Ao longo das últimas décadas, muita tinta correu sobre os malefícios cinematográficos dos chamados "pudins europeus". Entenda-se: filmes resultantes de uma aliança financeira de entidades de vários países da Europa, daí retirando algumas vantagens orçamentais, mas sem que houvesse a preocupação de gerir tal diversidade, colocando-a ao serviço de um projecto, pelo menos, dramaticamente coerente. Ironicamente, Feliz Natal é um filme cujo inesperado equilíbrio narrativo parece resultar, afinal, da confluência das mais variadas contribuições (provenientes de cinco países: França, Alemanha, Reino Unido, Bélgica e Roménia). Isto porque o filme é, ele próprio, uma abordagem de um episódio marcado por uma insólita diversidade cultural. Mais concretamente, Feliz Natal evoca o facto (historicamente documentado) de, no Natal de 1914, nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, soldados franceses, escoceses e alemães terem vivido um breve período de tréguas, partilhando o ideal pacifista da quadra natalícia. O filme dirigido por Christian Carion — candidato oficial francês à nomeação para Oscar de melhor filme estrangeiro — tem a vantagem simples de saber preservar as diferenças das suas personagens, por exemplo evitando os efeitos de "homogeneização" tão típicos dos citados "pudins": aqui, cada um fala a sua língua, desse modo instalando-se um sistema de comunicações e cumplicidades que tem tanto de directo como de subentendido. Num contexto em que as ficções televisivas tantas vezes reduzem as memórias da Europa a estereótipos simplistas, é bom deparar com um filme como Feliz Natal e com o seu elementar respeito pela complexidade estrutural e simbólica de qualquer facto histórico.
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