Na edição de 22 de Outubro de Herman Sic foram entrevistados os actores principais (José Pedro Gomes e António Feio) e o produtor (Leonel Vieira) de Filme da Treta. Todos verberaram a marginalização a que estaria sujeito o género cómico: nos jornais de referência, ignorando os trabalhos teatrais de ambos os actores, e no ICAM, boicotando a produção de comédias.
As políticas do ICAM poderão ser muito discutíveis e, face à televisão, também muito limitadas, mas o boicote a algum género de filmes nunca foi um dos seus princípios. Quanto à indiferença de alguns jornais, não será tão radical como a que a produção de Filme da Treta decidiu praticar em sentido contrário, não mostrando o filme à imprensa, quebrando uma prática salutar vigente há quase três décadas, tanto para filmes portugueses como estrangeiros. Se os profissionais que fizeram Filme da Treta julgam que discutir as qualidades formais do seu trabalho é o mesmo que negar o seu direito a existir, eis um problema psicológico que não me compete enfrentar, nem quero empolar.
Por tudo isso, chocou-me ouvir Herman José resumir de forma anedótica a complexidade artística e financeira de tudo o que estava a ser (apenas) aflorado. Concretamente, Herman José achou por bem denunciar aquilo que chamou “racismo cultural” contra a comédia. E chocou-me (insisto na palavra) porque sendo ele, há mais de vinte anos, o nosso melhor actor de comédia, sempre na linha da frente da cultura popular, carece de autoridade factual para usar uma palavra tão brutal quanto “racismo”, mesmo (ou sobretudo) em tom de displicente ironia.
Faço parte dos primeiros a ter reconhecido e celebrado (num jornal de referência, hélas!) a excelência de Herman José nos tempos pioneiros do “Tony Silva”. E se não preciso que o actor concorde com as reticências que me têm suscitado outros momentos da sua carreira, não posso aceitar que as generalizações fáceis arrasem assim o trabalho de quem escreve, em última instância esquecendo a diversidade da própria obra de Herman José. Admiro de mais o seu talento para poder aceitar passivamente a ligeireza das suas palavras panfletárias. A propósito: os sketches inspirados nos programas Canta por Mim e Dança Comigo (e... Chama-me Nomes) foram brilhantes!
* Texto publicado no "Diário de Notícias" (29 Out.), com o título "Racismo cultural".
MAIL
As políticas do ICAM poderão ser muito discutíveis e, face à televisão, também muito limitadas, mas o boicote a algum género de filmes nunca foi um dos seus princípios. Quanto à indiferença de alguns jornais, não será tão radical como a que a produção de Filme da Treta decidiu praticar em sentido contrário, não mostrando o filme à imprensa, quebrando uma prática salutar vigente há quase três décadas, tanto para filmes portugueses como estrangeiros. Se os profissionais que fizeram Filme da Treta julgam que discutir as qualidades formais do seu trabalho é o mesmo que negar o seu direito a existir, eis um problema psicológico que não me compete enfrentar, nem quero empolar.
Por tudo isso, chocou-me ouvir Herman José resumir de forma anedótica a complexidade artística e financeira de tudo o que estava a ser (apenas) aflorado. Concretamente, Herman José achou por bem denunciar aquilo que chamou “racismo cultural” contra a comédia. E chocou-me (insisto na palavra) porque sendo ele, há mais de vinte anos, o nosso melhor actor de comédia, sempre na linha da frente da cultura popular, carece de autoridade factual para usar uma palavra tão brutal quanto “racismo”, mesmo (ou sobretudo) em tom de displicente ironia.
Faço parte dos primeiros a ter reconhecido e celebrado (num jornal de referência, hélas!) a excelência de Herman José nos tempos pioneiros do “Tony Silva”. E se não preciso que o actor concorde com as reticências que me têm suscitado outros momentos da sua carreira, não posso aceitar que as generalizações fáceis arrasem assim o trabalho de quem escreve, em última instância esquecendo a diversidade da própria obra de Herman José. Admiro de mais o seu talento para poder aceitar passivamente a ligeireza das suas palavras panfletárias. A propósito: os sketches inspirados nos programas Canta por Mim e Dança Comigo (e... Chama-me Nomes) foram brilhantes!
* Texto publicado no "Diário de Notícias" (29 Out.), com o título "Racismo cultural".