O lançamento de Don Quixote de Orson Welles impõe recordar um facto muito objectivo: não existe nenhum Don Quixote de Orson Welles. A partir de meados da década de 50, e ao longo de vários anos, Welles, de facto, foi filmando cenas daquilo que seria o seu projecto de recriação — certamente muito pouco ortodoxo — da personagem de Cervantes. O certo é que a carreira de Welles foi marcada por muitos sobressaltos. Entenda-se: vários dos seus projectos tiveram imensas dificuldades de financiamento e foram ficando pelo caminho em estado mais ou menos agonizante (por exemplo, The Other Side of the Wind, de 1972, permanece preso por complexos problemas legais). Na prática, de Don Quixote restaram algumas dezenas de minutos que não podem ser, infelizmente, mais do que uma memória imperfeita e desorganizada daquilo que talvez pudesse ser um grande filme...
...Talvez. Por isso mesmo, aquilo que Jesus Franco fez nesta montagem a que «colou» o nome de Welles decorre da pura arbitrariedade histórica: montar as imagens «como se» fossem montadas por Welles, «remendando» o que fosse necessário com novas gravações de diálogos. Como se isto não bastasse, as deficiências técnicas de muito material recuperado emprestam ao filme uma confrangedora imperfeição «amadora» que se quer fazer passar por «prova» histórica.
Porventura algumas imagens reflectem o génio do olhar de Welles? Talvez. Mas não mais que um esboço de um grande pintor feito num qualquer papel que ele abandonou. Uma atitude (possível) teria consistido em reunir o material que sobrou, contextualizando-o e apresentando-o no seu irremediável caos — seria uma atitude humilde de conservação do património. Outra, bem diferente, consiste em «roubar» esse património em nome da verdade de um projecto que, de facto, ninguém conhece — e ninguém pode conhecer. É bom não esquecer que também a história dos filmes se faz, por vezes, de vazios impossíveis de preencher. Até prova em contrário, essa história não se faz dos filmes que «podiam» ter sido feitos...
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...Talvez. Por isso mesmo, aquilo que Jesus Franco fez nesta montagem a que «colou» o nome de Welles decorre da pura arbitrariedade histórica: montar as imagens «como se» fossem montadas por Welles, «remendando» o que fosse necessário com novas gravações de diálogos. Como se isto não bastasse, as deficiências técnicas de muito material recuperado emprestam ao filme uma confrangedora imperfeição «amadora» que se quer fazer passar por «prova» histórica.
Porventura algumas imagens reflectem o génio do olhar de Welles? Talvez. Mas não mais que um esboço de um grande pintor feito num qualquer papel que ele abandonou. Uma atitude (possível) teria consistido em reunir o material que sobrou, contextualizando-o e apresentando-o no seu irremediável caos — seria uma atitude humilde de conservação do património. Outra, bem diferente, consiste em «roubar» esse património em nome da verdade de um projecto que, de facto, ninguém conhece — e ninguém pode conhecer. É bom não esquecer que também a história dos filmes se faz, por vezes, de vazios impossíveis de preencher. Até prova em contrário, essa história não se faz dos filmes que «podiam» ter sido feitos...