Scott Walker “The Drift”
Quando este disco aterrou nas minhas mãos, já lá vão uns dois ou três meses, a primeira reacção foi de visceral rejeição. Com as lógicas sinfonistas dos álbuns de 1967 a 70 e o negrume “arrumado” do genial Tilt (1995) na memória, o caos aparente de The Drift parecia… nada. Apenas incomodava. Um pouco como quando se entra numa exposição de pintura não figurativa, os sentidos ditam a reacção primeira. Gosto. Não gosto. Scott Walker parecia ter feito uma colecção de esgares e cenários retorcidos, aparentemente aleatórios, desnorteados, perdidos… O disco exigia, pois, tempo de audição. Trabalho de escuta e reflexão… Até que a porta se abriu por uma eventual afinidade visual com o sentido de incómodo que nos é sugerido por muita da pintura de Francis Bacon. Como somos gente, com capacidade para transformar o não gosto em gosto (e vice versa), por muito que aos matemáticos do gosto lhes pareça impossível que se mude de opinião (e esta é a característica que distingue o indivíduo de livre pensamento da multidão a quem se impõe uma razão), The Drift ganhou aos poucos o seu lugar. Aprender a gostar do que ao princípio se rejeitou pode ser uma vitória da personalidade, que encontra por si uma relação com o objecto. O recíproco igualmente válido, claro.
Apesar de ter gravado a música para Pola X de Leos Carax (1998), produzido o último álbum dos Pulp e contribuído com duas canções para Punishing Kiss de Ute Lemper, Scott Walker quase viveu em silêncio desde 1995. The Drift, o regresso, parte de Tilt, mas mergulha mais fundo, ostensivamente rumo a um desejo de abstracção, mas procurando encontrar um sentido de coesão e mesmo homogeneidade entre as canções, como se de um ciclo se tratasse. Liberta-se do esqueleto da canção e saboreia uma espécie de deriva surrealista entre elementos de noise industrial, colagens, sugestões de música concreta, passagens orquestrais, atonalidade, art-rock para guitarras, ambientes sombrios. E por cima lança palavras crípticas e ideias apocalípticas numa voz quase operática, profunda nos 63 anos de vida de comunicação rara, mas intensa sempre que acontece. Inclassificável, The Drift é expressão artística de um tempo de loucura global, de violência e alienação. Mas representa pesadelos concretos ou é mera divagação estética? Já se leram comparações de mais deslumbramento que de razão musicológica ao Pierrot Lunaire de Scöenberg, referências a Xenakis, a Ligeti… Usemos antes a linguagem sugerida pelo próprio Scott Walker, e entendamos The Drift como uma peça que visa a “sedução” pelo incómodo que inicialmente provoca, um pouco como o já citado Francis Bacon causa pela sua pintura. Estranho. Muito estranho. Mas cativante a cada nova audição.
The Raconteurs “Broken Boy Soldiers”
Não lhes chamaria um supergrupo, mas a lógica que conduziu à sua formação não está longe da que tem criado os projectos nascidos sob essa designação. Os Raconteurs são Jack Lawrence e Patrick Keeler (ambos dos The Greenhornes), Brendan Benson e Jack White (White Stripes) e neste disco promovem a construção de um episódio de puro prazer rock’n’roll, desenhado entre a aceitação de velhas heranças (Beatles, por exemplo, bem visíveis em Hands) e pontuais desafios formais, sem nunca perder a noção de que a canção é a meta. A apresentação do álbum fez-se pelo notável single Steady As She Goes, docinho para FM como há muito se não escutava, revelando claramente as preocupações pop que haviam aflorado no injustamente ignorado mais recente álbum de Brendan Benson. O álbum não volta a visitar os caminhos tão imediatos do single, mas oferece uma sólida viagem por terrenos rock’n’roll.
Sondre Lerche “Duper Sessions”
É sempre perigoso colocar a carroça à frente dos bois… Foi o que fez o jovem norueguês Sondre Lerche. Depois de um soberbo álbum de estreia no qual se revelava frescura pop na composição e uma voz ensopada em entusiasmo, e de um segundo álbum de maior contenção na luminosidade, mas igualmente seguro, Sondre Lerche transformou alguns meses de vida na estrada com Elvis Costello no desejo de gravar um álbum de versões em clima… jazzy… Os instrumentos são os certos, a gravação precisa, a escolha de repertório não é má, mas a voz não convence ainda neste registo. Um pouco como o inenarrável disco de massacre de clássicos de Sinatra por Robbie Williams, este é um disco frouxo, com mais olhos que barriga e um redondo estampanço! Não é a caução do apelo ao público “alternativo” dos discos anteriores que distancia este engano do que Robbie Williams assinou. O senhor Sondre que dê a volta ao tabuleiro, passe pela casa partida e não receba os dois contos…
Vários “The Hacienda Classics”
Casa mítica na história pop de Manchester, a Haçienda (com número de catálogo Fac 51) albergou não só concertos visionários de artistas do catálogo da editora à qual nasceu associada, como assistiu a etapas fundamentais numa revolução que colocou a música de dança na linha da frente do protagonismo musical de finais de 80 e inícios de 90. Esta antologia em três CD convoca memórias house, acid house, italo house, ambient e indie rock (facção dançável), evocando clássicos que ali foram floor fillers nos seus dias. A Guy Called Gerald, Todd Terry, 808 State, Jaydee, Inner City ou New Order, entre mais, numa colecção de 47 temas escolhidos por Peter Hook. Interessante, às vezes, por convocar memórias populares que costumam escapar às recolhas mais “exigentes” nos campos revisitados. Pena que, depois, não barre a entrada a uma ou outra memória pop-ularucha… Culpa do porteiro!
Também esta semana: Red Hot Chilli Peppers, Bruce Springsteen, Grandaddy, Matmos, Roddy Frame, The Stills, Only After Dark (compilação pós-punk seleccionada por Nick Rhodes e John Taylor)
Brevemente:
15 de Maio: Thievery Corporation, Zero 7, Fatboy Slim, Fadomorse, Phoenix, The Czars, Seu Jorge, Faris Nourallah
22 de Maio: Pet Shop Boys, Hot Chip, Boy Kill Boy, Futureheads, Sex Pistols (reedição), William Orbit, Houdini Blues, Hugo Largo (reedição), Final Fantasy
29 Maio: You Should Go Ahead, Expansive Soul, Clear Static, Radio 4, Frank Black, Spiritualized, Death From Above 1979, Velvet Underground (antologia), Matthew Herbert, Can (reedições)
Discos novos ainda este ano: Woman In Panic, U-Clic, Primal Scream (Junho), Muse, Lisa Germano (Julho), Whitest Boy Alive (Junho), Sonic Youth (Junho), Protocol (Verão), B-52’s, Björk, Beyoncé, Blur, Bryan Ferry, Cornershop (Juho), Damon Albarn (Verão), David Bowie (Junho), Depeche Mode (ao vivo, Outono), Duran Duran (Verão), Feist (Outono), Franz Ferdinand (Outono), Hector Zazou, Jarvis Cocker (Junho), Joseph Arthur, The Killers (Outono), Kim Wilde, Michael Franti (Junho), Michael Nyman (Junho), Moby (Verão), Neneh Cherry, Nine Inch Nails, Outkast, Paul Simon, Peter Gabriel, Polyphonic Spree (Julho), Q-Tip, Radiohead, St Etienne, Scissor Sisters (Outono), Sisters Of Mercy, Madonna (Lisboa ao vivo DVD), New York Dolls (DVD)
Reedições e compilações ainda este ano: Art Of Noise, Björk, Jesus & Mary Chain, Frankie Goes To Hollywood, Kate Bush (Novembro), Oasis (Lados B, Junho), Propaganda, Byrds (reedição), Clash (reedição)
Estas datas provém de planos de lançamento de diversas editoras e podem ser alteradas a qualquer momento.
MAIL