quinta-feira, julho 06, 2006

Coisas pequenas

Chega hoje às salas um filme que esperou um ano para ver a luz de um projector de cinema em Portugal. Tem por título Eu e Tu E Todos Os Que Conhecemos (no original Me & You And Everyone We Know), assinala a estreia em cinema da vídeo artist Miranda July e é, garantidamente, um dos melhores filmes que vamos ver este verão. Apesar de nos dar um retrato de cenas da vida comum entre gentes cruzadas num bairro periférico de uma grande cidade de hoje (como recentemente vimos, em DVD, no soberbo Segredos Urbanos e, brevemente, em Finais Felizes, em sala), o filme de Miranda July evita o templateMagnólia” e até mesmo o toque Todd Solondz que algum deste cinema parece frequentemente transportar na alma. O filme é, na verdade, um profundo depoimento de personalidade e identidade artística e, mesmo não querendo nunca transportar para a sua identidade (e imagem ou mesmo conceito) quaisquer características do vídeo de arte, espaço no qual Miranda July fez até aqui carreira, não deixa de nos presentear com ideias invulgares nas narrativas ou visões estéticas mais características do mundo do cinema. Há planos, ideias gráficas - como a sinalética ))<>((, cujo significado descodificará quem vir o filme -, pequenas discretas visões, que revelam uma sensibilidade artística invulgar, um gosto pelo detalhe esteticamente pertinente (e que acaba por ser narrativamente consequente).
Numa visão rápida, podemos descrever Eu e Tu E Todos Os Que Conhecemos como um conjunto de vidas que se encontram em volta de um núcleo familiar constituído por um pai divorciado e seus dois filhos, estes dois frutos da idade da Internet, o mais pequeno entrando em chats mesmo sem ainda dominar a escrita, usando técnicas de cut and paste (os seus diálogos online, e eventuais consequências, são dos momentos mais espantosos do filme). Em volta mora uma muito jovem rapariga que colecciona electrodomésticos para um enxoval de sonho, um adulto de barriga já pronunciada que é alvo da provocação de duas adolescentes. Mais distante fisicamente, mas cruzando-se a dada altura com o “pai” acima citado, na sapataria onde este trabalha, uma jovem taxista (que apenas transporta idosos), que nas horas vagas sonha (e realiza) projectos artísticos em vídeo. Esta figura é interpretada pela própria Miranda July, num papel com evidentes traços autobiográficos e uma história artística que não deixa de parodiar o circuito das elites intelectuais, nomeadamente na figura de uma directora de museu que terá de enfrentar para tentar levar o seu projecto do anonimato do seu T zero de paredes cor de rosa às salas de exposição. Um olhar crítico, mas positivo, saudável, luminoso, sobre o mundo urbano em que vivemos, elixir saudável num momento em que a maior parte das visões do mundo moderno em cinema parecem casos de depressão a pedir urgente psicoterapia. Uma das revelações do ano!

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