segunda-feira, junho 11, 2007

Discos da semana, 11 de Junho

E não é que o rock progressivo encontrou forma de alimentar, novamente, alguma da mais inventiva e desafiante música do presente? A revista The Word, na sua edição deste mês, dedica um pequeno dossier à constatação deste fenómeno. E entre os nomes que aponta a dedo destacam-se os Battles. São um quarteto nova-iorquino, no qual encontramos John Stainer (dos Helmet e Tomahawk), Ian Williams (Don Caballero), David Konopka (Lynx) e o experimentalista Tyondai Braxton. Deram primeiros sinais numa série de EPs editados em 2004. E agora apresentam sólida carta de intenções num álbum desafiante que cruza um sentido de inqueitude que já escutámos nuns Mr Bungle com o geometrismo científico de uns Kraftewrk. Mirrored pode muito bem vir a ser um dos álbuns pelos quais 2007 será recordado. Essencialmente instrumental (as vozes, ocasionais, procuram de resto evitar as normas habituais do canto verbalizado), o álbum doseia guitarras sob pulsão maquinal com electrónicas arquitectonicamente enquadradas e ritmos robóticos. Evoca-se o melhor de uns Van der Graaf Generator, sem contudo perder a noção de um presente que reconhece heranças, mas não vive de bandeiras retro. Este sublinhar do momento é evidente nas técnicas usadas, no recurso a software de construção musical e a padrões matematicamente desenhados. Melodias são sugeridas e sob elas evoluem texturas e paisagens abstractas nas quais, aos poucos, encontramos familiaridade. Esta é uma música complexa, intrigante e insistente, mas nunca obscura ou implosiva. Ocasionalmente no limiar do caos, como se sente em Rainbow. Mas mais frequentemente sugerindo formas claras e contagiantes, seja no subliminar evocar do melodismo simples do glam rock (facção Bolan) no irresistível Atlas, seja na quase-canção que se sugere em Bad Trains ou Ddiamondd (onde a relação da voz com as texturas convoca semelhanças evidentes com os Animal Collective). Um desafio que se vence aos poucos, com satisfação reforçada a cada audição.
Battles
“Mirrored”

Warp / Symbiose
5/5
Para ouvir: MySpace


Suzanne Vega é, um pouco como Lou Reed (que há muito a inspira), uma peculiar retratista de Nova Iorque, das suas gentes e lugares. E, como nunca, em Beauty & Crime concebe um olhar conjunto sobre a cidade onde cresceu, onde vive e trabalha, encarando-a não como cenário, mas antes enquanto a grande protagonista comum às histórias e vidas que em si acolhe. O disco é, assim, como um conjunto de contos. Pequenas narrativas cantadas, ora sobre as figuras anónimas e ruas que viu e conheceu, ora sobre factos concretos de uma vida que ali sempre conheceu casa. E também com espaço para a ficção. Juntam-se as sensações de inquietude do pós-11 de Setembro, retratos distantes de infância no Upper West Side, o pedido de casamento com um velho namorado de há 23 anos atrás... As histórias de Zephyr, um autor de graffitis que o irmão, falecido em 2002, lhe apresentou em tempos. E, depois, a fantasia e glitz de um encontro entre Frank Sinatra e Ava Gardner. Longe da espartana economia de recursos dos dois primeiros álbuns, Beauty & Crime (que assinala a primeira edição da cantora pela Blue Note) é um disco de formas elaboradas, permitindo a coexistência dos diálogos para voz e guitarra acústica com a presença de electrónicas ou mesmo de elegantes arranjos de cordas. Lee Ranaldo (Sonic Youth) ou KT Tunstall contam-se entre os convidados de um disco tranquilo, cativante, onde a familiaridade de uma voz há muito conhecida nos desafia a um reencontro que, depois, revela um sentido de satisfação como não conhecíamos num álbum seu desde há muito tempo.
Suzane Vega
“Beauty & Crime”

Blue Note / EMI Music Portugal
4/5
Para ouvir: MySpace


Apparat não é mais que um nome de trabalho para o DJ berlinense Sascha Ring, um dos fundadores da editora Shitkatapult. E em Walls, o seu primeiro álbum desde Duplex (de 2003), apresenta-nos um sucessor do trabalho que desenvolveu durante este mesmo intervalo, quer através do seu projecto, quer em colaborações, como foi o caso da aclamada parceria com Ellen Allien em 2006, em Orchestra Of Bubbles, onde se promovia dialogante encontro entre pistas techno, electro e pop. Esta última das referências é agora mais evidente, num disco que todavia nunca poderíamos descrever como um álbum... pop. Uma certa pop, muito à sua maneira, é antes um ponto de partida para fortes sugestões melódicas (ocasionalmente desembocando em canções propriamente ditas), num conjunto de composições que definem sobretudo Sascha como um designer de acontecimentos onde a precisão das batidas e a luminosidade das melodias não evitam ocasionais devaneios de sujidade fuzz ou frequentes paredes de texturas que servem de espaço que limitam áreas onde as programações e pontuais vozes evoluem. O músico fez já questão em sublinhar não estar aqui uma peça conceptual, antes, uma reunião possível de temas em que foi trabalhando nos últimos dois anos. Temas escolhidos numa pasta digital com cerca 70 ficheiros inacabados, que depois de seleccionados finalmente aprumou e concluiu. A voz de tempero r&b de Raz Ohara ou a sua própria presença ao microfone (revelando um certo domínio do falsetto) e ainda os arranjos de cordas são marcas presença corpórea que alternam com paisagens que convidam à contemplação digital, ora feitas de luz e linhas precisas, ora (como na faixa escondida), lançando sugestões menos geométricas, desafiantes.
Apparat
“Walls”

Shitkatapult / Flur
4/5
Para ouvir: MySpace


Não foi por acaso que, em 2001, a Noruega ganhou lugar no mapa pop europeu. Até então, cruzar o nome do país com pop era quase como falar dos A-ha. Ou, para quem ainda se lembre, dos Fra Lippo Lippi, com fugaz presença internacional em meados de 80. E, para gostos mais alternativos, os sempre recomendáveis Bel Canto. Uma estratégia de exportação bem planeada por um gabinete criado à imagem do que há muito a vizinha Suécia fazia aproveitou da melhor forma a concentração, num mesmo instante, de sólidas estreias locais potencialmente exportáveis por multinacionais: Kings Of Convenience, Royksöpp e Sondre Lerche (apresentados com pompa e aparato na edição desse ano do Midem). As pequenas editoras independentes norueguesas (como a atenta Beat Service), contudo, não ficaram a olhar para o fjord, à espera de navio, e aproveitaram a curiosidade europeia pelos seus artistas, exportando então nomes como os Xploding Plastix, Slow Pho ou os Flunk. Estes entraram em cena com uma pop discreta, luminosa, com ares de brisa nórdica, usando como chamariz de atenções para o seu álbum de estreia (For Sleepheads Only, de 2002), uma versão acústica de Blue Monday, dos New Order. Dois anos depois, ao apresentar o sucessor Morning Star, aplicaram semelhante abordagem a All Day And All Of The Night, dos Kinks... Agora, ao terceiro disco, a “sorte”, na mesma moeda, “sorri” a See You, um velho clássico dos Depeche Mode. Contudo, não é só na política de versões que os Flunk se repetem. Ao fim de três discos, a surpresa de uma pop delicada e leve, para onírica voz feminina e discretas notas para guitarras acústicas e programações electrónicas já se desvaneceu. O grupo serve nova dose de mais do mesmo num álbum limpinho, certinho, mas sem ser capaz de entusiasmar da mesma maneira. Novidade apenas em Personal Stereo, uma canção em tudo na linha habitual dos Flunk, mas com refrão a citar R.E.M. ou em Haldi, com voz “samplada” de Daniel Johnston. Ou seja, variações da mesma lógica que sobre eles chamou primeiras atenções há cinco anos. Agradável, mas nada mais que isso.
Flunk
“Personal Stereo”

Beatservice / Symbiose
2/5
Para ouvir: MySpace


Em 2002, a estreia em álbum do projecto RJD2, do norte-americano Eugene Or, no espantoso Dead Ringer, revelava uma das mais interessantes operações de cut and paste num espaço de invenção claramente integrada na grande família do hip hop (e derivados mais próximos). A sua carreira tem desde então conhecido existência mais discreta, o que parece injusto para um espírito invulgarmente inquieto, pouco dado a exercícios de manutenção. Mais disposto, portanto, ao desafio, à sua própria reinvenção. Sucessor do quase invisível Since We Last Spoke, de 2004, o novo The Third Hand parece propor uma nova realidade, aparentemente nos antípodas de Dead Ringer, todavia destino natural de um caminho que conheceu nesse mesmo disco um mediático ponto de partida. Aqui a genética pop/rock parece ser clara preocupação protagonista, evidente sendo a busca de referências no grande (e estimulante) universo de memórias do psicadelismo de finais de 60. Porém, contra a manobra psicadélica pela via do desnorte fuzzy de Manitoba em Up In Flames (de 2003), Eugene procura neste novo disco como RJD2 um espaço para ensaio firme da canção, com resultados espantosos em You Never Had It So Good uma daqueles nacos pop/rock de apelo clássico que o ano deveria celebrar. Já em Work It Out mostra como a sua própria demanda no passado (ler o gosto pela colagem) pode contribuir para a construção de outras canções, não menos pop. Demasiado longo (um dos grandes males que em muito dilui a coesão da noção de álbum na era do CD), The Third Hand não consegue manter firme a mesma pulsão criativa, e quase deslaça a meio do alinhamento, na recta final encontrando-se ensaios que bem podiam ter esperado por melhor afinação ou acabar na gaveta dos planos a rever no futuro. Mesmo assim, sinais interessantes de mudança num nome que parecia injustamente votado ao esquecimento.
RJD2
“The Third Hand”
XL Recordings / Popstock
3/5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana: Nico Muhly, Dog Day, Calvin Harris, Digitalism, Van Morrisson (best of), Queens of The Stone Age, Orbital (live), Travelling Wilburys, Scissors For Lefty, Mário Laginha, The Sounds (edição especial com extras)

Brevemente:
18 de Junho: Montag, White Stripes, Mute Audiodocuments (de 10 CD), Nick Drake (best of), Amina, Simian Mobile Disco, BowieMania (tributo a Bowie), Goran Bregovic, Júlio Pereira
25 de Junho: Editors, Philip Glass, Beastie Boys, Map of Africa, Marc Almond (ed local), Sebadoh, The Bravery (ed local), U2 (DVD)
2 de Julho: Chemical Brothers, Jorge Palma, Crowded House, Blondie (reedição), Depeche Mode (reedição), Frank Black, Clinic, Ryan Adams, Komputer

Julho: Interpol, O. Golijov, David Bowie (DVD)

Estas datas podem ser alteradas pelas editoras a todo o momento