quinta-feira, março 30, 2006

Ninguém sabe... da mãe


Um dos melhores filmes do ano até ao momento chega hoje às salas e volta a obrigar-nos a prestar atenção às novas cinematografias orientais, nomeadamente a nova geração de realizadores japoneses. Ninguém Sabe é a história, real, de uma mãe que abandona os quatro filhos num pequeno apartamento, e mostra como o ténue equilíbrio de uma família, já de si atípica na origem, se degrada e acaba por projectar depois aquelas quatro vidas num rumo de anarquia inevitável, sem que, todavia, alguém nos apartamentos ao lado alguma vez se aperceba de nada. Ninguém Sabe.
A história, verídica, começa por nos mostrar a mudança de uma mãe e um filho para um novo apartamento, ambos apresentando-se à vizinhança com todas as vénias e sorrisos como manda a boa educação. Uma fachada, porque nas malas, que a empresa de mudanças leva para o pequeno apartamento, há, além das roupas e tachos, mais dois filhos pequenos, uma quarta chegando à noite, de comboio… Com três filhos “clandestinos”, a família só se mostra publicamente pela mãe que sai cedo e regressa tarde, e o filho mais velho que faz as compras, divide tarefas ao arrumar a casa, cozinha, e ensina os mais novos, estes nem sequer com autorização de se aproximar da varanda, muito menos de mostrar um pé fora da porta. Nenhum vai à escola, mas não escondem vontade de o fazer. A mãe afasta-se por vezes, mas regressa com prendas. Mas um dia abandona-os de vez. E aquela vida escondida a quatro vai procurar caminhos de sobrevivência. Até que se esgota o dinheiro, a luz é cortada, assim como a água, o gás… E o caos é inevitável.
Ninguém Sabe é filmado por Hirokazu Kore-eda com um realismo impressionante e liberto de uma qualquer carga moralista que procure comentar as atitudes (da mãe desligada, da anarquia instalada). Mas não deixa, mesmo sem tomar por si juízos de valor (deixando-os apenas ao espectador), de reflectir sobre o que é viver num lugar onde o amor está ausente. Este é, ainda, mais um olhar sobre o espaço da família, e a forma como se estabelecem (ou quebram) valores ou ligações que os modelos “tradicionais” davam como estruturais e sólidos.

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