quinta-feira, junho 28, 2007

Em conversa: Philip Glass (2)

Continuamos a publicação da versão integral de uma entrevista com Philip Glass que, em forma editada, surgiu na edição de 23 de Junho do DN:

Há uma nova geração de músicos, de um Rufus Wainwright a um Owen Palett, que o admira e chega mesmo a citá-lo. Como lida com estes jovens admiradores?
O que fazem é tremendamente elogiante! Eu não nasci em Nova Iorque, mas mudei-me para a cidade aos 19 anos para estudar música e porque queria estar no espaço musicalmente mais activo que existisse. E Nova Iorque ainda é assim. Conheço muitos jovens compositores e alguns trabalham inclusivamente no meu estúdio. Interessa-me o que eles fazem, mesmo que eles não se interessam pelo que faço.

Além da sua obra, a sua postura profissional é também referida como novo paradigma...
Creio que ao longo da minha vida desenvolvi maneiras diferentes de trabalhar como compositor. Tive de aprender a ganhar a vida trabalhando tão activamente como performes, assim como enquanto compositor. Para pessoas como um Rufus Wainwright e tantos outros da sua geração, esta atitude interessa-lhes tanto como a própria música. Muitos jovens compositores interessam-se pela música para cinema e também pela música para publicidade. Quando era jovem, fazer música para publicidade era considerado um trabalho menor... E de evitar...

Mas não o evitou!
Tinha de ganhar a vida! Para ser franco não tinha escolha. E houve compositores que o fizeram durante anos a fio. Nunca me envergonhou. Até porque me ensinou a perceber o que era o grande público! E neste mundo, isso é últil. Hoje, os compositores mais jovens interessam-se por todas as formas de música, da experimental à soul... A ideia do metier do compositor envolve hoje uma enorme variedade de práticas.

Nos últimos 25 anos, o seu trabalho para o cinema levou-o a outros e mais vastos públicos. É um veículo interessante?
Comecei a fazer música para cinema em projectos underground, como o Koyaanisqatsi, do Godfrey Reggio. Os primeiros sete ou oito filmes em que trabalhei foram produções independentes, quase sem distribuição, para pequenas plateias. Mas nestes 25 anos, muitos desses filmes viraram casos de culto, e alguns são hoje muito conhecidos. Aos poucos comecei a trabalhar em filmes mais comerciais. O primeiro foi o Mishima. E mais tarde o Kundun, de Martin Scorsese.

Recentemente trabalhou em blockbusters.
O primeiro em que trabalhei foi As Horas. Recebi uma nomeação para os Oscar. É interessante, porque para ser aceite em Los Angeles foi-me mais difícil ser aceite como compositor para cinema que como compositor de música “séria”. Não acreditavam que pessoas como eu poderiam fazer música para cinema! Interessa-me muito a associação da música à imagem, tanto no cinema como no teatro, na ópera e dança. O ser ou não ser comercial não é critério para mim. Interessa-me sobretudo o talento do realizador ou o trabalho da fotografia. Nos últimos tempos fiz a música d’O Ilusionista e o Diário de Um Escândalo. Foram filmes vistos por pessoas que nunca iriam a um concerto meu. E agora sabem o meu nome! Ao dar concertos pelo mundo, há muitas pessoas que aparecem porque me decobriram em bandas sonoras!

Chegou a estar pensado para fazer a banda sonora de The Inner Life Of Martin Frost, de Paul Auster...
É verdade. Mas não aconteceu. E quando as coisas pareciam indicar nesse sentido, já estava com a agenda cheia com o trabalho para o novo de Woody Allen e um outro projecto de colaboração com Leonard Cohen que ainda este ano devo gravar. Estou também a preparar uma ópera para a San Francisco Opera. Quando o Paul Auster conseguiu o orçamento para podermos trabalhar, já estava atulhado em trabalho! Mas há muito que falamos em colaborar. E um dia teremos de o fazer. Tenho pena que não tenha sido agora, porque gosto da história

É diferente fazer música para gilmes antigos? Falo em concreto de trabalhos que fez sobre La Belle et la Bête de Jean Cocteau ou Drácula, de Todd Browning.
O que há de muito interessante ao trabalhar em filmes antigos é o facto do realizador e o priodutor não estarem por perto. E aí funcionamos como compositores, da mesma forma como se estivéssemos a trabalhar numa ópera. Em Hollywood, e até mesmo em proyectos independentes, nunca é assim. O Godfrey Regio considerava-me co-autor, pelo que nesses filmes [Koyaanisqatsi, Powwaqatsi e Naqoyqatsi] discutimos tudo juntos. Mas é caso raro no cinema. Quando fiz o La Belle Et La Bête obtive autorização para o que entendesse. Com o Dracula foi diferente. Fui contratado pela MGM, que queria reeditar o filme [de 1931]. Fiz a música e eles aceitaram… Nunca tive de falar com o Todd Briowning nem o Bela Lugosi… Nem podia! (risos) Em muitos filmes actuais, os actores principias por vezes chegam a ter directo a ouvir e comentar a música que fazemos… Há gente muito talentosa a trabalhar no cinema. Mas fazer um filme por vezes implica certas limitações artisticas. Não diria que chegam para me desencorajar. Tento fazer o melhor que posso, respeitandio sempre as condições. E por vezes alcançam-se resultados belos. Creio que isso aconteceu n’As Horas.

Aí, o realizador Stephen Daldry quase parece ter pensado o filme para servir a música. Parece mesmo uma ópera…
E há em Hollywood quem pense que essa é uma ideia muito má!... Há em Hollywood quem diga que a minha música nem é de cinema, porque tem presença a mais… Eu acho que é antes uma vantagem. E a verdade é todos os anos chegam uns telefonemas e consigo sempre trabalho num ou outro filme.

(conclui amanhã)