sábado, julho 29, 2006

"Rio Bravo" para intelectuais

Como chegámos aqui?
Como é possível que a noite de sábado da RTP seja abrilhantada (?) por um programa como A Canção da Minha Vida, uma espécie de "Serão para Trabalhadores" moralmente requen-tado, esteticamente desastroso e artisticamente nulo, tudo servido com o aparato de coisa popular e, mais do que isso, fiel à nossa identidade mais funda?
E que faz com que, ali ao lado, na 2:, passe o sublime Rio Bravo (1959), não apenas uma das obras-primas de um dos génios da idade clássica de Hollywood — Howard Hawks —, mas também uma expressão modelar, consagrada por quase meio século de história da nossa civilização, da mais cristalina arte popular?
Porque é que As Canções da Minha Vida é servido como espelho da nossa maneira de ser, desse modo obrigando-nos a aceitar que somos pueris, falhos de ideias e sempre em festa com a nossa falta de imaginação? E porque é que Rio Bravo surge programado como coisa "especializada", certamente vocacionada para intelectuais e outros monstros mais ou menos suspeitos?
Não que eu queira lidar com uma questão destas (que, em boa verdade, se repete todos os dias) procurando nomear culpados — não quero, além do mais, satisfazer essa Cultura Generalizada da Culpa que a televisão dominante impôs ao país, abominando o acto de pensar e fabricando bodes expiatórios por tudo e por nada. Não me interessa nomear ninguém como culpado e até estou disposto a acreditar que a maioria dos envolvidos com a fabricação e a difusão de As Canções da Minha Vida age na mais límpida seriedade profissional.
O problema não é esse. O problema é que se, pelo menos, não perguntarmos, então estamos a demitir-nos da nossa própria inteligência — como chegámos aqui?

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