quinta-feira, dezembro 15, 2005

Um pequeno (grande) filme

Há qualquer coisa de estranhamente suicidário no modo como, muitas vezes, o mercado passou a (não) promover determinados filmes, sobretudo os que reflectem a permanência de uma produção salutarmente mediana (pelos meios). Dir-se-ia que a fúria dos blockbusters — "bons" ou "maus", não é isso que está em causa — gerou, nas equipas de marketing, uma indiferença letal pelos produtos que não podem ser vendidos em nome do seus "orçamentos" ou da abundância dos respectivos "efeitos especiais"... É triste. E quem tem pago o preço de tal desequilíbrio são filmes como Shopgirl, agora chegado às salas através um lançamento que, por pudico eufemismo, classificaremos de discreto.
E não se julgue que estamos perante um objecto esotérico, vindo dos confins de uma qualquer produção "independente", distante das zonas mais populares do mercado. Nada disso: trata-se de um filme liderado por Steve Martin na tripla condição de actor, produtor e argumentista (aliás, adaptando uma novela de sua autoria), com a realização entregue a Anand Tucker. Shopgirl evolui num registo de subtil comédia dramática que tem todas as condições para atrair muitos espectadores — sobretudo aqueles que, erradamente, julgam que já não se fazem filmes deste género. Estamos, afinal, perante um retrato feliz, mas profundamente desencantado, de três vidas cruzadas — Steve Martin, Claire Danes e Jason Schwartzman — e dos poderes insólitos do amor nos seus movimentos interiores.
Infelizmente, e para confirmar o cepticismo da nossa visão inicial, o título português é mais uma lamentável prova de inadequação, transformando Shopgirl numa (ilusória) telenovela: Uma Rapariga Cheia de Sonhos. Aliás, se o filme é alguma coisa é, justamente, uma demarcação radical das facilidades humanas e da retórica formal dos modelos televisivos dominantes.

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