O rosto à direita é o de uma personagem chamada Sofia (Sook-Yin Lee). No exercício da sua profissão de consultora sexual, recebe dois homens a quem acaba por confessar que a sua própria vida sexual é "feliz", embora se defina como uma pessoa pré-orgástica. "Está à beira de ter um orgasmo?", pergunta um deles; ao que ela responde: "Não, nunca tive um." Eis uma execlente ironia que diz bem da heterodoxia que marca o novo filme do realizador de Hedwig (2001), John Cameron Mitchell — chama-se Shortbus (está na selecção oficial, extra-competição) e é uma espécie de retrato das diferenças (e feéricas coexistências) de todas as orientações sexuais em cenários de Nova Iorque subtilmente marcados pelas angústias do pós-11 de Setembro.
Em todo o caso, não se pense que Shortbus funciona com uma mera comédia de costumes. Nada disso. Sob uma capa aparentemente ligeira e festiva, Cameron Mitchell vai construindo uma teia de muitas e dilaceradas solidões, tendo mesmo uma espantosa personagem, James (Paul Dawson), cujas componentes suicidas inscrevem no filme uma dor e uma transparência que, em última instância, nos esclarecem sobre o seu tema nuclear: a demanda do amor.
Com banda sonora dominada pelos Yo la Tengo, Shortbus é um caso exemplar de um cinema das margens que, em boa verdade, tem a capacidade para tocar algumas das questões mais delicadas do presente. A saber: a definição da identidade muito para além das ilusões de uma sexualidade "transparente". E ainda a actual conjuntura made in USA, devorada pelo desencanto gerado pelos seus próprios fantasmas colectivos.
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Em todo o caso, não se pense que Shortbus funciona com uma mera comédia de costumes. Nada disso. Sob uma capa aparentemente ligeira e festiva, Cameron Mitchell vai construindo uma teia de muitas e dilaceradas solidões, tendo mesmo uma espantosa personagem, James (Paul Dawson), cujas componentes suicidas inscrevem no filme uma dor e uma transparência que, em última instância, nos esclarecem sobre o seu tema nuclear: a demanda do amor.
Com banda sonora dominada pelos Yo la Tengo, Shortbus é um caso exemplar de um cinema das margens que, em boa verdade, tem a capacidade para tocar algumas das questões mais delicadas do presente. A saber: a definição da identidade muito para além das ilusões de uma sexualidade "transparente". E ainda a actual conjuntura made in USA, devorada pelo desencanto gerado pelos seus próprios fantasmas colectivos.