Uma campanha conveniente? Ou (e também) uma “pré-re-candidatura” à Casa Branca? Agenda política presidencial de parte, Uma Verdade Inconveniente é, antes do mais, uma confirmação da importância que o cinema documental passou a ter no panorama actual dos circuitos de produção e exibição. O filme é já o terceiro documentário mais visto de sempre nos EUA, superado apenas pelo mais politicamente incorrecto Farenheit 9/11 de Michael Moore e pelos pinguins enregelados do ano passado…
Há cinco anos, quando as características do sistema eleitoral americano (e não os números totais dos votos somados) ditaram a derrota de Al Gore, o candidato retirou-se da vida política activa, reaparecendo alguns meses depois com uma das suas bandeiras de sempre: a política ambiental. Preparou uma conferência apoiada pelas maravilhas do power point, começou a correr auditórios de universidades, auditórios fora das universidades, salas americanas, salas não americanas… Até ao dia em que lhe propuseram a transformação (ou será dele a ideia?) da conferência em filme e livro, tipo fenómeno pop… Convenhamos que a ideia foi uma boa ideia, sobretudo porque revela que Al Gore deixou de ser o cinzento e pouco entusiasmante Al Bore que Bush conseguia vencer até nos debates televisivos, para se tornar num eficaz, contagiante e até bem humorado comunicador. Talvez um dos melhores da actual geração de políticos americanos, num estilo informal quase ao nível de Bill Clinton.
A conferência fala sobretudo de aquecimento global, num discurso ordenado e de descodificação rápida, levantando números preocupantes e cenários eventualmente catastrofistas caso a política ambiental (nomeadamente a norte-americana) não mude. Gore cruza episódios da vida pessoal em momentos em que explica como o universo privado pode dar-nos gatilhos para mudanças de comportamento público. E não perde a oportunidade para ridicularizar Reagan e Bush (pai), denunciando ainda algumas eventuais verdades inconvenientes de relatórios da actual administração… Mostra que a mudança é possível (inclusivamente sem prejuízo económico) e lembra que “neste país a vontade política é, também, um recurso renovável”… Objectivos políticos velados? Ou, afinal, bem claros nas entrelinhas?
O filme tem o mérito de quase nada interferir sobre a viva e cativante conferência de Al Gore, pontualmente cruzando outras imagens (vivendo aí da voz em off do protagonista). No fim garante-se a passagem de uma mensagem urgente. Sugere-se militância. Promove-se a mudança de opinião (de forma mais eficaz que Michael Moore). E um voto diferente em 2008… Terá o cinema encetado uma nova etapa de vida enquanto arma política? Isto sem lhe retirar o papel fundamental que pode ter numa indispensável inversão de rumos, sob pena de enfrentarmos alguns dos piores cenários já levantados pela ficção científica, nos próximos 20 anos…