quinta-feira, maio 17, 2007

Em conversa: Rufus Wainwright (2)

Segunda parte de uma entrevista com Rufus Wainwright. Um excerto desta entrevista foi publicada esta segunda-feira no DN:

Foi difícil tomar a decisão de que também queria ser músico, mas para tal tinha de se afastar da vida de família?
Não, nem por isso. Quando saí do armário aos 14 anos não tive a melhor das recepções por parte da minha família. Talvez porque não estivessem bem informados, não era uma boa altura para ser gay e não lidaram bem com a novidade… Carregando sobre mim igualmente aquela paixão pela ópera acabei por fazer de mim um tipo resistente. E decidido a encarar o mundo, a desafiá-lo para qualquer duelo. A minha inocência face ao mundo desapareceu muito cedo. Foi difícil a princípio, mas depois estava bem artilhado.

Como é que definiu a sua personalidade como cantor e autor. Decidiu ser apenas fiel à sua identidade? Escutou modelos de referência?
Uma das minhas maiores influências, quando comecei a ter a consciência que ia escrever canções, o que se deu por alturas da ida para a universidade, foi a Nina Simone. Quando ouvi o seu trabalho soube que havia um lugar para mim no mundo da pop. Ela tinha o seu estilo, mas era acessível a qualquer ouvinte, sem ter nunca de comprometer o que queria fazer e tentava comunicar. Uma das coisas mais curiosas em conversas sobre música é verificar que as pessoas da minha geração sistematicamente dizem que os Duran Duran eram hilariantes ou comentam como o electroclash imitou todos aqueles sons loucos dos anos 80. Eu nunca estive exposto a isso! Gosto das pessoas que têm conhecimentos para descodificar certas piadas, duplos sentidos, ou um qualquer valor meio camp dos telediscos do princípio dos anos 80, mas por outro lado aquilo não era o que me interessava. Estava noutra dimensão. Não me quero afirmar melhor ou pior que o gosto dos outros. Mas esse não era o meu chamamento. A minha obra não seria sobre ironia, não iria procurar o que há de disparatado no nosso tempo… Queria algo mais duradouro. Ao ouvir isto, há quem diga que sou megalomaníaco, ou apenas arrogante, mas a verdade é que esse é o meu objectivo: fazer uma música que se possa escutar daqui a cem anos. E nem todos parecem querer fazer isso.

É importante para si a fama? E o reconhecimento?
Creio que é importante apenas para a sociedade ter entre si pessoas famosas e interessantes. Os famosos são um parâmetro que pode medir como se comporta uma sociedade, se é ou não bem sucedida. A América foi fantástica quando tinha por famosos uma Liz Taylor, uma Katherine Hepburn, um Clark Gable. Mas as coisas seguiram o caminho errado e de repente os famosos eram o Pat Boone, a Debbie Reynolds… E hoje não estamos muito longe dessas representações dos anos 50. Somos uma sociedade fabricada, maquilhada… As celebridades são apenas ornamentos e não um valor cultural. Isto sem falar em termos de espiritualidade… E essa é a razão pela qual quero ser famoso.

Para ser um famoso diferente?
Há um certo poder que se adquire que não quero menosprezar. Mas faço-o pela sociedade. Se tiverem de escolher um ícone da minha idade, porque não eu? (risos)

Lê as críticas sobre os seus discos e concertos?
Sim, infelizmente… Hoje leio menos. Dantes devorava-as, mas hoje tenho mais calma. E há aquela coisa que acontece quando lemos nove críticas fabulosas e, depois, uma que arrasa. E aí o nosso dia acabou!

Como é a sua vida na estrada? Consegue descobrir as cidades que visita? Procura as suas músicas locais?
Não. Saltamos de cidade em cidade constantemente. Tento não ouvir muita música. Sinto-me completamente indisponível musicalmente falando. A menos que haja qualquer coisa incrível a acontecer… Como aconteceu com o fado em Portugal. Lembro-me da primeira vez que comprei discos de fado e agora, sempre que cá venho faço o mesmo. E é uma experiência fantástica viajar em Portugal, ao volante, ouvindo fado. Mas música de bandas ou de cantautores não escuto… Faço-o apenas quando regresso a casa. E normalmente interesso-me mais pela música dos outros quando estou a gravar os meus discos. Para poder.. roubar ideia. (risos).

Prova as comidas locais? Compra roupas nas lojas das cidades por onde passa?
Sempre que posso! Se estiver na Baviera compro um daqueles chapéus tiroleses. Se estiver em Portugal não vou comprar vinho do Porto… O que compraria aqui? Talvez uma casa, porque isto aqui é mesmo bonito. E os preços são razoáveis.

Passeia frequentemente quando tem tempo livre entre concertos. O que procura?
Uma das minhas experiências preferidas em Lisboa foi quando tive um tempo livre e fui visitar o Mosteiro dos Jerónimos. Foi interessante. E de regresso ao centro passei pelo Museu dos Coches. E essa sim, foi uma experiência fabulosa! Vi o museu todo, com atenção, e reparei que a maioria dos coches eram relativamente pequenos. E os mais ostensivos e maiores eram os que enviaram ao Vaticano… Tão sinistros, tão imponentes, quase afogando os outros coches! Devem ter impressionado quem os viu a passar pelos bosques. Gosto de descobrir este tipo de coisas.

(continua amanhã)