quinta-feira, junho 01, 2006

O irmão do meio

Não é a primeira vez que vemos Nick Cave a assinar um argumento de um filme. Já o tinha feito em 1988, em Ghosts Of The Civil Dead, de John Hillcoat. Mas em The Proposition (que hoje estreia entre nós sob o título Escolha Mortal) dá sinais de ser um autor a ter em conta e ao qual queremos pedir mais filmes… Trata-se de uma adaptação do registo do western ao desolado interior australiano, numa história projectada no final do século XIX, tempo de procura, ainda difícil, de uma ordem civil que só décadas mais tarde seria norma na velha colónia britânica. O filme acompanha um episódio na vida de um chefe de polícia local, inglês, que desafia as regras olho-por-olho-dente-por-dente da fácil justiça popular para, caçar um psicopata com requintada história de crimes de sangue. Captura dois dos seus irmãos, parceiros numa espécie de tendência de “negócio familiar” mais dado a desejar o que é do alheio que o seu, mas fica apenas com o mais novo sob custódia, ao irmão do meio (um irreconhecível Guy Pierce) pedindo que lhe traga o mais velho, sob pena de sentenciar de morte o benjamim de triste sorte. O filme não se transforma numa corrida do gato e do rato, mas antes procura explorar a forma como este pacto afecta a comunidade da vilória (e o próprio político bem vestido que os chefia) que exige castigo violento ao único dos irmãos “caçado”, forçando o capitão Stanley a romper involuntariamente o acordo “de cavalheiros” que havia feito, caminho naturalmente aberto para eventuais represálias...
O filme adapta magnificamente o registo western a um território onde as semelhanças são evidentes, todavia sob premissas geográficas, antropológicas e políticas bem diferentes. A presença de um poder colonial, a relação ainda evidente com Inglaterra (John Hurt surge com um papel de caçador-de-prémios que respira a alma do inglês esclarecido, mesmo que céptico, do seu tempo), a realidade cultural e social australiana são firmes marcos de personalidade num filme que, mesmo piscando o olho a Sam Peckinpah, não resvala nunca para spaghetti dos antípodas. Espanto dos espantos, o pior do filme é… a música (de Nick Cave!).

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