domingo, fevereiro 18, 2007

FOTOGRAMAS: One + One, 1968

É um cartão de passagem de uma cena para outra. Mas, no cinema de Jean-Luc Godard, qualquer informação é um exercício estético (aplicando o seu método de permanente interrogação da linguagem, poderíamos dizer: na palavra "informação" há "forma"). Vivia-se um presente visceralmente político, marcado pelos temas, ânsias e combates de Maio 68. Escrevever "under the stones the beach" era, por isso, um jogo plural de informação e ironia, de fria objectividade e festiva trasnfiguração. Em primeiro lugar, convocava-se a mítica palavra de ordem das barricadas das ruas de Paris na qual se proclamava que, por baixo das pedras da calçada, era possível descobrir a "praia" — "sous les pavés la plage"; depois, a palavra "stones" remetia para os Rolling Stones, os cinco magníficos (ainda incluindo Brian Jones) que Godard descobria, num estúdio de Londres, a gravar a canção Sympathy for the Devil que, alguns meses mais tarde, surgiria como tema de abertura do álbum Beggars Banquet; outra palavra, "one" (destacada de "stones") faz alusão à expressão iniciática que era One + One, isto é, o genuíno título do filme e não Sympathy for the Devil, utilizado abusivamente pelos produtores; enfim, as letras soltas destacadas a negro (URSS) aludem a uma outra referência, central naquele momento, já que se tratava também de inventariar as cinzas da esquerda europeia ideologicamente ligada ao modelo político da União Soviética. One + One é, assim, em tudo e por tudo, um filme sobre a música do (seu) tempo. Mesmo um simples cartão, com uma caligrafia mais ou menos rudimentar, é um pequeno acontecimento de puro cinema.

ONE + ONE
Grã-Bretanha, 1968
Realização: Jean-Luc Godard
Produção: Eleni Collard, Michael Pearson, Iain Quarrier
Argumento: Jean-Luc Godard
Interpretação: Mick Jagger, Keith Richards, Brian Jones, Bill Wyman, Charlie Watts