domingo, novembro 16, 2025

Memórias da música electrónica
* SOUND + VISION Magazine [21 nov.]

O álbum Heaven and Hell, de Vangelis, surgiu há 50 anos — na sessão de novembro na FNAC propomos uma revisitação de momentos emblemáticos da música electrónica, incluindo os seus cruzamentos com o mundo do cinema.

* FNAC Chiado — 21 novembro (18h00).

sábado, novembro 15, 2025

Alice Sara Ott > Für Elise

Ludwig van Beethoven

Por certo uma das mais célebres composições de Beethoven, eis Für Elise (Bagatela nº 25) numa sublime interpretação de Alice Sara Ott, admirável pianista alemão de ascendência japonesa — num registo com chancela da Deutsche Grammophon.
 

Alpha, de Julia Ducournau:
epidemias e assombramentos

Mérissa Boros: que se passa com os corpos?

Depois de Titane (2021), Julia Ducournau dirige Alpha, nova parábola sobre as fronteiras do corpo humano: reencontramos os mesmos temas e obsessões, mas com resultados francamente menos interessantes — este texto foi publicado no Diário de Notícias (30 outubro).

Para o melhor e, sobretudo, para o pior, o comércio cinematográfico dos nossos dias está minado por “eventos” enraizados em conceitos de marketing que exploram uma ideia pueril de “surpresa”, porventura de “revolução”. Trata-se de uma questão muito típica das ilusões mais ou menos chantagistas fabricadas pelo politicamente correcto, ainda que com episódios transversais que pontuam toda a história do cinema. A saber: alguém que se afirmou através de uma forte marca autoral pode cair na armadilha de tentar “repetir” essa mesma marca, de modo a garantir a continuidade do seu reconhecimento... Ou, pura e simplesmente, porque perdeu o fulgor da sua singularidade criativa. Parece que algo desse género está a acontecer com a francesa Julia Ducournau: depois do impacto de Titane (Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2021), aí está o seu frustrante Alpha (também revelado em Cannes, no passado mês de maio).
Poderá dizer-se que Titane continha já os germes de muitos equívocos, sobretudo pelo modo como nele ecoavam alguns clichés do nosso tempo que tendem a sacralizar uma “rebeldia” temática que, de uma maneira ou de outra, se apresenta com uma certa caução “feminista”. Em boa verdade, nada disso impedia que Titane fosse uma curiosa experiência cinematográfica, arriscando em linguagens paradoxais — do chamado “body horror” de um certo cinema de terror até aos ritmos visuais dos telediscos —, gerando uma narrativa capaz de desafiar algumas convenções do espectáculo cinematográfico contemporâneo. Sem esquecer, claro, a herança da inquietante depuração de Raw (2016), primeira longa-metragem de Ducournau.
Obviamente, Alpha não é estranho à sensibilidade visual e sonora de Titane, até porque voltamos a estar perante um assombramento que se exprime através da instabilidade do corpo. Assim, esta é a história de Alpha (Mérissa Boros), uma jovem de 13 anos que chega a casa com uma tatuagem num braço. Algo confusa sobre o modo como tudo aconteceu, suscita a imediata inquietação da mãe (Golshifteh Farahani), e tanto mais quanto há sinais de uma estranha doença sanguínea que transforma os corpos em verdadeiras estátuas de mármore...
Tal como acontecia em Titane, Ducournau não deixa de criar condições para os riscos de representação dos actores (destaque inevitável para Golshifteh Farahani), mas é francamente pouco. O filme procura tocar todos os pontos capazes de suscitar uma ideia mecânica e determinista de parábola sobre as epidemias do presente, mas esgota-se numa construção narrativa que se vai reduzindo a uma acumulação de momentos “choque” tão repetitivos quanto redundantes.

Bugonia
— redescobrindo o prazer da fábula

Emma Stone: drama, tragédia, humor

De novo com Emma Stone no papel central, o cineasta grego Yorgos Lanthimos continua a desafiar as fronteiras da identidade humana: Bugonia é uma fábula contemporânea em que as abelhas também são protagonistas — este texto foi publicado no Diário de Notícias (29 outubro).

Num mundo saturado de cinema ao serviço das retóricas do politicamente correcto, será que nos resta alguma disponibilidade e energia para lidarmos com os filmes que desafiam lugares-comuns, resistindo a serem encerrados numa categoria convencional? Atentemos no exemplo de Bugonia [estreia portuguesa: 29 outubro], uma bela confirmação do gosto heterodoxo do grego Yorgos Lanthimos. Convenhamos que, mesmo com resultados nem sempre equilibrados, cada um dos seus filmes possui esse toque de ambiguidade e ironia que faz com que não seja possível encaixá-lo em narrativas ou códigos pré-estabelecidos — de Canino (2009) a Histórias de Bondade (2024), passando por A Favorita (2018) ou Pobres Criaturas (2023).
A estranheza de Bugonia começa no seu título. As enciclopédias explicam-nos que se trata de uma palavra grega, ou melhor, das culturas ancestrais do Mediterrâneo, designando uma crença (pouco) científica. A saber: as abelhas nasceriam, por geração “espontânea”, a partir da carcaça de um boi ou outro animal morto num sacrifício ritualizado. Diz a lenda que Aristeu, um apicultor, refez assim as colmeias que tinha perdido...
Com simbolismo mais ou menos adequado, começamos por descobrir Teddy (Jesse Plemons), proprietário de uma coleção de colmeias que trata com desvelo e inquietação. Tem a companhia do ingénuo Don (Aidan Delbis), aparentemente de muito limitada inteligência. São duas criaturas solitárias no meio de uma floresta que, em boa verdade, não prometem uma história muito agitada... O certo é que, perante a curiosidade infantil de Don, Teddy está a trabalhar num plano arriscado: nada mais nada menos que raptar Michelle Fuller (Emma Stone), CEO de uma grande companhia farmacêutica.
Porque é que dois pobres diabos se lançam em tão caricata odisseia? Pois bem, Teddy é um genuíno e hiper-informado investigador. Estuda os mistérios do cosmos, tem o seu computador recheado de informações sobre as civilizações alienígenas, e chegou à conclusão que Michelle provém de uma galáxia a que ele próprio deu o nome de “Andrómeda”. Enfim, Michelle e os seus pares (há mais, claro...) vivem disfarçados entre nós com o objectivo de destruir o planeta Terra. Vale a pena lembrar que Bugonia se inspira numa premissa idêntica, na base de uma comédia sul-coreana, Save the Green Planet! [poster], lançada em 2003 (inédita no mercado português).
Mas será que estamos perante uma comédia? É verdade que um humor bizarro, por vezes muito negro, vai contaminando diversas situações, até porque Teddy e Don começam por cortar o cabelo a Michelle (mesmo a sério, não é um efeito digital na cabeça de Emma Stone) para evitar que a sua cabeleira lhe permita contactar a nave que a aguarda... O absurdo que se instala envolve alguns efeitos mais típicos de um certo cinema de terror, com a indefesa Michelle, desesperada por dar provas da sua identidade terráquea, a tentar preservar a racionalidade que lhe permita lidar com a agressão de que está a ser alvo.
De tudo isto resulta um filme que nos devolve o prazer primitivo da arte de contar histórias. Comédia negra, saga de ficção científica ou fábula sobre as fronteiras da identidade humana, Bugonia será um pouco de tudo isso, sem nunca deixar de ser um exercício insólito, com o seu quê de volúpia, em que cada cena relança o seu próprio enigma para reforçar o enigma da cena seguinte.
Há em Bugonia o espírito arcaico de uma sensualidade cinematográfica e também, por certo, literária que começa na possibilidade de refazer (ou reescrever) as aparências do mundo: “Era uma vez...” Tal dimensão é tanto mais forte e fascinante quanto Lanthimos se está completamente nas tintas para “acelerar” as peripécias físicas da sua história, com nota elevada para o argumento de Will Tracy (do lote de argumentistas da série Succession). Este é mesmo um filme que, no essencial, resulta de conversas sobre o delírio físico e metafísico em que todas as personagens estão envolvidas.
Escusado será dizer que Bugonia ecoa os dramas, as tragédias e também o humor destes tempos de discussão da verdade como componente ameaçada de todas as formas de comunicação. Mas não é, nem de longe nem de perto, um filme de “tese”, antes um objecto que tem tanto da ligeireza de uma balada pop como da pompa de uma ópera — escute-se, a esse propósito, a notável banda sonora original de Jerskin Fendrix [aqui em baixo, o tema "Tell Teddy I'm Sorry"].

Cézanne entre nós

Paul Cézanne
Quatro Maçãs (1880-81)

Para onde vai a política que desistiu de falar de cultura? Alguém está a pensar em termos de política cultural? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 outubro).

Enquanto os políticos, nas televisões, continuam a argumentar em função daquilo que outros políticos disseram, também nas televisões, os seus jogos florais acontecem como se a cultura não existisse. Não a cultura dos prémios, das efemérides ou do prestígio que a todos reconforta. Apenas a cultura enquanto facto (também) político.
Discute-se o Orçamento Geral de Estado, os cidadãos vão eleger um novo Presidente da República, mas a expressão “política cultural” foi rasurada de intermináveis debates aprisionados nas suas penosas redundâncias. Os analistas políticos praticam o mesmo esquecimento, ocupados que estão a decifrar se o espirro de um político incauto é de esquerda ou de direita — sem que isso os impeça de fazer um intervalo nas suas performances para surgirem como comentadores do futebol, aparentemente, importa reconhecê-lo, com uma postura francamente mais feliz e comunicativa.
Sendo televisiva — porque a política se acomodou nas lógicas novelescas dos pequenos ecrãs —, a questão está longe de ser banalmente programática ou comunicacional. No seu limite mais trágico, de que já não estamos muito distantes, a rarefação da cultura (a começar pela palavra “cultura”) na saturação de análises políticas em que somos obrigados a viver envolve algo mais fundo, infinitamente mais perturbante. A saber: o esvaziamento cultural do espaço público corresponde a uma desvalorização implícita das singularidades dos gestos artísticos — e, por fim, ao assassinato simbólico da arte e do seu desejo.
Muitos criadores, sobretudo os mais jovens, falam mesmo do seu trabalho como se estivessem a cumprir um caderno de encargos alheio a qualquer risco artístico. Aparecem nas televisões e limitam-se a fornecer um inventário de “temas” que satisfaçam as modas mediáticas, da defesa de alguma minoria ameaçada até à celebração da liberdade. Não que uma coisa e outra não justifiquem atenção e empenho. Resta saber o que aconteceu quando já não há pensamento activo nem perturbação genuinamente artística — apenas um obsceno moralismo universal disfarçado de autoridade artística. Lembremos, por isso, aquilo que a personagem de Julia Roberts (no filme Depois da Caçada) diz a uma jovem que sente o seu conforto posto em causa pela complexidade do mundo à sua volta: “Nem tudo é suposto deixar-te confortável.”
A postura artística é, por princípio, arriscada, incerta e vulnerável. Se não o for, em boa verdade já não tem nada de artístico e, por estes dias, apenas serve para alimentar os “talk shows” televisivos em que, cinco vezes por semana, são reveladas obras-primas de coisa nenhuma. Num belíssimo ensaio publicado em 1945, “A dúvida de Cézanne”, Maurice Merleau-Ponty ensinava-nos algo bem diferente, lançando, assim, a sua reflexão sobre o trabalho do pintor: “Eram-lhe necessárias cem sessões de trabalho para uma natureza morta, cento e cinquenta sessões de pose para um retrato. Aquilo que chamamos a sua obra não era para ele mais do que o ensaio e a aproximação da sua pintura.”
O artista é aquele que nos convoca, não para partilhar uma satisfação consumista, antes desnudando a insatisfação existencial que o próprio desejo criativo transporta. O artista é político não por exprimir o que quer que seja vindo da classe política (mesmo dos seus membros mais talentosos), mas porque pensa, age, pinta, escreve ou filma fora dos parâmetros dessa classe e do seu labor. Ainda Merleau-Ponty: “Cézanne não considerou ser seu dever escolher entre a sensação e o pensamento, nem entre o caos e a ordem. Ele não quer separar as coisas fixas que surgem ao nosso olhar da sua maneira fugaz de aparecer, ele quer pintar a matéria a tomar forma, nascendo a ordem através de uma organização espontânea.”
Perdemos o gosto dessa (outra ideia de) ordem que os objectos artísticos contêm ou podem conter. Nos discursos políticos instalou-se mesmo um misto de vergonha intelectual e falso pudor que, para satisfazer as muitas formas de ignorância potenciadas pelo politicamente correcto, repele a palavra “ordem” como algo que nos faz perder o mundo. Assim se esquece que a arte, na sua desordem interrogativa, é também uma maneira de pressentir uma possível reordenação do mundo. “Mais Cézanne nos ecrãs de televisão” — eis uma sugestiva palavra de ordem.

The Rolling Stones, I Love Ladies

I Love Ladies: mais uma canção inédita das sessões de gravação de Black and Blue, álbum agora reeditado com uma avalanche de extras — são os Rolling Stones em 1976, isto é, sempre no presente.
 

sexta-feira, novembro 14, 2025

Rosalía, Opus 4

Cruzamento de culturas? Enfim, convenhamos que a expressão pode servir (e tem servido) para um pouco de tudo — das genuínas experiências de contaminação de formas, estéticas e narrativas, até à exploração demagógica de um "ecumenismo" que se vende bem em certos espaços televisivos e, claro, nos enredamentos "sociais" que nos querem impor.
Celebremos, por isso, a excepção da espanhola Rosalía, apostando na afirmação das suas raízes musicais, ao mesmo tempo que procura integrar inspirações e influências de outras paisagens, e também outras vozes. Assim, no seu quarto álbum de estúdio, Lux, na lista de convidados encontramos a portuguesa Carminho, a islandesa Björk e o músico experimental americano Yves Tumor — os dois últimos participam em Berghain, contando também com a companhia da London Symphony Orchestra, tema, além do mais, servido por um feérico teledisco assinado por Nicolás Méndez.
 

terça-feira, novembro 11, 2025

Para (re)descobrir Jafar Panahi

Consagrado com a Palma de Ouro de Cannes, Foi Só um Acidente é um daqueles filmes capaz de nos ajudar a combater a noção mediática, banalmente televisiva, de que o mundo é um território transparente que uma câmara de filmar desmonta automaticamente. Dito de outro modo: o cineasta iraniano Jafar Panahi continua a filmar as feridas interiores do seu país, prosseguindo uma demanda realista que é também, à sua maneira, uma odisseia moral — em termos simples, um dos filmes maiores de 2025.

A IMAGEM: Pierre Bonnard (1945)

PIERRE BONNARD
O último auto-retrato
1845

segunda-feira, novembro 10, 2025

Patti Smith em The Late Show

Actualmente a promover o seu novo libro (Bread of Angels... lá chegaremos), Patti Smith esteve em The Late Show, à conversa com Stephen Colbert. No final, interpretou Peaceable Kingdom, uma das canções do álbum de 2004, Trampin' — uma verdadeira cerimónia de redenção.