Sem qualquer manobra promocional por parte da distribuidora local, o melhor filme de animação digital desde Monstros e Companhia corre o risco de passar aquém das suas reais potencialidades no mercado português. Chama-se A Casa Fantasma (Monster House no original), é realizado por Gil Kenan, tem por produtores Robert Zemeckis e Steven Spielberg e acaba, de vez, com aquela dúvida paternalista clássica: é filme para crianças ou para adultos? Nem uma coisa nem outra. Ou, antes, as duas ideias num corpo só. A história, com travo gótico e alguns temperos de filme de terror, mas com o inevitável comic relief (no corpo de um rapaz de corpinho XL), mostra-nos uma estranha casa, aparentemente a cair de velha, habitada por um velho rezingão que parte os brinquedos todos que têm o azar de passar pela sua relva… Em frente vive um rapazinho que passa horas ao telescópio, registando os movimentos do velho, fotografando-o, anotando os “casos” que protagoniza, reparando a dada altura que a casa tem vida própria, e come quem a ela se dirige… Até ao dia… ou antes, a noite em que, pais ausentes e baby sitter mais preocupada em ouvir cassetes de heavy metal que a justificar os dólares que lhe pagam, o pequeno rapaz, mais o amigo avantajado e uma rapariga a quem a casa comeu o carrinho no qual transportava as guloseimas que vendia para a noite das Bruxas, não têm outra alternativa senão entrar em acção, evitando naturalmente ser pitéu para os dentes de soalho e língua de tapete…
A força maior de A Casa Fantasma reside não só num argumento magnificamente elaborado como, sobretudo, na impressionante profundidade das personagens, bem caracterizadas como poucos filmes de carne e osso sabem fazer. Aos rapazes não faltam tiques e comportamentos característicos da idade, à rapariga, a dose de “mulher crescida” que a faz mais sóbria que aos dois catraios. Aos pais a conversa “psicologizante” em voga, à baby sitter e seu namorado, a rebeldia de pacote de quem quer ser diferente, sem na verdade o conseguir ser… Os planos são pensados como se uma câmara por ali andasse, travelings espantosos a habitar todo o filme, a sequenciação das imagens igualmente idealizada como se um grande montador estivesse ao serviço da operação. A música é pastiche de Danny Elfman (nada a apontar), com o oportuno Halloween de Siousxie & The Banshees nos créditos finais.
E depois, cereja sobre o bolo digital, uma opção pela representação claramente imperfeita das figuras humanas, lembrando-nos que estamos a ver um filme de animação e não uma tentativa digital de simular o real. Honesto, sério, inteligente, cativante e assombrosamente hilariante. Um dos filmes do ano!