Em tempos, numa entrevista para um dos quatro documentários de uma série sobre novos compositores americanos, descreveu o seu público como estando dividido entre os que gostavam da sua música porque era clássica. E os que dela gostavam porque não era clássica…
Gosto desse paradoxo. E tem ver com a minha história pessoal, nos dias em que vivia em Baltimore. O meu pai tinha uma pequena loja de discos, muito diferente das que existem hoje. Parecia uma padaria... Trabalhei na loja a partir dos 12 anos, e então escutei toda a música que por lá havia, fosse música hillbilly (ainda não se lhe chamava country & western nessa altura), fosse clássica, contemporânea ou jazz. Tudo era-me familiar. Nunca achei que umas músicas fossem melhores que outras. Havia compositores talentosos em todas as formas musicais. Assim como havia gente sem tralento em todas elas, também! Gostava de música bela, fosse de Bernstein, Boluez, Eliot Carter ou... Paul Simon! O que me importava mais era já a qualidade da invenção e a exponteneidade da expressão. E isso encontramos em todas as formas de música. Estudei anos depois em Chicago, onde ouvi, ao vivo, Charlie Parker, John Coltrane, Sonny Rollins, mais tarde Ornette Coleman e Pharaoh Sanders... Eu não era improvisador, mas ouvia e conhecia aquela música! Admirava-a e respeitava-a. Posso dizer que o meu gosto sempre foi muito vasto e que nunca criei barreiras. Tentei sempre olhar sobre essas barreiras.
Há já muitos anos que a sua música se afastou do que se considerou ser “minimalista”. Mas esse é ainda o rótulo que, invariavelmente, é aplicado por muitos a quase tudo o que faz...
É uma descrição que já não serve o que faço há algum tempo. Colou-se a mim por um tempo, é verdade. Quando eu era menino, sempre que se falava do Debussy ou Ravel usava-se a palavra “impressionistas”. Já não se ouve dizê-lo... Por isso essas coisas desaparecem. Não é relevante. Por exemplo, n’O Corvo Branco, cuja música data de 1992, há aspectos minimalistas, mas sobretudo elementos mais líricos. Estas coisas passam com o tempo. E não me preocupam.
A sua recente oitava sinfonia desafiou os seus próprios cânones. Revelou novos sentidos numa demanda pessoal. É importante essa noção de desafio colocado a si mesmo ao compor?
Não costumo desafiar quem me ouve, mas sempre a mim mesmo. Quem tem um trabalho criativo deve desafiar as suas limitações. E eu estou a tentar desenvolver a minha linguagem e a minha visão musical. E para cada desafio coloco à minha frente expectativas distintas.
Segue-se, como mandam os números, a nona, que foi a última sinfonia de vários compositores. Beethoven, Mahler (que nunca terminou a décima), Bruckner (que a deixou, inclusivamente, incompleta), Dvorák…Teme a eventual “maldição” da nona?
Bom, essa “maldição” não travou Shostakovich! (risos) Mas já tenho um plano! Vou tentar que me encomendem a nova e a décima ao mesmo tempo. E farei ambas no mesmo ano. Gostaria de chegar à 12ª sinfonia... As últimas de Shostakovich são muito interessantes.
Em Lisboa apresentou uma série de peças para piano. O piano é ainda o melhor amigo do compositor?
Creio que é. Mas seu eu quem o diz. E creio que o digo porque tenho a idade que tenho. Se tivesse uns 30 anos, estaria a trabalhar com computadores. O piano ainda é o meu instrumento prioritário em termos de composição. Mas não faço quaisquer objecções ao computador. O computador nunca o será um instrumento com o peso do piano para mim, porque a curva de tempo exigida para aprender uma nova tecnología teria de me afastar da composição e da interpretação por uns tempos. É preciso tempo para aprender a usar qualquer nova tecnología. Mas é também verdade que, especialmente no trabalho para cinema, acabo por usar já, de certa maneira, os computadores. Tenho muitos computadores no estúdio e reconheço que são máquinas muito úteis. Não tenho nada contra eles… Mas o tempo que ainda puder gastar a fazer música e a tocá-la é para mim mais importante que aquele que teria de gastar para aprender qualquer nova tecnología.
Fez 70 anos em Janeiro, mas na altura não os comemorou publicamente com discos ou concertos...
Não tinha tempo... Estava muito ocupado (risos)... Mas, pronto, o que quer que faça este ano é uma celebração... Vou estrear o Book Of Longing, baseado em poemas do Leonard Cohen... Mas podia estrear essa obra no dia dos meus anos ou num outro dia qualquer. Não quero gastar tempo com festas se tenho outras coisas para fazer. E divirto-me muito mais a escrever nova música que a celebrar a antiga. Em Lisboa toquei música antiga. E é verdade que nos últimos anos tenho regressado por vezes a peças que já escrevi há bastante tempo. Mas tenho outras maneiras de as escutar hoje, como se estivesse a aprender de cada nova vez que as escuto.
Gosto desse paradoxo. E tem ver com a minha história pessoal, nos dias em que vivia em Baltimore. O meu pai tinha uma pequena loja de discos, muito diferente das que existem hoje. Parecia uma padaria... Trabalhei na loja a partir dos 12 anos, e então escutei toda a música que por lá havia, fosse música hillbilly (ainda não se lhe chamava country & western nessa altura), fosse clássica, contemporânea ou jazz. Tudo era-me familiar. Nunca achei que umas músicas fossem melhores que outras. Havia compositores talentosos em todas as formas musicais. Assim como havia gente sem tralento em todas elas, também! Gostava de música bela, fosse de Bernstein, Boluez, Eliot Carter ou... Paul Simon! O que me importava mais era já a qualidade da invenção e a exponteneidade da expressão. E isso encontramos em todas as formas de música. Estudei anos depois em Chicago, onde ouvi, ao vivo, Charlie Parker, John Coltrane, Sonny Rollins, mais tarde Ornette Coleman e Pharaoh Sanders... Eu não era improvisador, mas ouvia e conhecia aquela música! Admirava-a e respeitava-a. Posso dizer que o meu gosto sempre foi muito vasto e que nunca criei barreiras. Tentei sempre olhar sobre essas barreiras.
Há já muitos anos que a sua música se afastou do que se considerou ser “minimalista”. Mas esse é ainda o rótulo que, invariavelmente, é aplicado por muitos a quase tudo o que faz...
É uma descrição que já não serve o que faço há algum tempo. Colou-se a mim por um tempo, é verdade. Quando eu era menino, sempre que se falava do Debussy ou Ravel usava-se a palavra “impressionistas”. Já não se ouve dizê-lo... Por isso essas coisas desaparecem. Não é relevante. Por exemplo, n’O Corvo Branco, cuja música data de 1992, há aspectos minimalistas, mas sobretudo elementos mais líricos. Estas coisas passam com o tempo. E não me preocupam.
A sua recente oitava sinfonia desafiou os seus próprios cânones. Revelou novos sentidos numa demanda pessoal. É importante essa noção de desafio colocado a si mesmo ao compor?
Não costumo desafiar quem me ouve, mas sempre a mim mesmo. Quem tem um trabalho criativo deve desafiar as suas limitações. E eu estou a tentar desenvolver a minha linguagem e a minha visão musical. E para cada desafio coloco à minha frente expectativas distintas.
Segue-se, como mandam os números, a nona, que foi a última sinfonia de vários compositores. Beethoven, Mahler (que nunca terminou a décima), Bruckner (que a deixou, inclusivamente, incompleta), Dvorák…Teme a eventual “maldição” da nona?
Bom, essa “maldição” não travou Shostakovich! (risos) Mas já tenho um plano! Vou tentar que me encomendem a nova e a décima ao mesmo tempo. E farei ambas no mesmo ano. Gostaria de chegar à 12ª sinfonia... As últimas de Shostakovich são muito interessantes.
Em Lisboa apresentou uma série de peças para piano. O piano é ainda o melhor amigo do compositor?
Creio que é. Mas seu eu quem o diz. E creio que o digo porque tenho a idade que tenho. Se tivesse uns 30 anos, estaria a trabalhar com computadores. O piano ainda é o meu instrumento prioritário em termos de composição. Mas não faço quaisquer objecções ao computador. O computador nunca o será um instrumento com o peso do piano para mim, porque a curva de tempo exigida para aprender uma nova tecnología teria de me afastar da composição e da interpretação por uns tempos. É preciso tempo para aprender a usar qualquer nova tecnología. Mas é também verdade que, especialmente no trabalho para cinema, acabo por usar já, de certa maneira, os computadores. Tenho muitos computadores no estúdio e reconheço que são máquinas muito úteis. Não tenho nada contra eles… Mas o tempo que ainda puder gastar a fazer música e a tocá-la é para mim mais importante que aquele que teria de gastar para aprender qualquer nova tecnología.
Fez 70 anos em Janeiro, mas na altura não os comemorou publicamente com discos ou concertos...
Não tinha tempo... Estava muito ocupado (risos)... Mas, pronto, o que quer que faça este ano é uma celebração... Vou estrear o Book Of Longing, baseado em poemas do Leonard Cohen... Mas podia estrear essa obra no dia dos meus anos ou num outro dia qualquer. Não quero gastar tempo com festas se tenho outras coisas para fazer. E divirto-me muito mais a escrever nova música que a celebrar a antiga. Em Lisboa toquei música antiga. E é verdade que nos últimos anos tenho regressado por vezes a peças que já escrevi há bastante tempo. Mas tenho outras maneiras de as escutar hoje, como se estivesse a aprender de cada nova vez que as escuto.
(continua amanhã)