Uns dias em Nova Iorque explicam o silêncio de alguns dias neste blogue, som e visão devidamente repostos desde ontem. Dias naturalmente passados avenidas acima, avenidas abaixo, ruas a leste ruas a oeste, com parte substancial do tempo, como sempre, entre o Greenwich Village (sobretudo a irresistível Bleeker Street, casa de algumas das melhores lojas de discos da cidade), o East Village, o Soho e TriBeCa. Livros muitos, DVDs idem idem, CDs também, nem todos com lançamento previsto por estes lados, mas dos quais aqui se dará notícia. A abrir uma série de posts nova-iorquinos, uma imagem viva de Times Square que, apesar de ex-libris de NYC, lembra sempre mais Tóquio que a grande maçã… Basta depois olhar para os cartazes dos musicais que moram nas imediações, entre a rua 42 e 49, entre a oitava avenida e a sétima, Broadway pelo meio, para nos assegurarmos que estamos no sítio certo.
Etapa protagonista da viagem (e seu motivo principal), os concertos dos Scissor Sisters no Bowery Ballroom, uma velha sala de danças com todos em Delancey Street, zona Norte da degradada Chinatown, mas onde não faltou a nata da celebridade local, Cher entre as mais destacadas presenças na pequena sala para 498 lugares (sim, número preciso indicado num cartaz à entrada). A banda interrompeu, por dois dias, os trabalhos de gravação do seu segundo álbum, que entretanto retomaram para poder assegurar lançamento no fim do Verão. Os concertos foram, ostensivamente, de apresentação (leia-se teste) das novas canções, com um total de oito inéditos escutados num serão de 15 canções. Belíssimas surpresas sobretudo em I Can’t Decide, um híbrido pop viçoso e luminoso que nasce entre a country e o vaudeville, e desde já candidata a ser uma das melhores canções do ano. Muito boa ainda If You Want These Lips, um cruzamento de glam rock com electrónica que vai ser festa em disco e ao vivo. Aplauso também para a sólida balada que é Land Of A Thousand Words, evocação directa das memórias de Elton John nos anos 70 (e milhas acima da apenas morninha Mary). Das oito canções novas destacou-se uma evidente presença protagonista de temperos glam, mas as marcas de identidade do álbum de estreia, o disco sound à Bee Gees (bem evidente em I Don’t Feel Like Dancing) e um rock vivo e festivo dominam a oferta. Quanto à questão de que se fala, ou seja, quem é o convidado “mistério” do álbum, as dúvidas mantém-se. Há uma canção, que creio chamar-se The Other Side, que tresanda a Roxy Music de finais de 70 (ou seja, será Bryan Ferry?)… Mas na folha de alinhamento, no chão do palco, um dos temas vinha apenas citado como Paul McCartney… Será o título da canção? Ou o do convidado? Ficamos à espera da resposta… Quanto à reportagem completa, podem contar com ela, brevemente nas páginas da ‘6ª’, no DN.
A imagem do concerto neste post foi tirada do fórum do site oficial dos Scissor Sisters, assinada por Missmodernage.
Entre as leituras desta viagem um pequeno livro da série 33 1/3, dedicado ao álbum de estreia dos Ramones. Leitura certa no lugar certo e a revelação de um dos melhores títulos da série, capaz de contextualizar o nascimento do punk nova iorquino no seu lugar e tempo, justificando-o, por oposição ao punk britânico como um fenómeno de características sociais menos sombrias, e com relação directa entre uma tradição de ligação entre a alta e baixa cultura, que Andy Warhol e suas ramificações inscreveram na história cultural da cidade. E, claro, não falta neste retrato, e sobretudo tratando-se do caso Ramones, a constatação de que um sentido de humor muito peculiar dominou a génese de um movimento que, contra a memória politizada da geração hippie de finais de 60, nem quis ser político (o livro desmonta até as iconografias nazis da época) nem transformou os seus fiéis em crentes de dogmas niveladores e silenciadores da diferença. Pelo contrário, e como poucos outros movimentos culturais pop, o punk promoveu a individualidade, a identidade, a afirmação da diferença. O autor, Nicholas Rombes, é professor de inglês numa universidade em Detroit, mas faz do seu olhar sobre o punk, os Ramones e a Nova Iorque de 1974 a 76 um espaço de leitura contagiante, de imagens claras e expressivas, e sem qualquer manifestação de academismo. Brilhante!
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