Tendo por pièce de resistence uma série de imagens colhidas durante a gravação do álbum The Drift (e nunca antes Scott Walker havia permitido a presença de uma câmara em estúdio) e uma entrevista recente que serve de medula a toda uma série de histórias que se vão contando, o filme não só garante o interesse dos muitos que o admiram como está feito para arrebatar pela surpresa quem se dispuser à descoberta. De resto, o realizador teve o cuidado de ordenar cronologicamente as memórias que ilustram a história, permitindo aos que nela se aventurem pela primeira vez o prazer, solidamente explicado, da exposição de uma história de vida que musicalmente nasce em registo teenager descartável para acabar, 40 anos depois, comparada à intensidade artística de um Beckett ou Francis Bacon. A descoberta da voz e personalidade (Brel fundamental neste processo) e os seus feitos são ainda alvo de reflexão por alguns dos seus mais marcantes herdeiros, de Bowie a Jarvis Cocker, de Damon Albarn a Alison Goldfrapp, de Brian Eno a Marc Almond. Ideias de cinema moram pelo filme fora, a história conduzindo-nos, sem às tantas podermos podermos fugir, do mundo de inquietude e demónios interiores que caracterizam The Drift, disco que acaba por ser o destino de hora e meia de viagem de (re)descoberta.
Antes do visionamento, em Berlim, o realizador pediu para que levantasse o braço quem nunca ouvira falar de Scott Walker. Muitos braços... No fim, disse, estariam todos conquistados. Tinha razão. Para abrir apetites, segue-se o trailer...
PS. Versão longa de texto publicado na revista '6ª', do Diário de Noticias