segunda-feira, maio 28, 2007

Discos da semana, 28 de Maio

Algumas das mais recentes edições e lançamentos locais, numa perspectiva crítica:

Os irmãos Olof e Karin Dreijer são hoje um dos mais inspirados e respeitados pólos de invenção musical na mui activa Suécia pop. Com carreira desde 1999, e dois álbums de primeiro plano na sua discografia (The Knife, de 2001 e Silent Shout, de 2006, respectivamente o primeiro e terceiro dos seus discos), cedo mostraram que não eram apenas mais um duo de pop electrónica. Nos primeiros tempos, com orçamentos menos abonados, concentraram na realização de telediscos de baixo custo mas de grandes ideias a expressão de uma complementaridade entre som e imagem que, hoje, neles é indiscutível. Foi, contudo, preciso esperar pela maioridade da sua música e pela aclamação global de Silent Shout (de facto um dos melhores discos de 2006) para que pudessem levar para a estrada, sem ter de voltar a casa e ter de lavar pratos para pagar as contas, uma ideia de música e som pensada finalmente como um todo. E Silent Shout: An Audiovisual Experience não é mais que o documento dessa odisseia com final feliz. Concerto multimedia (na sua expressão literal), uma actuação dos The Knife durante a digressão de 2006 (que passou por Barcelona, no Sonar) revelava, um pouco como os Kraftwerk nos concertos que vimos no Coliseu e Sudoeste, como música e imagem podem existir como parte de um todo que não dispensa a ausência de qualquer das partes. Sem aparato hi-tech, focando os meios apenas na necessidade de atingir os fins em questão, o concerto é uma experiência que dá corpo e cenário a uma música que, agora compreendemos, os esperava. Uma música que recordamos, num alinhamento onde as canções de Silent Shout são protagonistas, no CD áudio que agora acompanha este “pacote” CD + DVD. O DVD, por seu lado, acrescenta ao documento visual do concerto o arquivo de telediscos dos The Knife, no qual observamos o percurso evolutivo desde os dias das ideias grandes para contas pequenas (no genial I Take Time) até aos pequenos pedaços de filigrana de pós produção e mais requintada cenografia de um Marble House. Um complemento fundamental para quem gostou de Silent Shout.
The Knife
“Silent Shout: An Audiovisual Experience”

V2 / Edel
5/5
Para ouvir: MySpace


Mark E Smith é o veterano de maior longevidade, mais regular actividade e mais recorrentes grandes feitos (leia-se bons discos) entre os “mestres” que Manchester revelou na segunda metade da década de 70. Através dos The Fall (nome que cada vez mais é um sinónimo de si mesmo) definiu rotas e destinos de uma personalidade muito peculiar. A este tronco estrutural, o músico sempre juntou, com o entusiasmo de que encara um novo desafio, o prazer da transgressão através de colaborações que, muitas vezes, aparentam ser coisa distante das suas águas mas que, mais dia, menos dia, acabam por ter repercussão mutante no seu próprio genoma. Eis-nos perante novo episódio que pode bem representar um estímulo com mais futuro até que aquilo que agora se nos apresenta em disco. Andi Toma e Jan St Wener (dos Mouse On Mars) convidaram Mark E Smith a um projecto comum. Estávamos em 2005, o ano em que os The Fall editavam em Fall Heads Roll o seu melhor álbum em largos anos e Mark E Smith surgia ao lado dos alemães no máxi Wipe That Sound. Gostaram, resolveram continuar e, mesmo, apresentar-se como banda. Chamaram-lhe Von Sudenfed e eis que se materializa num álbum onde personalidades a principio colidem mas, aos poucos, encontram um patamar de entendimento comum. O contexto musical é ditado pelos alemães, que entram em cena de ferramentas electrónicas nas mãos, alternando entre pistas electro, um disco de travo industrial, por vezes quase formas próximas do dub step. O protagonismo é, todavia, roubado pela atitude vocal (inconfundível) e as palavras cortantes, ásperas, de Mark E Smith que aqui revela uma ira inconformada como há muito lhe não conhecíamos. O resultado é uma das mais intrigantes, mas contagiantes, operações de diálogo entre formas e gerações dos últimos tempos. Punk digital. Um disco de digestão pouco fácil, abrasivo, mas que promete cenas dos próximos capítulos, uma vez que um segundo álbum e uma digressão de apoio ao primeiro estão já em agenda. Boas notícias.
Von Sudenfed
“Tromatic Reflexxions”
Domino / Edel
4/5
Para ouvir: MySpace


Ao contrário do filão new wave, em vias de extinção, a vasta planície da folk continua a gerar boas sugestões e, regularmente, oferece-nos espantosas revelações. A mais recente, ao ouvido europeu, chama-se Lavender Diamond. São californianos, com discreta carreira de palcos e discos (essencialmente singles em edição de autor) desde 2003, mas cuja recente internacionalização através do soberbo EP The Cavalry Of Light tudo mudou. Genuínas almas da melhor tradição peace and love (apresenta-se de resto, como “the original sound of love”), os Lavander Diamond são, mais que apenas uma banda de músicos, um conjunto de artistas com preocupações reveladas sob várias formas de expressão (dentro do grande universo das artes performativas). Depois de vários discos de discreta projecção, o EP mundialmente editado há poucos meses revelou neles uma vitalidade pop herdeira de velhas manifestações, também californianas, do expressivo movimento pop folk de finais de 60 que teve como mais visíveis rostos as canções dos Mamas and The Papas. Porém, a pop é apenas uma identidade subliminar (embora marcante) nas entrelinhas de uma música que procura mais um sentido de liberdade e utopia teatral que, por vezes, ecoa memórias de Kate Bush. O sentido de dramaticidade que a vocalista Becky Stark lança sobre pequenos cenários feitos de discretas e doces melodias (onde por vezes cordas e metais compõe pequenas sinfonias de brinquedo) acaba mesmo por ser a marca de identidade mais recorrente ao longo de um álbum que, mesmo sem repetir nunca a excelência invulgar de canções como You Broke My Heart ou Rise In The Springtime, é já uma das estreias do ano.
Lavender Diamond
“Imagine Our Love”

Rough Trade / Edel
4/5
Para ouvir: MySpace


Os Black Rebel Motorcycle Club (ou B.R.M.C., como habitualmente são tratados) devem ser uma das maiores promessas menos bem cumpridas dos últimos anos. Quando surgiram, em 2000, com o espantoso Black Rebel Motorcycle Club, ainda a fornada “novo rock” pós-Strokes estava na creche, mostravam sinais de revigorante reencontro com importantes pistas do rock alternativo de 80, sem esconder uma franca relação de reverência para com a obra dos “mestres” The Jesus & Mary Chain. Seguiu-se, em 2003, segundo álbum de gestão na continuidade, em satisfatório. E, em 2005, Howl, um terceiro disco, com agradáveis sinais de reinvenção via assimilação de inesperados estímulos blusey, acústicos, via Zeppelin e afins... Ao quarto disco, contudo, não só dão este último dito como não dito, como regressam à estaca dois, repetindo a dose, mas sem a surpresa da estreia nem a competência que ainda haviam mostrado em Take Them On, On Your Own. Baby 81 é mais negro (ou sombrio), mais eléctrico, mais intenso, mais textural que nas abordagens directas do álbum de estreia. Mas, no fim, mais do mesmo, num conjunto de canções que não vencem uma linha de água mediana, apesar dos muitos altos e baixos, mas com único episódio digno de nos roubar tempo no épico e consistente Am I Only, que quase parece o elo perdido entre Howl e as memórias do primeiro disco da banda, filão que, devidamente explorado, poderia ter gerado um álbum bem mais interessante. Não se trata de um álbum incompetente nem trágico. Mas para quem prometia mundos e fundos, é um disco que revela como sair na pole position não garante vitória na corrida. Perderam muito tempo nas boxes e já vão com umas valentes voltas de atraso.
Black Rebel Motorcycle Club
“Baby 81”

Island / Universal
2/5
Para ouvir: MySpace


A profusão de bandas que saltam, quais cogumelos, da floresta rock’n’roll, facção som do primo mais velho, começa a dar sinais de evidente fim de ciclo. Sinais que se manifestam pelas terceiras e quartas vagas de bandas assinadas e álbuns editados, mais não fazendo que repetir e insistir no que já se ouviu, revelando dolorosos calcanhares de Aquiles quando, na hora de tentar expressar individualidade, apostam na revisitação errada, na citação equívoca. É o que se passa com os Cinematics. São escoceses, formados em 2003 sob evidentes estímulos encontrados em bandas como os Interpol ou Strokes e nas memórias dos The Cure ou Echo & The Bunnymen. Andaram na estrada com os Editors. E chamaram Stephen Hague para lhes produzir o primeiro single. Agora chega-nos o álbum. Banal, inconsequente, repetitivo, ensopado em chavões de negritude roqueira loja dos 300. E com recorrente tempero retro (nos oitentas, claro, porque parece que mais nada existe), apontado... aos The Mission, a menos estimulante das bandas de “referência” do som gótico. Uma perfeita perda de tempo, salvo para quem quer, uma vez mais, escutar um disco ou dançar frente a um palco, fingindo que acabou de sair de uma máquina do tempo com ponteiro apontado a 1987... Só que chegou à hora da banda de abertura do concerto. E não é coisa que valha muito a pena...
The Cinematics
“A Strange Education”
TVT / Edel
1/5
Para ouvir: MySpace

Também esta semana: Clash (caixa), Jeff Buckley (best of), Richard Thompson, Tiga (remisturas), The Bravery, R Foster/G McLennan (best of das gravações a solo), Trademark

Brevemente:
4 de Junho: Suzanne Vega, Perry Farrell, Paul McCartney, Bonde do Rolé, Marvin Gaye (reedição), Bruce Springsteen (live), Nick Lowe, Keren Ann, Junior Boys (EP), Blanche, Sons da Fala
10 de Junho: Calvin Harris, Digitalism, Van Morrisson (best of), Queens of The Stone Age, Orbital (live), Travelling Wilburys, Amina, Scissors For Lefty
18 de Junho: White Stripes, Mute Audiodocuments (caixa de 10 CD), Nick Drake (best of), Amina, Simian Mobile Disco

Junho: Spiritualized, Bryan Ferry (DVD), Marilyn Manson, Jorge Palma, David Bowie (DVD), Marc Almond (ed local), Frank Black, Clinic, Editors, Ryan Adams, Komputer
Julho: Interpol, Blondie (reedição), Crowded House, Chemical Brothers


Estas datas podem ser alteradas a todo o momento