sábado, abril 29, 2006

Trilogia de Nova Iorque (3)

Há muitos anos que não subia ao Empire State Building, "escalada" que normalmente se faz na primeira visita a Nova Iorque e, pronto, está visto… A coisa não mudou muito desde dessa visita de estreia, em 1987, com a grande diferença apenas constatada na falta das Torres Gémeas, que durante 30 anos roubaram ao velho Empire State o estatuto de “edifício mais alto de Nova Iorque”. Pormenor curioso de ignorância pós-11 de Setembro entre alguns que vivem em ansiedade permanente e ainda não consegue um olhar a frio sobre o mundo ao seu redor, uma professora a acompanhar um grupo de estudantes (estávamos em plena Spring Break) avisava que o acesso ao observatório do 102º andar estava fechado desde os ataques terroristas… Bastava-lhe olhar para o elevador de acesso, a levar quatro ou cinco pessoas de cada vez (porque se pagam 14 dólares adicionais para esses últimos 16 andares), para ver que estava redondamente enganada… E como este engano, muitos parecem ainda por esclarecer.
PS. A imagem principal deste post é um néon que se encontra no átrio dos elevadores do 80º andar do edifício.

É impossível estar alguns dias em Nova Iorque sem passar pelas salas de cinema, tantas que são as propostas oferecidas entre novidades e reposições. A cidade preparava-se para o Tribeca Film Festival, no qual foi feita a primeira ante-estreia de United 93. A chegada do primeiro filme sobre os ataques terroristas de 11 de Setembro foi um dos assuntos de que mais se falou na última semana em Nova Iorque. Publicaram-se sondagens sobre a vontade do cidadão americano em ver, já, um filme sobre os atentados (muitas delas com números a apontar mais respostas "não" que "sim"). Viram-se entrevistas com familiares dos que morreram nesse voo, e que aceitaram ser consultores do filme, apontando muitos United 93 como uma história de coragem, liberdade e patriotismo. As cautelas estenderam-se ao trailer, que, antes de mostrar imagens do filme, nos coloca perante uma voz que contextualiza, que explica como os familiares das vítimas foram escutados durante a produção. E que acaba a sublinhar que parte das receitas recolhidas seguirá para fundos de auxílio aos que perderam entes queridos naquele avião. O realizador Paul Greengrass sabia desde o início que tinha em mãos uma história sensível, para a qual nem toda a opinião pública americana está preparada. O argumento baseou-se nas gravações das últimas conversas telefónicas entre os passageiros sequestrados e os seus familiares. Apesar de algumas recusas, a maioria dos familiares dos passageiros aceitou colaborar, não só na produção, como nesta fase de preparação "pedagógica" de uma estreia que chega com todas as cautelas. Os familiares, e não os actores, são quem tem dado rosto às entrevistas televisivas, nas quais é recorrente o elogio ao realizador por ter usado nomes desconhecidos no elenco. "Ver o Brad Pitt a fazer de meu marido não faria sentido", dizia, há dias, a viúva de um dos heróis do voo 93 a um canal de TV.

A estreia mais mediatizada da semana foi American Dreamz (previsto para chegar às nossas salas em Maio), uma tentativa de comédia de terapia pelo riso contra a ameaça terrorista. O filme retrata uma América na qual há mais gente com vontade em votar em concorrentes de concursos televisivos (departamento reality show) que no Presindente. Este, em evidente paródia exagerada a Bush, é um fantoche que entra em depressão depois de reeleito, ao aperceber-se, lendo jornais e livros, que o mundo é bem mais complicado que o que lhe mostram nos briefings com desenhos. Para renovar a imagem do Presidente, o seu staff coloca-o como júri na final de um concurso tipo Ídolos, a cuja final chega uma loira ambiciosa, um judeu e… um árabe. Este não é mais que um terrorista “adormecido”, com hora de acordar apontada ao momento em que se encontrar, em directo, com o Presidente, devendo fazer-se rebentar com uma bomba, a si e ao inimigo. O filme não quer uma ser motor de uma reflexão sobre o estado das coisas, mas tropeça em facilidades superficiais, sobretudo na caricatura dos árabes, um deles com sonhos de Broadway, os restantes a vê-lo na TV, à noite, nas suas tendas algures num campo de treinos no Médio Oriente. Nem a crítica poupou o filme. Nem o box office se agitou… Tiro ao lado!

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