sexta-feira, agosto 22, 2025

Patti Smith, Snowball

Disco do ano? Disco do ano de 2025? Ou disco do ano de 1975?
Tanto faz... Patti Smith acaba de anunciar uma edição comemorativa dos 50 anos de Horses (10 outubro), sendo, por isso, nosso dever divulgar e celebrar a notítica. Com uma das canções nunca editadas: Snowball.

The Naked Gun: quem salva a comédia?

Liam Neeson numa sessão de arriscada fisioterapia...

Há mais de três décadas, The Naked Gun foi uma série de filmes apostados em brincar com as regras de um certo cinema policial. O novo The Naked Gun: Aonde É que Pára a Polícia? tenta recuperar o seu humor, mas nem mesmo Liam Neeson consegue salvar a situação — este texto foi publicado no Diário de Notícias (31 julho).

A partir de hoje [31 julho] nas salas portuguesas, The Naked Gun: Aonde é que Pára a Polícia? tem na sua campanha um curioso cartaz em que Liam Neeson mostra o seu distintivo policial, “apoiando-se” na moldura da própria imagem numa pose de inusitada espargata de bailarino. A legenda prolonga o sarcasmo: “o alcance da lei nunca se esticou até tão longe...”
Em boa verdade, a imagem não pertence ao filme. Isto porque o humor que esta realização de Akiva Schaffer tenta recuperar e, de alguma maneira, reinventar não é especificamente burlesco. O que aqui mais conta não são as transfigurações mais ou menos ginasticadas (burlescas, precisamente) dos corpos, mas sim as componentes absurdas dos diálogos e também, logo a abrir, as desconcertantes palavras do discurso em off do protagonista, o tenente Frank Drebin Jr. — essa voz apresenta-se, aliás, como uma caricatura dos narradores da grande tradição do filme “noir”.
O novo Naked Gun é o nº 4 de uma das mais atípicas “franchises” geradas por Hollywood ao longo das últimas décadas. Concebido por um trio de criadores — Jim Abrahams e os irmãos David e Jerry Zucker —, vale a pena recordar que o primeiro título, Aonde É que Pára a Polícia? (agora recuperado como subtítulo português) surgiu em 1988 [poster], numa época em que a “grande aventura” (Indiana Jones & etc.) era ainda a matriz dominante das produções mais rentáveis. Aí ficámos a conhecer as atribulações do tenente Frank Drebin, interpretado, com apoteótica vocação para ser distraído, pelo veterano Leslie Nielsen.
Sempre a habitar um mundo de pernas para o ar (decididamente, a metáfora das pernas adequa-se a este universo...), Drebin regressou em 1991 e 1994 com dois títulos ainda mais absurdos. Ou seja: primeiro, Aonde É que Pára a Polícia? Parte 2 ½: O Aroma do Medo; depois, Aonde É que Pára a Polícia 33 1/3. Nielsen faleceu em 2010, contava 84 anos, e o assunto parecia encerrado. De facto, este retorno de Naked Gun, além de francamente banal, parece decorrer menos de um genuíno conceito de recriação ou reinvenção, ilustrando apenas a falta de visão de alguns executivos dos grandes estúdios (Paramount, neste caso) que tendem a identificar a ideia de sequela como princípio “obrigatório” de qualquer plano de produção.
Três décadas passadas, a escolha de Liam Neeson para interpretar o filho do primeiro Drebin — há uma cena com um retrato da personagem do pai para situar as memórias da própria “franchise” — tem tanto de bizarro como terá tido a estreia de Nielsen no filme de 1988 (ele que, tanto em cinema como em televisão, tinha sido quase sempre um competente secundário em registos predominantemente dramáticos). Quanto a Neeson, ultimamente dedicado a policiais mais ou menos estereotipados, convém não esquecer que, em momento fulcral da sua carreira, obteve uma nomeação para o Oscar de melhor actor pelo papel de Oskar Schindler em A Lista de Schindler (1993), de Steven Spielberg.

Humor & nostalgia

Na companhia de Pamela Anderson, também ela marcada pela frágil glória da série Baywatch/Marés Vivas (1989-2001), Neeson compõe, assim, um investigador igualmente desastrado que, sempre com a máxima inocência, debita frases de surpreendente elaboração “intelectual” contendo sugestões sexuais mais ou menos obscenas... Há em tudo isto um esforço para reencontrar as raízes de um humor tão primitivo quanto contagiante, mas a nostalgia não basta para salvar a comédia (este género de comédia, entenda-se) da sua própria decomposição temática, artística e, no fundo, industrial.
Fica, aliás, a ideia de que o melhor dos filmes Naked Gun está ligado a uma tradição, não apenas cinematográfica, mas em grande parte televisiva. Penso, em particular no humor surreal da magnífica série Get Smart/Olho Vivo (1965-1970), criada pela dupla Mel Brooks/Buck Henry [video: genério de abertura]. Outros tempos, sem dúvida.

domingo, agosto 17, 2025

Ronnie Rondell Jr. (1937 - 2025)

Ronnie Rondell Jr. faleceu no dia 12 de agosto, em Osage Beach, Missouri — contava 88 anos.
A sua filmografia é uma imensa antologia de títulos marcantes como A Águia Voa ao Sol (John Ford, 1957), A Primeira Vitória (Otto Preminger, 1965), Balbúrdia no Oeste (Mel Brooks, 1974), Viver e Morrer em Los Angeles (William Friedkin, 1975) ou Eles Vivem (John Carpenter, 1978). Em muitos dos respectivos genéricos sem que o seu nome seja sequer citado. Porquê? Porque a história dos stuntmen nem sempre teve o reconhecimento que merece: ele foi, de facto, um dos duplos mais famosos, e também mais solicitados, ao longo de várias décadas da produção americana — Batman e Robin (Joel Schumacher, 1997), A Esfera (Barry Levinson, 1998) e The Matrix Reloaded (Lana & Lilly Wachowski, 2003) são alguns dos derradeiros filmes em que trabalhou, por vezes como coordenador da equipa de duplos.
Ironicamente, a sua performance mais famosa ficou registada numa imagem fixa. Ou seja: a fotografia da capa de Wish You Were Here (1975), nono álbum de estúdio dos Pink Floyd, da autoria dos estúdios Hipgnosis (o fotógrafo foi um dos respectivos fundadores, Aubrey Powell). Obtida nos estúdios Burbank, da Warner Bros., aí encontramos Rondell Jr. com a cabeça e o corpo a arder, cumprimentando Danny Rogers, também um duplo profissional.

>>> Obituário na Billboard.
>>> Wish You Were Here (do álbum homónimo dos Pink Floyd).

20 anos na companhia de Vladimir Putin

Com produção de Adam Westbrook, eis um video do New York Times sobre os jogos diplomáticos de e com Vladimir Putin. Publicado há cerca de três anos, nele se faz o balanço breve (3 min.), mas eloquente, das relações dos líderes do "mundo ocidental" com o novo czar russo — vale a pena rever, atentamente. Para contrariar, pelo menos, a ideologia televisiva que tende a resumir a complexidade do mundo através do que aconteceu nas últimas 24 horas...

"The conversation is breaking down"

sábado, agosto 16, 2025

"Se os humanos são tão espertos,
porque somos tão estúpidos?"
— Yuval Noah Harari

Como defender o nosso espírito na idade do lixo informativo — mais do que uma interrogação, eis um método de resistência proposto por Yuval Noah Harari, autor de livros como Nexus em que se pensa e problematiza este nosso mundo de redes e avalanches de (des)informação — ei-lo, partilhando alguns contagiantes minutos de reflexão.
 

Guitarra & Voz [8/10]

KEB' MO'
Old Me Better

Eis um tema de BLUESAmericana (2014), 12º álbum de estúdio de Kevin Moore/ Keb' Mo' — performance registada a 19 de agosto de 2021, em Nashville, no Country Music Hall of Fame and Museum.


[ Ryan Adams ] [ David Fonseca ] [ Bruce Springsteen ] [ Joni Mitchell ] [ Eddie Vedder ]
[ Bob Dylan ] [ Mauro Passos ]

A IMAGEM: Saher Alghorra, 2025

SAHER ALGHORRA / New York Times
Campo de deslocados numa praia de Gaza
2025

Marissa Nadler, folk & etc.

Nascida em Washington, em 1981, Marissa Nadler poderá situar-se algures numa região em que a tradição folk acolhe as nuances de um certo espírito indie que, no limite, não se envergonha na sua respiração pop. No seu novo álbum, New Radiations, é disso mesmo que se trata. A saber: a criação de ambientes de emoções singulares, emanadas de enigmáticas radiações — o tema-título serve de cartão de visita.
 

sexta-feira, agosto 15, 2025

Sirât, para lá do mundo material

Está nas salas aquele que foi um dos fenómenos do último Festival de Cannes, onde recebeu o Prémio do Júri: Sirât é um filme que, segundo o seu realizador, Oliver Laxe, “nos ajuda a sentir que vivemos num mundo encantado e mágico” — este texto foi publicado no Diário de Notícias (31 julho).

No filme Sirât, de Oliver Laxe, Luis (Sergi López) e Esteban (Bruno Nuñez Arjona), pai e filho, chegam a uma rave, algures no deserto de Marrocos, e começam a distribuir panfletos com o retrato de uma jovem... Quem é ela? Trata-se da irmã de Esteban, filha de Luis — desapareceu numa daquelas odisseias de música electrónica e, esperando encontrá-la, os protagonistas vão acompanhando aquilo que está a acontecer.
Que acontece, então, em Sirât? Muito pouco. Luis e Esteban integram-se na deambulação de um grupo, eventualmente a caminho de outra rave, com o pai a ensaiar algum diálogo filosófico sobre os destinos do mundo... A meio caminho entre uma “reportagem” redundante, em tom pitoresco, e a celebração das paisagens desérticas (impressionantes, sem dúvida), o filme vai-se arrastando num tom repetitivo, aqui e ali introduzindo algumas componentes bizarras que parecem procurar os efeitos de uma comédia do absurdo.
O espectador desconcertado (é o meu caso, confesso) procura algum apoio para esclarecer de onde vem, e para onde vai, o projecto, até porque a proposta de Oliver Laxe é mesmo ambiciosa — com toda a legitimidade, convém acrescentar. Numa entrevista dada a The Upcoming (página do YouTube dedicada aos “mundos do Cinema, da Comida e da Música”), podemos encontrar o seu depoimento, registado no dia 18 de maio, durante o Festival de Cannes (onde viria a receber o Prémio do Júri).


Logo na primeira pergunta, a entrevistadora tem o cuidado de dizer que Sirât evolui num sentido “espiritual e existencial”. Eis o essencial da resposta: “Sinto que há regras no universo. Para lá do mundo material, há uma espécie de outro mundo que vibra subtilmente. Nos meus filmes convido o espectador, já que creio que o cinema nos ajuda a sentir que vivemos num mundo encantado e mágico. Há uma aventura física que é, ao mesmo tempo, metafísica. A minha ideia é fazer com que o espectador olhe para dentro de si próprio.” Olhando para dentro de mim próprio, vejo tais palavras como banalidades “new age”, algo retardadas, que acabam por resumir Sirât como uma espécie de Mad Max transfigurado em tese, metafísica sem dúvida, sobre aquilo que escapa às nossas percepções correntes.
Mad Max é mesmo uma das inspirações que alguma crítica francesa cita para situar o filme, a par de clássicos como Zabriskie Point (Michelangelo Antonioni, 1970) ou Estrada Perdida (David Lynch, 1997). Não acredito que seja missão de um crítico de cinema “recomendar” o que quer que seja, mas neste caso, na solidão em que me reconheço, só posso apelar ao leitor/espectador para que não perca Sirât — se possível, sugiro também que reveja os filmes de Antonioni e Lynch, porventura conseguindo organizar as suas ideias sem a inquietação que me assalta.

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>>> Cena final de Zabriskie Point + Antonioni sobre o futuro do cinema (1985).
 



>>> Cena da festa em Lost Highway / Estrada Perdida + Lynch sobre a dualidade do seu cinema (2006).