Riseman. Mas nas suas mãos, a sua música respira uma verdade e humanidade que arrebatam e encantam. As palavras ditas depois sublinhando essa rara capacidade de cativar. Como sempre, venceu!

(Texto e foto originalmente publicados no DN de 25 de Junho de 2007)

Para os interessados, aqui fica o alinhamento completo:
"Mad Rush"
"Wichita Sutra Vortex"
"Metamorphosis 1"
"Metamorphosis 2"
"Metamorphosis 3"
"Metamorphosis 4"
"Etude No.1"
"Etude No.2"
"Etude No.4"
"Etude No.6"
"Etude No.10"
"Night On The Balcony"
"Closing (from Glassworks)"
"Knee Play 4"
"Thin Blue Line"