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ERWIN OLAF Shangai [Fu1088, Portrait 01] 2017 |
sound + vision
quinta-feira, agosto 07, 2025
terça-feira, agosto 05, 2025
The Soft Boys, 45 anos depois
Liderados pelo guitarrista Robyn Hitchcock (nascido em Londres, em 1953), os ingleses The Soft Boys, formados em Cambridge no ano de 1976 têm uma história de vários "revivalismos", mas o essencial da sua odisseia pós-punk & psicadélica concentra-se nos anos dos seus três álbuns emblemáticos: A Can of Bees (1979), Underwater Moonlight (1980) e Nextdoorland (2002).
Daí a efeméride que se comemora: Underwater Moonlight está a fazer 45 anos e tem direito a reedição (ainda) mais carregada de sugestões políticas. De tal modo que o teledisco desse tema lendário que é I Wanna Destroy You foi refeito com imagens do nosso aqui e agora, criando um curto-circuito de significações que nos envolve na sua poética em permanente desconstrução — um clássico, pois claro.
(...)
I feel it coming on again
Just like it did before
They feed your pride with boredom
And they lead you on to war
The way you treat each other
Really makes me feel ill
Cause if you want to fight
Then you're just dying to get killed
I wanna destroy you
(...)
A pox upon the media
And everything you read
They tell you your opinions
And they're very good indeed
I wanna destroy you
And when I have destroyed you
I'll come picking at your bone
And you won't have a single atom left
To call your own
I wanna destroy you
(...)
Wanna destroy you
(...)
O caso Epstein [ponto de situação]
No labirinto do caso Epstein, os ecrãs estão a desempenhar um papel vital — entenda-se: contrastado, contraditório, um verdadeiro palco das convulsões políticas que estão a acontecer. Nessa dinâmica, a acumulação de factos comprometedores para a administração Trump (incluindo a inesperada transferência de Ghislaine Maxwell, condenada por cumplicidade com Epstein, para uma prisão mais "ligeira") tem suscitado muitas tentativas do próprio Presidente dos EUA no sentido de desviar a atenção do caso. Eis um ponto de situação, na noite de segunda-feira, por Nicolle Wallace, no canal MSNBC.
segunda-feira, agosto 04, 2025
Guitarra & Voz [6/10]
BOB DYLAN
Mr. Tambourine Man
Mr. Tambourine Man
Canção emblemática de Bringing It All Back Home, aqui interpretada no Festival de Newport de 1964 (24 julho) — a apresentação está a cargo de Pete Seeger.
[ Ryan Adams ] [ David Fonseca ] [ Bruce Springsteen ] [ Joni Mitchell ] [ Eddie Vedder ]
Pânico cultural
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George Sanders e Ingrid Bergman em Viagem em Itália (1954): como vemos uma imagem? |
Em termos culturais, que significa dizer “tudo é possível”? Eis uma pergunta que se perdeu pelo caminho — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 julho).
Há uma sensação de pânico que passou a contaminar a minha relação com o cinema: um dia destes, alguém vai referir-se a Viagem em Itália (1954), de Roberto Rossellini, proclamando com um sorriso de inocência beata que a personagem de Ingrid Bergman é uma precursora do movimento #MeToo, desse modo expondo o cinismo do marido interpretado por George Sanders, ele que talvez seja mesmo responsável por alguns episódios de violência doméstica.
Quem vai dizer tais disparates? Não sei, a minha presciência não chega tão longe. Ainda assim, atrevo-me a apostar que poderá ser um ou uma “influencer” que sabe tanto de cinema como eu sei do comportamento das ervas daninhas nas encostas do Everest. Ou talvez um ou uma repórter, de microfone na mão, imbuído da certeza de que as suas palavras são lei compulsiva para qualquer mortal que ainda não tenha carregado no botão para desligar o pequeno ecrã.
Tudo é possível — e, agora, a expressão “tudo é possível” não significa o mesmo que significou para a geração que viveu a adolescência nas décadas de 1960/70, mesmo se o preço a pagar pelas ilusões desse tempo feliz continua a assombrar a nossa modesta existência. Tudo é possível, de facto, até mesmo o tratamento de Taxi Driver (1976) como uma muito suspeita exaltação de uma personagem com impulsos violentos. Afinal de contas, vivemos no tempo em que, quase 80 anos depois de Simone de Beauvoir ter publicado O Segundo Sexo, o filme Barbie é consagrado em muitos recantos do planeta como a suprema encarnação da libertação feminina (e esta, lamento informar, não é invenção minha).
Há outra maneira de dizer isto: a crescente violência interpretativa do pensamento “politicamente correcto” instaurou a noção historicamente cega e culturalmente miserável (de miséria cultural, entenda-se) segundo a qual as obras de arte — cinema, literatura, teatro, música, pintura, etc. — não têm nada de específico. Segundo a estupidez de tal mantra ideológico, o que define cada obra é apenas a importância mediática que pode ser atribuída aos seus “temas”.
Observe-se, por isso, o outro lado da questão. Vemos, ouvimos e lemos alguns criadores, muitos deles ainda mal saídos da adolescência, a dar conta de um determinado trabalho que fizeram (filme, livro, etc.) e não têm mais nada para dizer a não ser apresentar um rol de “temas” — a exploração das mulheres, a liberdade para as minorias, a denúncia de alguma forma de repressão, etc. — que, supostamente, caucionam tudo e mais alguma coisa, mesmo que o trabalho seja “apenas” artisticamente medíocre. Shakespeare? A peça, senhoras e senhores, é uma denúncia do “bullying”... não há nada a dizer sobre a respectiva encenação, nem sequer, já agora, sobre o valor do texto escrito há mais de 400 anos.
Penso que uma parte significativa da responsabilidade de tudo isto é da minha geração. Sem qualquer ponta de ironia — penso mesmo. Educados na ideia, e para a ideia, de que a arte é capaz de deslocar e transfigurar a nossa percepção do mundo, enriquecendo o nosso lugar na dinâmica desse mesmo mundo, deixámos, ainda que de modo incauto, que tal ideia fosse sendo parasitada por uma outra ideia (mas já não é uma ideia, apenas uma vibração consumista) segundo a qual os objectos artísticos são instrumentos legislativos para repor uma ordem temática e simbólica que, por alguma razão, é tratada como única e inevitável.
No domínio do pensamento sobre a arte (logo, também do pensamento artístico), isso traduz-se numa desvalorização sistemática, sobretudo televisiva, do pensamento crítico — se o mundo se organiza e esgota nos “temas” impostos pelas regras do mediatismo dominante, pensar a arte tornou-se irrelevante. Em termos sociais, isto significa que estamos a fabricar multidões insensíveis às singularidades dos objectos artísticos.
Justin Bieber, Opus 7
31 anos, completados no passado dia 1 de março — Justin Bieber vive assombrado pela maturidade que, supostamente, não o abençoou no tempo certo. Porquê? Simplificando, digamos: por causa das atribulações mediáticas da sua adolescência e juventude. Ou de uma juventude configurada como eterna adolescência.
Talvez tenha sido assim. Talvez. Afinal, quem não vive os sobressaltos de todas essas atribulações (ainda que sem os ecos públicos que, no nosso miserável tempo "social" e "em rede" tendem a banalizá-las)?
Vale a pena descer à terra. Entenda-se: prestar alguma atenção à música. Assim, se ficarmos pela linha musical da sua trajectória, talvez possamos reconhecer que Swag, sétimo álbum de estúdio do jovem adulto Bieber, é acima de tudo a afirmação de um depuração formal que parece ter encontrado a encruzilhada exacta da sua vocação criativa. A saber: uma pop sofisticada a tender cada vez mais para os domínios do R&B — soul, eis a questão, porque é a alma que está em jogo.
Com uma fortísima dimensão confessional? Sim, sem dúvida, as memórias e os seus fantasmas vêm sempre para ficar. A prova: All I Can Take — com vocalização e arranjos a citar Michael Jackson, pourquoi pas?
And it's all I can take
(...)
These symptons of my sensitivity
Feels personal when no one's listening
There's things that I can't change, lord knows I've tried
Oh, baby, we can leave it all tonight
Ooh, baby don't it feel good baby don't it feel nice
Ooh, baby, don't it feel good you don't have to think twice (lean back and rock away)
And it's all I can take (in this moment)
And it's all I can take (keep it goin')
And it's all I can take (in this moment)
And it's all I can take (and rock away)
Good time tonight, keep it rolling
Baby let's enjoy moment
So we going 'til 4 in the morning
I got a gift a know it, I'll cherish it and hold it
There's a reason, there's a reason for all this
Ooh, baby don't it feel good baby don't it feel nice
Weight up on my shoulders and my hands up high
Oh (lean back and rock away)
And it's all I can take (in this moment)
(...)
>>> "Your soul is black" — Diálogo com Druski (Soulful, faixa 9 de Swag).
domingo, agosto 03, 2025
Die Schöne Müllerin
— Ian Bostridge e Mitsuko Uchida
Composto por Franz Schubert em 1823, a partir de 20 poemas de Wilhelm Müller, Die Schöne Müllerin [A Bela Moleira] é, por certo, um dos mais célebres ciclos de canções de toda a história da música. Entre as suas múltiplas gravações, a do tenor inglês Ian Bostridge com a pianista japonesa Mitsuko Uchida distingue-se entre as mais admiráveis — lançada há 20 anos, existe no catálogo Warner com selo EMI Classics.
>>> Bostridge + Uchida: Die Schöne Müllerin em palco.
Mike Leigh
— o fulgor do realismo britânico
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Marianne Jean-Baptiste: personagem enigmática, actriz de génio |
Autor fundamental no interior das tendências realistas do cinema britânico, Mike Leigh está de volta com Verdades Difíceis, um filme admirável sobre as convulsões de um universo familiar, centrado numa notável composição de Marianne Jean-Baptiste — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 julho).
Vivemos sob o jugo cultural das telenovelas. Temos sido (des)ensinados a considerar que o realismo seria aquele espontaneísmo mecânico dos actores, invariavelmente iluminados por uma luz de noticiário televisivo, e também aquela montagem mecânica das imagens... Que dizer, então, a propósito da estreia do prodigioso Verdades Difíceis, do inglês Mike Leigh? Apenas o mais simples: o fulgor do realismo britânico mantém-se intacto.
Poderá discutir-se a pertinência da palavra “realismo” a propósito da obra de Mike Leigh, ele que terá tido os seus períodos de maior projecção graças a Segredos e Mentiras (Palma de Ouro, em Cannes, no ano de 1996) e Vera Drake (Leão de Ouro de Veneza, em 2004) — isto sem esquecer títulos como A Vida É Doce (1990), Nu (1993) e Raparigas de Sucesso (1997) que podem ser vistos num mini-ciclo proposto em Lisboa pelo cinema Nimas, a partir de amanhã, em paralelo com o lançamento de Verdades Difíceis.
Acontece que a marca realista surge mais frequentemente associada à obra de outro brilhante autor inglês, Ken Loach, sem dúvida por causa das conotações imediatamente políticas das suas histórias (por exemplo: Eu, Daniel Blake, 2016). Ora, Mike Leigh não é nem “mais” nem “menos” político do que Loach, mas é-o, sem dúvida, de modo diferente.
Atentemos na personagem central de Verdades Difíceis, Pansy, interpretada pela genial Marianne Jean-Baptiste (uma das actrizes principais de Segredos e Mentiras). Ela é uma mulher negra de uma família em tudo e por tudo marcada pelo seu comportamento pouco caloroso: primeiro em permanente conflito com o marido, o filho e praticamente toda a gente com que se cruza; depois, a pouco e pouco, enclausurada numa pose cada vez mais depressiva... O realismo começa no tratamento dramático das infinitas nuances do seu comportamento, não na cor da sua pele. E se tal elemento não é estranho à compreensão do seu lugar social, o certo é que Leigh não fez um filme para satisfazer os esquematismos moralistas dos arautos do politicamente correcto — Pansy é negra... porque é negra, não para servir de “símbolo” do que quer que seja.
Pansy é alguém que nunca “encaixa” num modelo dramático estável e definitivo, seja ele familiar ou social. Mesmo na relação com a sua irmã, Chantelle (Michele Austin), sem dúvida a pessoa de quem ela, apesar de tudo, se sente mais próxima, Pansy é sempre um enigma — para os outros e também, por certo, para si própria.
Aquilo que Mike Leigh expõe é esse desconhecimento que faz com que haja um ser todos os instantes a combater uma guerra sem inimigo definido, guerra que se renova no interior do seu próprio silêncio. Daí a irredutibilidade de Pansy: raras vezes vimos representada uma tão extrema agressividade afectiva contra os outros humanos, sem que isso nos impeça de reconhecer o sofrimento atroz de todos os momentos da sua existência.
Tão longe, tão perto
Tudo isto acontece num cinema de tocante proximidade. É uma proximidade emocional, sem dúvida, mas também eminentemente física, ou não fosse Mike Leigh um talentoso artífice dos grandes planos. No seu cinema, o grande plano não é, como nas novelas, apenas a imagem mais “próxima” de um trabalho sem escala nem sentido do espaço: o grande plano existe, isso sim, como apoteose de uma visão em que, paradoxalmente ou não, mesmo nos planos mais afastados, vemos sempre, e podemos sentir, a singular vibração de cada corpo.
Enfim, para não nos ficarmos pelo cinema como bandeira seja do que for, lembremos que a carreira de Mike Leigh tem as suas raízes no mundo do teatro. E que o seu realismo, alheio a qualquer ilusão pueril de espontaneidade, não renega as virtudes da teatralidade. Registe-se, por isso, o calendário de Verdades Difíceis: a rodagem durou seis semanas, mas antes houve 14 semanas de ensaios.
Guitarra & Voz [5/10]
EDDIE VEDDER
Forever Young
Forever Young
Um clássico de Bob Dylan recriado por Eddie Vedder — não com os Pearl Jam, mas num concerto da digressão 'Water on the Road', a solo, no ano de 2008 (Warner Theatre, Washington, 16-17 agosto).
[ Ryan Adams ] [ David Fonseca ] [ Bruce Springsteen ] [ Joni Mitchell ]
Para compreender a política brasileira
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Apocalipse nos Trópicos: Brasília como símbolo nuclear de todo um país |
Petra Costa acompanhou o confronto entre Lula da Silva e Jair Bolsonaro, desembocando nas eleições presidenciais no Brasil, em 2022: o resultado chama-se Apocalipse nos Trópicos e é um caso exemplar de investigação cinematográfica — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 julho).
A avalanche de documentários que podemos encontrar (nas plataformas e também nas salas) não significa, por si só, que o género esteja num período radioso de criatividade. Porquê? Sobretudo porque muitos dos títulos que vão surgindo são derivações esquemáticas de matrizes televisivas. Sublinhemos, por isso, uma excepção que, pelo didactismo de investigação e também pela elaborada montagem, merece destaque: Apocalipse nos Trópicos, de Petra Costa, há dias lançado na Netflix, é um objecto capaz de nos ajudar a compreender um pouco melhor o momento presente do Brasil e, sobretudo, a sua conjuntura política.
Na trajectória da realizadora brasileira (nascida em Belo Horizonte, em 1984), este não é um trabalho isolado, funcionando mesmo como um “prolongamento” do seu título anterior, The Edge of Democracy (2019), também com chancela Netflix e nomeado para o Oscar de melhor documentário. Nesse filme, tratava-se de analisar as convulsões políticas e sociais que marcaram o primeiro mandato de Lula da Silva (2003-2011), a sucessão e, por fim, o “impeachment” de Dilma Rouseff (2016). Agora, Apocalipse nos Trópicos desemboca no confronto eleitoral entre Lula da Silva e Jair Bolsonaro, com a eleição do primeiro para um novo mandato, iniciado a 1 de janeiro de 2023.
Foi um confronto entre duas personalidades com características muito próprias e, escusado será sublinhá-lo, com agendas políticas bem diferentes. Ora, precisamente ao contrário do maniqueísmo por vezes favorecido por algumas matrizes televisivas, Petra Costa está longe de reduzir a questão a uma "luta livre” de dois homens que tudo distingue. Assumindo o documentário como uma investigação muito pessoal, a realizadora propõe-se reconhecer e desmontar o peso do movimento evangélico nas práticas políticas de Bolsonaro e, em boa verdade, nas dinâmicas da sociedade brasileira.
O resultado tem qualquer coisa de dantesco e perturbante. Desde a primeira sequência, Apocalipse nos Trópicos é pontuado (e, em certa medida, assombrado) pela utopia de uma sociedade espelhada na construção da cidade de Brasília, símbolo de uma paz alicerçada na harmonia dos poderes, definidos e exercidos à margem das crenças religiosas.
De forma pedagógica, assistimos à transformação de um movimento religioso, liderado pelo tele-evangelista Silas Malafaia, numa força política (até à invasão do Congresso por apoiantes de Bolsonaro a 8 de janeiro de 2023). A complexidade de tudo o que está em jogo ecoa nas palavras de Lula da Silva, em diálogo com Petra Costa: “Eu tenho uma tese de que o que levou o socialismo ao fracasso foi a negação da religião”. Ou ainda: “Pode ser que algum comunista ortodoxo não aceite a minha tese, mas você não pode negar os valores em que as pessoas acreditam.”
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