sexta-feira, novembro 10, 2006

Em conversa: Pop Dell' Arte (1)

Surgiram em 1985 para concorrer ao segundo Concurso de Música Moderna do Rock Rendez Vous, acabando então brindados com o Prémio de Originalidade. Eram os primeiros passos de uma carreira fundamental na definição de uma cultura alternativa na música portuguesa. Apesar de uma intermitência nos discos e nos palcos, a obra dos Pop Dell'Arte é notável e justifica, ao celebrar 20 anos, que não seja dada como apenas um eco do passado. Aqui fica uma a primeira parte de uma entrevista com João Peste e José Pedro Moura, originalmente publicada no DNmúsica, em Junho de 2005

Uma das últimas aparições dos Pop Dell' Arte (antes do regresso em 2005 e de PopPlastik), foi no concerto Avariações, de homenagem a António Variações...
João Peste - Eu senti-me muito desconfortável a cantar as coisas do António Variações. Sinto-me piroso, no entanto aquilo, na voz dele, não é piroso. Era o génio dele, além de fazer aquelas brincadeiras como a Maria Albertina ... É preciso uma capacidade interpretativa para dar a volta àquilo. Gosto do trabalho dos Humanos, mas tiveram de ser pessoas muito bem escolhidas para cantar aquilo... Às vezes também me falam em fazer um disco de homenagem aos Pop Dell'Arte e é-me estranho imaginar como é que soaria... No espectáculo acabámos por fazer uma homenagem ao António Variações, mas sem respeitar a intenção que era a de fazer uma versão. Se calhar foi melhor assim, porque não ficámos com o peso na consciência de ter estragado um tema dele.

E esse foi um episódio pontual. Porquê esta intermitência na vida do grupo? Por onde têm andado os Pop Dell' Arte?
JP - Os Pop Dell'Arte têm andado recolhidos. Depois da saída do Luís San Payo e do concerto em Londres com o Nuno dos More República Masónica, os Pop Dell'Arte retiraram-se de cena. Mantivemo-nos como um núcleo a ensaiar, eu, o Paulo Monteiro, o Zé Pedro Moura e por vezes também o Tiago Miranda. Tirando o espectáculo do António Variações estávamos desactivados. Ensaiávamos não para um concerto ou fazer um disco, mas só para não perder o jeito. Este ano surgiu o convite da organização das Festas da Cidade para tocarmos no Fórum Lisboa. Entretanto apareceu um grupo de fãs a propor fazer um site dos Pop Dell'Arte. E tudo coincidiu com o vigésimo aniversário do grupo. Resolvemos, sem grandes compromissos, assumir o espectáculo para comemorar os 20 anos, mas sem grandes perspectivas para fazer grandes coisas a partir daí. Partimos um bocado reservados. Começámos a ensaiar com o Luís San Payo e neste momento temos algum material...

Quer dizer que entretanto apareceram algumas coisas novas?
JP - Sim, algumas coisas novas e estamos naquela fase de decidir, em função deste concerto, se vamos continuar ou não.

E aquela ideia, tantas fezes falada, de um possível álbum que se chamaria After The Future ?
JP - A questão foi que, na altura em que o grupo se mobilizou a seguir àquele concerto em Londres, acabou-se por abandonar esse projecto. O que não quer dizer que desse período não se pegue num ou noutro tema. Mas a fazer uma coisa nova terá de ser mesmo uma coisa nova.

As coisas novas reflectem algo que vos entusiasma musicalmente neste momento?
JP - Aquilo que nos influencia num determinado momento não é necessariamente aquilo que está então a acontecer musicalmente nesse instante. Mas há um desafio grande neste início de século, com esta sociedade nova sobre a qual não sabemos o que vai acontecer. Temos o pano de fundo da globalização, do problema da exclusão, do terrorismo internacional, do terrorismo do estado de nação. Tudo isso oferece algumas pistas e suscita alguma paixão em termos ideológicos a uma banda que cantava o Mai 86 em 86. E isso não se deixa de reflectir nas letras.

Esta efervescência social que vivemos não é matéria-prima ideal para uma banda que sempre esteve atenta ao seu tempo, aos fenómenos da sociedade e das artes?
JP - É irónico, porque nós aparecemos, quando fizemos o Mai 86, com uma certa visão. Mas só os tolos é que não mudam de opinião. Havia um certo niilismo e desencantamento, que tinha a ver com os anos 80, nas letras e na postura que se assumiu, que passados 20 anos não consigo manter. Olho para as coisas e vejo-as de um modo diferente, não sei se pessimista será a expressão ideal. O pessimimo ter-nos-ia levado a cruzar os braços. E acho que não foi isso que fizemos nem como Pop Dell'Arte nem como músicos ou pessoas. Criámos a Ama Romanta, tentámos fazer o máximo de coisas, e creio que neste momento, e vou dizer uma coisa horrível, seríamos um bom exemplo a seguir. Sobre essa perspectiva ideológica, já que noutras não seríamos nada um bom exemplo a seguir... Assumo o que disse! E digo que seríamos um bom exemplo, porque na época em que estivemos, no período em que aparecemos, não aceitámos as coisas como estavam e quisemos mudar. Inclusivamente, contribuímos para a mudança. As pessoas quando tomam atitudes mudam sempre qualquer coisa, mesmo que depois se vá parar à gaveta ou ao caixote do lixo (que se calhar é o destino de todos, embora não o queriamos aceitar facilmente). Neste momento creio que era importante as bandas e as pessoas mais novas reverem-se em certo tipo de atitude e maneira de estar, obviamente tendo como pano de fundo uma realidade diferente.
(continua amanhã)

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