
JL: Wise ficará para a história como o mais discreto dos artesãos. À boa maneira clássica de Hollywood, tinha a versatilidade que lhe permitia mudar de registo (e género) sem pôr em causa a eficácia dramática e emocional de um bom argumento. Mais do que isso: sabia valorizar projectos de rotina com o know how de quem, da montagem à produção, tinha forjado uma discreta, mas muito forte, personalidade criativa. Lembremos casos exemplares como The Set-up (1949), um filme vibrante sobre os bastidores do boxe, com Robert Ryan, ou Audrey Rose (1977), brilhante exercício na área do terror e também um dos mais esquecidos descendentes da vaga de "Exorcistas" que, nos anos 70, proliferaram na produção americana.
NG: Tenho uma forte e muito antiga releção pessoal com Robert Wise (leia-se, com o seu cinema, claro!). A minha mãe viu, no Tivoli, Música No Coração horas antes de eu nascer. Quando, finalmente, tive tempo de vida para me poder sentar numa plateia e ver um filme, ali encontrei o primeiro momento de gosto pelo cinema (e pela canção). Em inícios de 70 vi o filme todos os Verões, sempre que regressava ao Tivoli. Sala antiga, sóbria, sem pipocas... Escutei o disco, até lhe gastar as espiras... Com o tempo descobri depois o outro Robert Wise. Um homem capaz de vestir todos os géneros, desta adaptação ao ecrã do registo tradicional da Broadway à descontrução da ideia clássica do musical, levando-o para a rua e para as gentes do seu tempo em West Side Story. Espreitando ainda, sem a alma viciada pelos pulp magazines dos anos 30 e 40, uma visita de extra-terrestres em The Day The Earth Stood Still, deslumbrando-me mais tarde com a dimensão plástica das imagens que cruzam o espaço na primeira adaptação de Star Trek ao cinema. Klaatu barada niktoo! (basta ver The Day The Earth Stood Still para descodificar esta última frase)...