Bernardo Sassetti “Unreal: Sidewalk Cartoon”
É um disco. Mas também um livro. E um conjunto de imagens e histórias que os liga como se de criações siamesas se tratasse. Unrest é a segunda etapa numa trilogia sobre a imagem, representando também a primeira abordagem profunda de Bernardo Sassetti aos universos da palavra (no livro, com esclarecedora sinopse servida no booklet do CD). Um mundo entre o real e o irreal onde nasce uma ficção da qual podemos ou tirar reflexões sobre o homem do presente ou partir rumo a um mergulho no absurdo. Da história partem sugestões, conferindo à música um subtexto narrativo que, todavia vive existência livre, a cada um o desafio de encontro com a visualização (mais ou menos abstracta, a gosto) da condução da ficção que se revela aos poucos. Em Unreal, Bernardo Sassetti toma os instrumentos de percussão do Drumming (GP) como estímulo tímbrico para a construção de cenários, texturas e figuras musicais que aceitam ainda o piano e uma multidão de outros instrumentos, coexistência garantida por uma espantosa capacidade de encontrar caminhos simples entre uma complexidade inicial de possibilidades. Jazz? Não Jazz? Alheia a nomenclaturas, esta é uma música de evidente carga cinemática, envolvente a cada nova audição, ora sugerindo familiaridade com as visões do quarto mundo de John Hassel, ora mantendo sinais claros de uma demanda que em Ascent ganhava forma. Monk e Reina pontualmente integrados. E Alice já não mora aqui, o minimalismo que lhe era central todavia pontualmente recontextualizado. Como na história que lemos no livro, caminhamos com esta música por cenários que vamos aprendendo a descobrir, a reconhecer, neles acabando por encontrar familiaridade. Como nas ruas de uma cidade. Uma música estimulante e desafiante. Sempre intrigante. Mas arrebatadoramente cativante.
M Ward “Post War”
Ao quinto album, Matt Ward mantém firme a afirmação de uma genética com geografia no Oeste americano (e suas manifestações country e folk), uma vez mais as suas gentes e lugares sendo personagens e cenários de histórias que relata com aparente teatral apatia, como que em informal manifesto de realismo (o que não implica a ausência de liberdades ficcionais). O álbum é, contudo, irregular nos feitos, mas cativante e viçoso quando lança à terra adubos alienígenas, sobretudo de saca indie (que já afloraram mais incisivos em discos anteriores) como se escuta em Poison Cup, o momento de maior densidade dramática do disco, ou numa versão, com a colaboração de Neko Case, de To Go Home, um original de Daniel Johnston.
Boy Kill Boy “Civillian”
Uma entre a multidão de bandas nascidas em febre de assimilação de verdades colhidas na memória do pós-punk, os ingleses Boy Kill Boy tiveram em Suzie e Civil Sin dois poderosos singles de travo pop com arestas angulosas e evidente capacidade de desafio à dança. Contudo, o álbum (ainda sem ordem de edição exterior a solo britânico, mas disponível para compra online) mostra pouco mais que exercícios de gestão de colheitas no mesmo baú que nos deu melhores discos com os White Rose Movement, The Killers (primeiro disco, claro) e She Wants Revenge. Compreenderam, ao contrário dos My Chemical Romance, que é preciso mais que maquilhagem. Mas não basta citar Psychedelic Furs, The Cure ou Depeche Mode para construir uma carreira. Dá para o single da saison, mas pouco mais...
Eleni Karaindrou “Elegy Of The Uprooting”
Elegy Of The Uprooting é o registo, ao vivo, de um grandioso espectáculo montado pela compositora Eleni Karaindrou, contando em palco com 110 músicos – a Camerata Orchestra, o coro da ERT, um ensemble de instrumentos tradicionais gregos, a voz solista de Maria Farantouri, todos dirigidos por Alexandros Myrat. O concerto, uma colecção de excertos de bandas sonoras para cinema (Theo Angelopoulos, Tonia Marketaki, Chistophoros Christophis e Lefteria Xanthopoulos) e duas produções para teatro (nomeadamente novas produções de peças de Eurípdes e Tchekov), é de impressionante coesão e unidade, evidente que se revela a presença das marcas autorais da compositora, reflexo de uma política de liberdade consentida pelos realizadores e encenadores com quem trabalhou. Há, ainda, uma comum visão da diáspora grega, partilhada entre imagens, textos e as músicas que Eleni Karaindrou lhes deu, um sentido de contemplativa melancolia, retrato resignado tanto da dor dos exilados e afastados como memória de dias de infância vividos numa aldeia montanhosa do interior, o vento, a chuva sobre os telhados, a água nos riachos e o silêncio da neve por cenário. A principal característica funcional da música de Eleni Karaindrou traduz-se numa espécie de condutor emocional das imagens que acompanha. Não é meramente ilustrativa, toca profundamente e liberta. Assim se explica o entendimento (já com mais de 20 anos) com Theo Angelopoulos, representando este par compositora/realizador uma unidade hoje impensável de dissociar, como sucedeu com Kieslowksi e Preisner ou hoje reconhecemos entre Lynch e Badalamenti ou Burton e Elfman. O concerto, de puro assombro, confirma em pleno o protagonismo de uma demanda pessoal da compositora que nas imagens encontrou pretextos para explorar sentimentos pessoais. Sentimentos que se revelam, nesta colecção de peças reunidas, transversais a toda uma obra sólida e coerente e que garantem a este concerto um sentido de corpo que, sob arrebatadora interpretação, gera um raro momento de contemplação do sublime.
Para 2007: JP Simões, U-Clic, Klaxons, The Good The Bad and The Queen, Mika, John Cale, Amélia Muge, Sonic Youth (lados B), Kasabian (edição nacional), Clap Your Hands Say Yeah
Estas datas provém de planos de lançamento de diversas editoras e podem ser alteradas a qualquer momento
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