sábado, novembro 30, 2013

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Étienne Daho, Au Commencement (1996)



Numa semana em que aqui apresentamos o primeiro disco em seis anos do cantor francês, recordamos aqui um teledisco marcante na história da relação de Étienne Daho com Portugal. Tema apresentado como avanço do álbum Éden, de 1996, Au Commencement teve um teledisco rodado em Portugal, com parte significativa das imagens captadas na Caparica.

John Grant: breve retrato de um belo momento

Fica aqui um excerto do texto que publiquei no DN sobre a atuação de John Grant integrada na edição deste ano do Mexefest:

A sala Manoel de Oliveira, a maior do Cinema São Jorge, estava cheia à pinha. A multidão clamava ainda pelas canções de Queen of Denmark, o álbum de estreia a solo que deu finalmente a John Grant o reconhecimento que lhe faltara após anos de labor nos Czars (uma das “pedidas”, Sigourney Weaver, nem chegou a ser escutada). Mas o prato principal da noite eram mesmo os temas do belíssimo Pale Green Ghosts editado este ano. Resultado? Não podia haver plateia mais feliz ao fim da noite naquele que foi certamente para muitos dos que ali estavam um dos melhores concertos que o ano trouxe a Lisboa.

Foi curto, mas o formato assim o definia (e ninguém se queixou). Tal como curta é foi a breve passagem de apenas um dia do músico pela cidade... Curiosamente há dias (ainda John Grant estava na Islândia onde hoje vive) e falávamos precisamente sobre as rotinas em tempo de digressão, que mal deixam tempo para viver (e conhecer) os locais por onde a caravana passa. Ficou claro, nas palavras que lançou à plateia, que gostou do pouco que conseguiu ver e que deseja voltar. Pela forma como foi acolhido, será certamente bem recebido de novo.

Podem ler aqui o texto completo.

David Bowie a 45 RPM (43)

O sucessor do tema-título do álbum Heroes na discografia a 45 rotações de David Bowie nasceu de uma escolha que alguns tomaram como invulgar mas que, em função do alinhamento do álbum, parece mesmo a mais correta das opções disponíveis. Dominada pela guitarra de Robert Fripp e por efeitos electrónicos acrescentados, Beauty and the Beast é uma canção áspera e mesmo ameaçadora, com uma letra que sempre suscitou dúvidas quanto ao real sentido do que ali se fala. Lançado em janeiro de 1978 foi contudo um verdadeiro flop, não passando do número 39 no Reino Unido e nem sequer surgindo na tabela nos EUA. No lado B surgia o mais paisagista e electrónico Sense of Doubt.

Podem ouvir aqui o tema, numa atuação televisiva de 1978.

sexta-feira, novembro 29, 2013

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John Grant + Conor O'Brien, Glacier



Em dia de concerto em Lisboa (atua pelas 23.00 no Cinema São Jorge, integrado no Mexefest), John Grant passa hoje por aqui ao som de Glacier, uma das canções do seu álbum deste ano, aqui numa atuação ao vivo ao lado de Conor O'Brien.

Reedições:
Sparks, No. 1 Song In Heaven

Sparks
“No. 1 Song in Heaven”
Repertoire Records
5 / 5

A história discográficas dos Sparks é feita de uma saudável inquietude que se manifestou numa constante busca de novos caminhos na melhor expressão da velha máxima rei morto, rei posto. Nos anos 70, depois de uma bem sucedida etapa de reinvenção em Inglaterra (da qual resultaram os álbuns Kimono in My House, Propaganda e Indiscret, entre 1974 e 75), regressaram a Los Angeles para, em busca de nova orientação, desaguar no rock polido e inconsequente de Big Beat (1976) e Introducing Sparks (1977), dois dos piores títulos da sua carreira... O eureka para a solução do problema surgiu numa entrevista. Calhou dizerem a um jornalista que admiravam o trabalho de Giorgio Moroder com Donna Summer. Acontece que o jornalista era amigo do produtor alemão. E a verdade é que algum tempo depois (algures em 1978), os manos Mael estavam nos estúdios Musicland, na Alemanha, a gravar com... Moroder. As guitarras saem de cena, relegadas para eventual presença cénica, e os sintetizadores e programações tomam conta da linha da frente da criação, o clima disco servindo de tempero ao que acabaria por ser um disco de algum peso pioneiro na criação de uma nova pop feita com electrónicas. Diferente do paisagismo mais assombrado que então surgia assinado por outros pioneiros (como os Human League ou os Tubeway Army, de Gary Numan), sem o rigor rítmico mais metronómico de uns DAF nem o ímpeto experimentalista de uns Cabaret Voltaire, os Sparks avançam com Moroder rumo a um entendimento entre a pop e o disco, com as electrónicas por ferramentas e a voz pouco contida de Russel Mael como cereja sobre o bolo. Elegante, sofisticado, mas festivo, o tema-título de No. 1 Song In Heaven dá-lhes o maior êxito desde 74 e cativa atenções para um alinhamento curto mas saboroso, que explora vários caminhos possíveis para estes ingredientes em outras canções não menos interessantes como Beat The Clock ou Tryouts For The Human Race. O disco abre a presença das electrónicas na obra dos Sparks, mas não define caminhos necessariamente seguidos nos álbuns que se lhe seguiram imediatamente. O percurso do duo teve continuação imediata no mais convencional Terminal Jive (1980), novamente ao lado de Moroder e também contando com a colaboração de Harold Faltermeyer. Na verdade, esta pérola pop de 1979 só conheceria um sucessor à sua altura apenas 15 anos depois em Gratuitous Sax & Senseless Violins, o disco que retoma as heranças aqui ensaiadas e expressa novo episódio de encantamento pela pop electrónica que, juntamente com o trio de álbuns gravados em Londes entre 74 a 75, a obra-prima Lil’Beethoven que chegaria em 2002 e, claro este Nº 1 Song In Heaven, faz o melhor da discografia dos Sparks. A nova reedição junta ao alinhamento original (de apenas seis temas) uma série de edits e remisturas da época.

Este mel não me convenceu...

Albert Einstein terá dito que, se as abelhas desaparecessem da face da Terra, a humanidade teria apenas mais quatro anos de existência... “Se as abelhas desaparecessem?...” é a premissa que parece ser lançada pelo documentário de Markus Imhoof Abelhas e Homens, que acaba de ter edição em DVD. O filme acaba todavia ser dar respostas... De resto, este é um claro exemplo de como um conjunto impressionante de imagens, de histórias e situações, de boa direção de fotografia e outros primores técnicos, acaba contudo por ser uma oportunidade perdida.

Com pequenas câmaras (mas sem delas fazer depois um corpo coeso como o que também este ano vimos no verdadeiramente assombroso e mais cinematográfico Leviathan), o realizador entra nas colmeias, espreita favos e movimentos das abelhas. Encontra pelo mundo fora, entre propriedades na Califórnia, ilhas junto à costa australiana, terrenos rurais na China ou nas montanhas da Áustria, casos distintos, desde visões mais “tradicionais” de apicultura a expressões de impressionante dimensão industrial. Vemos abelhas e mais abelhas, tratadas nestes últimos casos com os mesmos modos de indiferença das coisas em grande escala com que lembro os pintainhos em tapetes rolantes que tantos (justamente) impressionaram em Baraka, de Ron Friecke. Vemos doenças que surgem, de ácaros a disfunções nas colónias. Vemos estirpes mais dóceis e outras mais violentas (e resistentes)... Vemos favos, vemos mel. Vemos pólen e polinizações. Escutamos profissionais e empresários. Mas no fim nem ficamos a saber exatamente porque estão a desaparecer as abelhas (parecendo apenas claro que em alguns casos as colónias foram artificialmente aumentadas para exploração a nível industrial). Nem vemos que possa haver explorações de apicultura de outro teor. Afinal, o que não se mostra num filme por vezes é tão marcante como o que fica na imagem... Abelhas e Homens é um feito técnico e fotográfico. Mas é narrativamente desarrumado e perde o fio à meada. Ou não o quis ter?...

Eminem recorda a figura de Max Headroom


O novo teledisco de Eminem, Rap God, revela uma canção que retrata um tempo e um ponto de vista. Vale a pena escutá-la, sobretudo tendo em conta a história de quem ali nos fala. O teledisco, em si, é todo um programa de revisitação de ideias e imagens que nos transportam para fenómenos da cultura pop (ou hip hop para sermos ainda mais precisos). Pela montagem passam imagens de figuras icónicas como Busta Rhymes, MC Ren, Rakim, Ice Cube, os Run-D.M.C. e JJ Fad. Mas a mais evidente das citações, recriadas até pelo próprio Eminem, é o apresentador de televisão Max Headroom.

Criado nos anos 80 (mais concretamente em 1984), Max Headroom surgiu como uma primeira forma de inteligência artificial. Seria, supostamente, uma figura criada digitalmente, e teve forte impacte na época, não apenas no programa que apresentou como em anúncios de TV em que participou, tendo até protagonizado uma colaboração com os The Art of Noise no single (e teledisco) Paranoimia. Max Headroom não era contudo uma figura digital. A tecnologia de então não permitia ainda a geração deste tipo de imagens, pelo que na verdade aquela figura resultava da presença de um ator, que se submetia a quatro horas de um longo processo de caracterização antes de cada filmagem.

Podem ver aqui o novo teledisco de Eminem.
E aqui podem recordar o teledisco de Paranoimia, dos The Art of Noise.

quinta-feira, novembro 28, 2013

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Broken Bells, Holding on for Life



Os Broken Bells (ou seja, James Mercer dos The Shins e Danger Mouse, dos Gnarls Barkley) estão de regresso e terão novo disco em 2014. O aperitivo serve-se ao som deste Holding on For Life.

Novas edições:
Etienne Daho,
Les Chansons de L'Innocence Retrouvée

Étienne Daho
“Les Chansons de L’Innocence Retrouvée”
Polydor
3 / 5

Se bem que tenha sobretudo um impacte doméstico (e quando muito em territórios adjacentes onde domina a francofonia, como em regiões da Bélgica ou Suíça), a pop made in França raras vezes salta das suas fronteiras quando é cantada na sua língua mãe. Houve casos nos anos 60, com Serge Gainsbourg, Françoise Hardy e outros mais. E quando em finais dos anos 90, com os Air ou Daft Punk, o mundo voltou a ouvir notícias (e discos) de música pop francesa, afinal os novos valores apresentavam-se sob piscadelas de olho à língua que de falava no outro lado do Canal da Mancha... Destino algo injusto para um território onde nunca faltaram ideias. É que, entre a geração dos cantautores da idade de ouro (Aznavour, Moustaki, Ferré, Barbara e outros) e as vozes do jazz hip hop dos noventas (com Soon E MC e MC Solaar na linha da frente), a pop francesa nunca deixou de nos dar frutos carnudos. E podemos citar nomes como os Les Rita Mitrsouko, Télephone ou Les Negresses Vertes para recordar um panorama que vibrou nos oitentas e ao qual se juntaram mais recentemente nomes como os de Arthur H, Benjamin Bolay ou mesmo Carla Bruni mas que, salvo em casos excecionais, raramente vence as fronteiras da francofonia. Há contudo um nome maior que podemos ter em conta. E mesmo longe de alguma vez ter conhecido uma exposição pop global, representa aquela que é talvez a voz maior da pop francesa dos últimos 30 anos. Pioneiro de uma visão pop suportada pelas electrónicas na alvorada dos oitentas, editando então álbuns de referência como La Notte La Notte (1984) ou Pop Satori (1986), Étienne Daho alcançou pouco depois o seu momento maior em Paris Ailleurs (1991), o tal disco que teve como single de avanço o tema Saudade e lhe deu pontual visibilidade entre nós (inclusivamente com direito a inesquecível concerto no S. Luiz e a rodagem de um teledisco na Caparica). Por esses dias dava que falar quer pelos discos que fazia quer nas parcerias que o iam juntando a nomes como os Working Week, Bill Pritchard e até mesmo os Saint Etienne, com os quais editou um delicioso EP pop em meados dos noventas. Mas depois a sua carreira perdeu algum viço. E depois da viragem do milénio quase deixámos de o escutar, datando o seu último (e muito discreto) álbum de estúdio de 2007, em 2011 tendo lançado entretanto um registo ao vivo partilhado com Jeanne Moreau e um poema de Jean Genet. Agora, seis anos depois de L’Invitation regressa com um álbum no qual procura claramente um reencontro com a alma pop central da sua obra. Entre descendências diretas do melodismo clássico de Paris Ailleurs e uma arquitetura rítmica que não esquece outras das suas aventuras nos anos 90 (não estamos portanto perante um exercício de nostalgia dos oitentas) Les Chansons de L’Innocence Retrouvée é um disco que, mesmo não acrescentando nada ao mapa da pop atual, se revela afinal o melhor disco de Daho desde o já distante Éden (1996). Contando com colaborações como as de Nile Rodgers (em alta depois do flirt com os Daft Punk) e Debbie Harry (com quem contracena, em dueto, em L’Etrangére) e com breve incursão pela memória eletro pop em Les Chansons de L’Innocence (que surgiu como single de avanço), Daho revela por aqui a tranquila expressão de uma veterania pop elegante. Nem se verga à nostalgia nem procura ser quem não é. É Daho clássico. E outra coisa não lhe pede quem nele reconhece uma força maior da pop made in França.

Porque não deixamos de ir a Londres?


Hoje, na minha coluna semanal no site Dinheiro Vivo, falo do que hoje mais vale a pena ver quando estamos por Londres: as exposições (sim, os museus).

"Em tempos ia a Londres para comprar ver concertos e comprar discos. Sim, era no século passado, não havia internet, muitas digressões não nos visitavam nesses tempos, ainda o CD não tinha destronado o vinil (afinal para um reinado que não durou muito) e as edições levavam semanas a chegar cá (as que chegavam). Pelo caminho visitava as livrarias, os museus, as galerias, mais uma passagem rápida pelos trapinhos em Camden Town (hoje é mais para os lados de Covent Garden)... 25 anos depois (colocando a “casa” da partida em 1988) Londres deve ser das piores cidades que conheço para comprar discos. Tirando uma mão-cheia de resistentes (e são poucas as lojas ainda verdadeiramente capazes de justificar uma visita), a música gravada deixou de ser motivo para fazer as duas horas e pouco de avião para ir de malas vazias e voltar mais pesado. Ainda há livrarias (muitas e boas, e a “velha” Foyles soube renascer e brilhar novamente). Trapinhos não faltam também. E agora até há cafés por todo o lado, coisa que em tempos só se encontrava em modo “decente” nos restaurantes italianos da cidade. Mas esta é uma cidade que não deixou de nos seduzir. E mesmo numa era em que a Monocle dita “tops” que mostram como Zurique, Copenhaga, Helsínquia, Tóquio ou Melburne são destinos bem mais cool, e a oferta low cost (e também a “high cost”) alargou os horizontes aos viajantes, o que faz com que Londres não tenha desaparecido do mapa do nosso desejo em lá regressar? Os museus!"

Podem ler aqui o artigo completo.

Em conversa: Sérgio Godinho (3 / 3)

Foto: Filipe Ferreira / cedida pela Universal
Continuamos a publicação da versão integral de uma entrevista com Sérgio Godinho a propósito do lançamento, esta semana, do disco Caríssimas Canções. A entrevista serviu de base ao artigo ‘As Canções dos Outros Segundo Sérgio Godinho’, publicado na edição de 24 de novembro do DN.

Em Caríssimas Canções canta os outros. E como reage quando os outros o cantam a si?
Interessa-me imenso isso. Uma canção é um objeto plástico que tem de ser reinventado. Até eu próprio já reinterpretei canções minhas com outros arranjos muito diferentes consoante as épocas. O Irmão do Meio é a prova provada dessas canções cantadas pelos outros.

Quando surge uma versão nova de um tema seu o que faz?
Tento ouvir... Umas vezes gosto mesmo, outras são um bocado estranhas. Mas só o facto de se ir aos repertórios é muito interessante. Agora, por exemplo, na Voz e a Guitarra II, a Márcia canta o Ás Vezes o Amor de uma maneira muito adequada.

Houve alguma versão que o surpreendesse?
Aí fui colaborador, mas posso apontar as versões dos Clã. O Espectáculo, por exemplo, nunca o tinha cantado assim e, de resto, passei também a cantar assim. Passámos a tocar essa versão mais roqueira. Essas versões dos Clã foram uma enorme surpresa para mim, e depois entrei no mesmo barco. Mas tem havido mais casos. Como o Camané a cantar o Emboscadas, que foi até uma sugestão minha.

Este disco e o espetáculo sublinham afinidades com músicos que o tem acompanhado de 1998 para cá.
O Nuno Rafael toca comigo desde o início do século, e dito assim até parece mais pomposo. Ele entretanto cruza-se no Lupa, onde se conheceram, e depois nos Humanos, com o Hélder e a Manuela. Estes dois cruzo-me eu com eles no Afinidades ainda no século passado (risos)... E entretanto fiz canções com o Hélder, como o Sopro do Coração. Neste disco dos Clã em que eles estão a trabalhar há três canções com música do Hélder e letra minha. E tudo isto cria uma dinâmica que é já de um... clã. São cumplicidades que já não se têm de explicar. São amizades, são vidas... E isso é muito bom. Gosto de conhecer pessoas novas mas também gosto de reencontra as que já não são tão novas como isso.

Além da colaboração com Bernardo Sassetti, no seu último disco levou a Minta para o seu universo.
A colaboração com o Sassetti deu uma canção mesmo especial. A Francisca Cortesão está ligada a’O Mútuo Consentimento. Eu tinha ouvido o original que ela tinha em inglês... Porque ela compõe em inglês, sabe-se lá porquê, como eu mesmo lhe digo a ela. E numa noite comecei a encontrar um caminho ali em português e ela não estava nada à espera.

Este disco entra num momento de pausa. Quando é que surge o instante em que sente que está na hora de fazer um novo disco de estúdio?
Neste momento não está nada programado, até porque nunca tive prazos nos contratos. Mas o que estou a fazer neste momento, e que teve uns hiatos por causa deste projeto, é que estou a escrever contos, que quero que saiam para o ano. Acho que esta a ficar consistente. Há um primeiro conto que foi publicado na biblioteca digital do DN, que se chama Notas Soltas da Corda e do Carrasco. Ainda estou embrenhado nisso. São contos que não são muito longos mas que são muito burilados. Não é uma coisa levezinha, sem desprimor para ninguém. O meu fito para o ano é este livro. Embora admita para o ano possa estar a pensar em canções e voltar a esse universo. Isto para mim é recorrente. Alternar naturalmente os universos. Não procuro. Mas são ímpetos e tenho a necessidade disso. O livro de poesia foi uma coisa que me ocupou a cabeça durante três meses.

O clima em que o país vive estimula a escrita?
Não. Não quero ser dominado por isso. Há reflexos disso sempre na criação. Mas não quero dominado por isso, porque acho que isso é afunilar aquilo que nós, criadores de um modo geral, temos para oferecer. Temos de construir o nosso universo e estimular as pessoas com ele. Não podemos ficar afunilados. Pode e deve falar-se disso e até se deve. Mas não é só isso... Senão acabamos nas mãos deles. Eu não gosto daquela coisa do eu e eles e nós e eles. Mas há um eles, apesar de tudo. Eles estão-nos a lixar. Agora nós somos parte do problema. E somos parte da solução? Ai somos também!

Sente que as pessoas esperam de si uma voz crítica, nem que seja para dizer o que diz depois d'Os Vampiros no disco?
Sim... Mas também sinto que tenho muita canção que já existe e está na memória ativa das pessoas. E que acaba por servir vários propósitos. O Que Força É Essa, que abre o meu primeiro LP, Os Sobreviventes, é tocada e cantada, assim como outras canções. Não é preciso estar sempre a mostrar algo de novo quando se pode jogar com todo este acervo.

E sente que algumas continuam com um sentido de atualidade?
As minhas canções têm várias vertentes e algumas são um bocado intemporais e que são mais filosóficas. Qual é a atualidade do Espalhem a Notícia? É o que cada pessoa sente num dado momento. Agora há coisas que têm consonâncias pessoais e sociais na vida das pessoas e isso é bom.

O que sente quando vê as multidões a cantar a Grândola de José Afonso em situações de protesto?
É muito interessante, embora também se esgote depois de um certo tempo. Se fosse oficializada para interromper sempre os senhores do poder perderia a sua eficácia. Mas foi bem jogado na altura e achei interessante. Sobretudo porque foi uma certa presença cívica. Assim como o Acordai do Lopes Graça. São intervenções cívicas interessantes. É agarrar no nosso património e senti-lo atual.

Algumas destas canções, que nasceram no espetáculo, continuarão a ter vida em palco?
Não pensei nisso. Mas acho que este arranjo dos Vampiros poderá perdurar. O resto não sei.

quarta-feira, novembro 27, 2013

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Clã, Rompe o Cerco



Os Clã estão de regresso, com novo álbum a editar no início do ano. O primeiro aperitivo chegou hoje, na forma do lyric video deste Rompe o Cerco.

Novas edições:
Shearwater, Fellow Traveller

Shearwater
“Fellow Traveller”
Sub Pop
3 / 5

Tudo começou como uma espécie de sala de estar, onde se arrumavam alguns móveis (ler as canções mais “calmas”) que Will Sheff e Jonathan Meibug iam compondo e que não queriam arrumar nos Okkervil River. Chamaram-lhe Shearwater e o grupo foi crescendo como aventura em paralelo. Mas depois de discos como Palo Santo (2008) e o belíssimo Rook (2008) os Shearwater ganharam vida própria e a atenção exclusiva de Meibug (pelo caminho Sheff saindo de cena). Com vida na Sub Pop desde Animal Joy (editado no ano passado), os Shearwater ocupam este tempo de pausa entre discos de inéditos em estúdio para lançar um álbum de versões que, mais que apenas ser uma coleção de temas “favoritos”, procura antes ser uma visão pessoal sobre vivências partilhadas na estrada. Fellow Traveler (onde há mesmo assim espaço para um tema de escrita própria) é um álbum onde se cruzam canções de músicos e bandas com quem os Shearwater partilharam palcos e estradas. O conceito comporta um leque alargado de propostas, mas a personalidade interpretativa da banda sugere uma unidade ao corpo de temas que assim se reúnem a noção de que se trata de um álbum de versões podendo mesmo não se notar à primeira vista (escute-se a abordagem a Cheerleader de S. Vincent e reconheça-se um saber transformador que de facto habita entre estes temas). Com um interessante ensaio sobre a vida na estrada servido no booklet, Fellow Traveller está contudo longe de ser um marco na obra do grupo. Mas como interregno sugere algumas boas ideias, como quando respira fulgor elétrico ao som de I Luv The Valley Oh!! Dos Xiu Xiu ou, tal como já acontecera com os Pet Shop Boys, mostra como as versões de temas dos Coldplay (de quem transformam Hurts Like Heaven) são recorrente melhores que os originais...

JKF: um novo olhar sem nada de novo


22 de novembro de 1963. Todos sabemos o que naquele dia aconteceu em Dallas. Como procurar novos pontos de vista sobre o assassinato de JFK sem avançar necessariamente pelas muitas teorias da conspiração e eventuais exercícios de ficção? A proposta de Parkland, filme de Peter Landesman estreado em Veneza e que chegou na última quinta-feira aos nossos ecrãs, é a de procurar ilustrar factos. Escolhe o hospital de Parkland que recebeu o presidente moribundo e, dois dias depois, o do seu assassino (pelo menos como o definiu o Warren Report) Lee Oswald. Com Marcia Gay Harden e Zac Effron em papéis do corpo médico que estava de serviço naquela manhã, o filme procura entrar no que não se viu. De resto, no próprio momento do assassinato a câmara olha para Abraham Zapruder (interpretado por Paul Giamatti), o autor do filme “amador” em Super 8 que se tornaria mundialmente célebre.

Há aqui uma lógica narrativa atenta a uma opção pela reconstituição factual dos acontecimentos. E nem a linguagem visual, que por vezes parece procurar afinidades com os movimentos e os olhares então característicos nos filmes Super 8 domésticos, impede a instalação de uma estratégia próxima do docudrama (não necessariamente televisivo). Estivesse o filme centrado no hospital, desse mais fôlego às personagens e ao lugar, não esgotando as sequências nos picos da urgência clínica e do desencanto que se instala depois, e Parkland seria um filme realmente novo e desafiante.

Mas Parkland quer contar muito mais. Quer seguir Zapruder e o seu filme. Quer olhar e escutar o irmão e a mãe de Oswald. Quer acompanhar os agentes dos serviços secretos que tinham Oswald nos seus ficheiros. E ao desfocar a atenção para lá do Parkland Hospital, Parkland, o filme, acaba coisa diluída que na verdade pouco acrescenta à história das representações da morte de Kennedy no cinema.

O filme não tinha entre as suas “intenções” a exploração de teorias da conspiração. Mas ao mostrar a mãe de Oswald afirmando que o filho era agente secreto (sendo sugerida como perturbada), ao mostrar como os agentes dos serviços secretos apagaram os seus registos em arquivo ou o legista do hospital não teve autorização para realizar uma autópsia, Parkland afinal acaba deixando as portas bem abertas para as muitas teorias que foram desde então surgindo.

Para descobrir a música da Ásia


O que conhecemos da música da Ásia? Pouco, quase nada. Falamos de Sakamoto e da Yellow Magic Orchestra e eventualmente um ou outro mais nome vindo do Japão. Falamos de Bollywood (e talvez de Lata Magenskhar)... Da Coreia do Sul vieram as canções garridas do K-Pop (e entretanto a moda já passou). Há uns anos encontrei uma banda de Shangai que soava a um encontro de Kraftwerk com Pet Shop Boys... Mas do sudeste asiático, além de reconhecer a sua influência na construção das ideias que conduziram à música dos minimalistas, então conhecemos pouco, muito pouco. Esta edição apresenta quatro CD e um livro e pode abrir algumas luzes. Sob o título Longing For The Past: The 78 RPM Era In Southeast Asia juntam-se 90 gravações e 272 páginas de informação e fotos. Aqui se contam histórias de sons que vão de 1905 a 1966, recolhidos em gravações do Vietname, Laos, Camboja, Tailândia, Birmânia, Malásia, Singapura e Indonésia. Deve refletir (nem que do ponto de vista da industria discográfica local) o peso da presença colonial na região. Mas há certamente aqui descobertas a fazer...

Em conversa: Sérgio Godinho (2 / 2)

Foto: José Mendes / cedida pela Universal

Continuamos a publicação da versão integral de uma entrevista com Sérgio Godinho a propósito do lançamento, esta semana, do disco Caríssimas Canções. A entrevista serviu de base ao artigo ‘As Canções dos Outros Segundo Sérgio Godinho’, publicado na edição de 24 de novembro do DN.

Quando sentiu que as canções que estavam a trabalhar para os espetáculos começavam a ser suas?
Essa apropriação tem que existir e foi um dos grandes gozos disto. Pisar territórios estranhos e fazê-los nossos. Na verdade muitas destas canções já tinha cantado para mim, nem que na casa de banho. Muitas estavam na minha memória, como a do Bob Dylan ou o Volver a Los 17 da Violeta Parra, que venero e que ouvi pela primeira vez pelo Milton e a Mercedes Sosa. É uma canção pujante de lirismo. Estão na minha memória ativa. No espetáculos havia outras em que tinha de ler as letras, como o caso da Geni e o Zepelim, que é muito intrincada. É uma canção genial, uma das mais violentas que conheço. A maneira como a narrativa se resolve é terrível...

Podia ser uma personagem das suas canções...
Sim... Já me perguntaram, sobre estas canções, de quais tenho inveja de não ter sido eu a compor: acho que gostava de ter composto esta. Mas desde cedo senti que as canções me pertenciam. A escolha das canções que pus no palco também tinha a ver com o sentir que as podia cantar. O Le Pornographe do Brassens seria muito especifica na voz dele. As pessoas estão habituadas a associar a minha voz com o meu universo criativo, mas de facto sinto-me bem dentro de outros géneros. O Rapaz da Camisola Verde é um fado que tratamos quase como uma marcha, é excelente. As pessoas diziam “o quê? Pedro Homem de Melo, Frei Hermano da Câmara?... Mas depois aquilo flui de uma maneira magnífica. Houve aqui coisas leves e coisas pesadas. Houve retratos. O Conversa de Botequim de Noel Rosa é um retrato primoroso do imaginário carioca (foi escrita nos anos 30). O Rosa é um bocado o pai do Chico Buarque e de muitos outros.

Há aqui nomes que o acompanham como referência estrutural desde sempre...
Estas canções têm muito lastro, já vivem há muito tempo comigo. E no concerto tinha também quatro canções minhas que eram confrontos com outros universos... Tinha o Dias Consecutivos, que fiz com o Bernardo Sassetti. E até acabava no Acesso Bloqueado, para voltar a Portugal e ao momento presente. Mas no disco não fazia sentido, que o seu propósito era o de mostrar material alheio. A única canção que está é a que abre o CD, que é o Última Sessão. Algumas não ficaram porque nenhum dos takes da Casa da Música ou CCB eram completamente satisfatórios para todos e não queríamos estar a fazer overdubs, queríamos que a coisa fosse assim mesmo autêntica.

Sentiu um reencontro c trabalho que vez em rádio, que tinha também a ver com a recolha de canções?
Com o Baú e os Reis do Vinil. Não anda longe, de facto. Faz parte dessa minha memória ativa e do prazer de partilhar. Esses programas de rádio são avôs deste projeto. Não tinha pensado nisso mas faz sentido. Nessa altura já explicava as origens das canções, as histórias à sua volta, as idiossincrasias. Foi um percursor deste processo. Na pesquisa que, semana a semana, fui fazendo para o livro ia descobrindo coisas que eu nem sabia, ou que já não ouvia há muito tempo.

Como fazia a investigação?
Internet, e às vezes livros... E havia coisas que já sabia e queria confirmar. Num ou outro até de viva voz, como o caso do Vendaval. Quem me contou a origem da canção foi o David Ferreira, que é uma enciclopédia. Mas são aventuras quem me descentram das minhas canções e do meu universo. Mas, e como dizia nos concertos, nem andei muito longe de Portugal. O Les Vieux, no fim de contas, fala da solidão dos velhos que neste país são confrontados com todos estes salários, estas pensões miseráveis que estão a ser reduzidas. No fim não estamos muito longe. Estamos sempre a falar, de maneiras diversas, da sensibilidade das pessoas, da realidade, do mais político, do mais social, do mais íntimo.

Sendo que é n'Os vampiros que explicita mais claramente essa ponte com o presente.
Sim. É uma metáfora muito poderosa.

(continua)

terça-feira, novembro 26, 2013

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Magik Makers, Mirrorless


Os Magik Makers apresentam um aperitivo para o novo álbum Surrender To The Fantasy, que editaram na última semana. Aqui fica Mirrorless.

Novas edições:
Erasure, Snow Globe

Erasure
“Snow Globe”
Mute Records
3 / 5

Tradição histórica na música popular desde o advento do formato do LP, o “disco de Natal” está longe de ser coisa formatada apenas no campo das descendências naturais dos crooners que lhes deram títulos de referencia (e sucesso) nos anos 50. Elvis foi mesmo dos primeiros a experimentar este terreno, desde então o espaço das canções de Natal tendo passado por discografias tão diversas quanto as de James Brown, os Pet Shop Boys, a família McGarrigle/Wainwright, Kristin Hersh, Sufjan Stevens, ou os Raveonettes, nos últimos anos este tendo-se revelado mesmo um espaço tão caro aos vultos globais do mainstream como a vozes vindas de terreno indie. Entre a multidão de títulos que a temporada nos vai trazer destaca-se desde já uma proposta assinada pelos veteranos Erasure (que no próximo ano celebram 30 anos de atividade). O espaço da canção de Natal não lhes é estranho, tanto que em finais de oitentas lançaram uma segunda versão do EP Crackers International com capa de temática natalícia e alinhamento parcialmente em sintonia com a quadra. A atravessar um deserto (de ideias e de reconhecimento) há já largos anos, com uma obra relativamente inconsequente desde a alvorada dos noventas – e apenas pontuais frestas de interesse no alinhamento de Light At The End of The World (2007) – Vince Clarke e Andy Bell optaram aqui por um reencontro com a sonoridade mais próxima dos registos clássicos da fase The Innocents (1988) / Wild (1989) / Chorus (1991). E convenhamos que, juntamente com The Circus, de 1987, foi então que viveram a melhor etapa da sua carreira. O alinhamento de Snow Globe cruza inéditos com versões (entre estas havendo tanto uma incursão pela música de Gustav Holst como por cânticos “clássicos” de Natal). Na verdade o mundo não ganha muito ao ouvir os sintetizadores de Vince e a voz de Andy a caminhar entre leituras sem surpresa maior de White Christmas ou Silent Night. Mas é nos originais, entre Bells of Love, Loving Man, Make it Wonderful e, sobretudo, o festivo e dançável There’ll Be No Tomorrow, que reencontramos um viço pop que faltava aos Erasure desde os dias de I Say I Say I Say... O Natal aqui serve de motivo para um disco. Mas, mesmo perante a elegância dos arranjos apresentados (com o devido fiozinho de azeite), é para além das propostas natalícias que está o melhor deste disco.

As canções de Wes Anderson (pelos outros)


Um disco de tributo a Wes Anderson? Porque não? Os seus filmes sempre mostram um saber musical muito próprio, das versões de Bowie por Seu Jorge em The Life Aquatic ao Britten revisitado no seu mais recente título. Aqui fica o alinhamento de I Saved Latin, que tem lançamento agendado para a Primavera de 2014. Aqui fica o alinhamento, tal e qual foi avançado pela Pitchfork:

Black Francis: "Seven and Seven Is" (Love) [Bottle Rocket]
Elk City: "Play with Fire" (The Rolling Stones) [Darjeeling Limited]
Escondido: "Strangers" (The Kinks) [Darjeeling Limited]
Freelance Whales: "Let Her Dance" (The Bobby Fuller Four) [Fantastic Mr. Fox]
Generationals: "Making Time" (Creation) [Rushmore]
Grand Hallway: "I Am Waiting" (The Rolling Stones) [Rushmore]
Joy Zipper: "Ooh La La" (The Faces) [Rushmore]
Juliana Hatfield: "Needle In The Hay" (Elliot Smith) [Royal Tenenbaums]
Kristin Hersh: "Fly" (Nick Drake) [Royal Tenenbaums]
Matt Pond: "These Days" (Nico) [Royal Tenenbaums]
Mike Watt & the Secondmen: "Street Fighting Man (The Rolling Stones)" [Fantastic Mr. Fox]
PHOX: "The Way I Feel Inside" (The Zombies) [Life Aquatic with Steve Zissou]
Santah: "Five Years" (David Bowie) [Life Aquatic with Steve Zissou]
Sara Lov: "Alone Again Or" (Love) [Bottle Rocket]
Solvents: "Nothing In This World Can Stop Me Worryin' Bout That Girl" (The Kinks) [Rushmore]
Someone Still Loves You Boris Yeltsin: "Margaret Yang's Theme" (Mark Mothersbaugh) [Rushmore]
Tea Cozies: "Here Comes My Baby" (Cat Stevens) [Rushmore]
Tele Novella: "Stephanie Says" (The Velvet Underground) [Royal Tenenbaums]
Telekinesis: "This Time Tomorrow" (The Kinks) [Darjeeling Limited]
The Ghost in You: "Oh Yoko!" (John Lennon) [Rushmore]
Tomten: "30 Century Man" (Scott Walker) [Life Aquatic]
Trespassers William: "Fairest of the Seasons" (Nico) [Royal Tenenbaums]
William Fitzsimmons: "The Wind" (Cat Stevens) [Rushmore]

Em conversa: Sérgio Godinho (1 / 3)

Foto: João Messias / cedida pela Universal
Iniciamos hoje a publicação da versão integral de uma entrevista com Sérgio Godinho a propósito do lançamento, esta semana, do disco Caríssimas Canções. A entrevista serviu de base ao artigo ‘As Canções dos Outros Segundo Sérgio Godinho’, publicado na edição de 24 de novembro do DN.

Sendo autor, cantou raras vezes canções de outros em disco.
Na discografia de estúdio há de facto muito poucos casos. Há o Namoro, o Carteiro, as Endeixas a Barbara Escrava... São casos muito pontuais mesmo.

Mas em palco sempre gostou de cantar versões.
Não só gostei como no Rivolitz, na parte do Ritz Clube, canto Bob Dylan, Serge Gainsbourg e Zeca Afonso. Em espectáculos mais fora do baralho sempre fiz isso. Há um que nunca esteve em disco, o Troca por Troca que fiz no Jardim de Inverno, tinha muito repertório e inclusivamente cantava aí o Sunny Afternoon que agora está não no CD, mas no DVD. De facto sempre gostei de cantar as canções dos outros. Esta altura foi uma ocasião de outro que se proporcionou a partir de outras.

Há contudo textos que surgiram primeiro. Este foi um projeto que nasceu das palavras para os sons…
Isto foi uma espécie de ciclo que se completou. Começou por 40 crónicas que fiz no Expresso. Lembrei-me do número 40 porque era a efeméride dos 40 anos de canções. E falar das canções dos outros foi sempre uma coisa que me apaixonou. Essa partilha com amigos... Nem é preciso músico para se fazer essa partilha. Mas aqui era sistematizar e dar a ler mais que o quem muita gente saberia. Depois houve o livro, muito cuidado e bonito, com ilustrações do Nuno Saraiva. E na altura da iniciativa anual do CCB, a Carta Branca, os programadores que tinham lido o livro perguntaram se queria dar corpo aquilo, e meter aquilo em palco. E saltei em cima da proposta. Porque pareceu um caminho natural e apetecia-me cantar aquele material alheio. Não todas as canções, porque não me sentiria confortável a cantar algumas...

Como a do Klaus Nomi, por exemplo, sobre a qual escreveu…
Sim, ou Sea Song do Robert Wyatt... Há canções que são tão específicas que não podia interpretar pela minha voz. Mas podia ter uma versatilidade de interpretação em canções que me deram gozo, que seriam desafiantes para mim. O disco é uma consequência dos espetáculos do CCB e Casa da Musuca. Depois já fizemos outros. Senti que tinha de encontrar um caminho instrumental para que estas não fossem covers de bar...

Tinham de encontrar um corpo comum?
Tinhamos de encontrar um corpo mas que ao mesmo tempo fosse algo com muito poucos músicos, mais descarnado e que desse a essência das canções.

Fez algo semelhante em tempos no Instituto Franco Português, de onde nasceria o disco Escritor de Canções.
Embora aí fosse mais monocolor em termos de instrumentação. Com o Nuno Rafael começamos a pensar numa coisa mais crua, menos vestida...

Um pouco como se fosse uma lógica de música de câmara...
Sim, sim... Tinha vontade de trabalhar outra vez com o Hélder [Gonçalves]. Pusemos-lhe essa hipótese e a Manuela entrou naturalmente. Ela tem muita vontade de sair do seu “poleiro” de protagonista vocal dos Clã. Toca vários instrumentos, respira música por todos os poros, faz segundas vozes... E em palco de facto brilha de uma maneira especial. Depois cada caso foi um caso. Houve canções em que nos aproximamos do propósito e do som inicial, como é o caso dos Doors ou do Elvis. Mas há outras versões como o Vendaval ou o Sampa, em que mudamos os tempos e a colocação das frases fica alterada... Há canções que são muito diferentes do original nos arranjos. Outras muito próximas, como no Heartbreak Hotel. E aí, no final, até faço uma coisa ligeiramente humorística que é cantar um pouco à Elvis Presley.

Como faz também, com o Tony de Matos…
Sim, mas só no fim. Eu canto ao contrário do Tony de Matos, sempre por baixo, de maneira serena. Ele é uma coisa única. Se fosse na Argentina seria um tanguista. No fim até dizia em palco que tinha prometido não cantar à Tony de matos mas que aquilo tinha sido um deslize. Este espetáculo tinha muita conversa... Há alguns casos nos quais leio um bocado da crónica dentro da canção. Nos Doors também faço um bocadinho isso. Mas não faria sentido mostrar mais no disco. O caso d’Os Vampiros é uma versão que não tem nada a ver com a versão original, maravilhosa, do Zeca. A importância da canção continua a existir, até porque até digo que está terrivelmente atual.

Com uma canção de outro tempo procura assim uma mensagem para o presente?
E era um dos momentos altos dos concertos. Até plasticamente, porque a iluminação muda. Aí queria uma versão mais dura, mais rasgada. Parece estar com um peso sempre presente... Houve muito trabalho, mas também muita inspiração. E aqui estou a falar deles os três.

(continua)

segunda-feira, novembro 25, 2013

Ver + ouvir
Flume (feat. Moon Holiday), Insane



O projeto Flume acaba de lançar uma versão DeLuxe, com extras, do álbum que surgiu por estes lados em início do ano (apesar de ter sido originalmente editado na Austrália em finais de 2012). Aqui fica o teledisco que acompanha o tema Insane.

Novas edições:
Sérgio Godinho, Caríssimas Canções

Sérgio Godinho
“Caríssimas Canções”
Mercury / Universal
4 / 5

Sendo essencialmente um autor, raras foram as vezes em que Sérgio Godinho levou aos seus discos as canções dos outros. E na sua discografia de estúdio contam-se apenas três exemplos em mais de 40 anos de lançamentos, com O Namoro de Fausto, as Endechas a Bárbara Escrava de Camões segundo José Afonso e O Carteiro do Conjunto António Mafra. Em palco abre contudo horizontes a outros universos, e o disco ao vivo de finais dos noventas, Rivolitz, mostra mesmo instantes em que avançou pelas memórias de Dylan, de Gainsbourg e, uma vez mais, José Afonso. As Caríssimas Canções, que agora surgem num disco, chegam contudo como consequência de um projeto maior que definiu um ciclo que assim se conclui. Tudo partiu de um desafio para a escrita de crónicas (escolheu escrever 40), que depois levou a livro e, mais tarde, ao palco. O álbum traduz as gravações das noites passadas nos palcos do CCB (Lisboa) e Casa da Música (Porto) onde estas versões se fizeram ouvir pela primeira vez. Conhecedor de uma velha máxima (sua) que diz “cuidado com as imitações”, Sérgio fez questão de procurar um patamar comum de entendimento entre canções que vinham de autores, géneros e épocas diferentes. Chamou Nuno Rafael (com quem trabalha regularmente desde o álbum Lupa, do ano 2000) e a dupla dos Clã Manuela Azevedo e Hélder Gonçalves (com quem assinou o marcante espetáculo Afinidades que nasceu na Expo 98 e chegou a disco em 2001). E juntos encontraram um caminho numa lógica “de câmara”, do pouco fazendo muito, trabalhando arranjos contidos, embora versáteis, não apagando nunca a essência da alma de cada canção mas permitindo que a voz de Sérgio Godinho as fizesse, no fim, claramente suas. São particularmente felizes os instantes em que recria Geni e o Zepelim de Chico Buarque (originalmente nascida para a Ópera do Malandro), Vendaval de Tony de Matos ou o Rapaz da Camisola Verde, de Frei Hermano da Câmara (que surge na forma de uma marcha, sublinhando do uma relação antiga de Godinho com a música popular portuguesa). Por aqui encontramos ainda originais de Noel Rosa, Violeta Parra, Caetano Veloso, Pixinguinha ou Jacques Brel. Há uma abordagem tensa, atual (e consequente) aos Vampiros de José Afonso. Há flirts bem conseguidos com a memória de Elvis e dos Rolling Stones e outros, menos felizes, com os Beatles e os Doors. No fundo partilham-se gostos, memórias, experiências e até histórias. Cruzam-se afinidades. Mas, no fim, e apesar de isto estar tudo ligado, as versões são claramente de autor. E nem que por um disco, estas canções são agora de Sérgio, do Nuno, do Hélder e da Manuela.

Para ouvir:
The Notwist, Close To The Glass


Os The Notwist estão de regresso aos discos, anunciando um novo álbum de originais para 2014. Celebrados em 2002 por Neo Golden e autores em 2008 do brilhante The Devil, You + Me, os alemães regressam em fevereiro com o álbum Close To The Glass. Para já, e como aperitivo, aqui esta é canção que lhe dá título.

Arthur C. Clarke: dos contos a '2001'

Poucas vezes o cinema e a literatura de ficção científica souberam andar de mãos dadas. Se ao longo da história da sétima arte podemos encontrar exemplos maiores de adaptações inspiradas e muito pessoais em casos como Things To Come de William Cameron Menzies (a partir de The Shape of Things To Come, de H. G. Wells), Solaris de Andrei Tarkovsky (com ponto de partida no romance homónimo de Stanislaw Lem) ou Blade Runner de Ridley Scott (que nasceu do conto Do Androids Dream Of Electric Sheep?, de Philip K. Dick), em 2001: Odisseia no Espaço encontramos um raro caso de criação conjunta entre um realizador e um escritor. Arthur C. Clarke trabalhou diretamente com Stanley Kubrick o desenvolvimento do argumento, o livro nascendo assim ao mesmo tempo que o filme ia ganhando forma.

Na verdade há havia palavras antes das primeiras imagens serem sequer imaginadas. A ideia base para 2001 surge num conto que Arthur C. Clarke escrevera em 1948 e que fora originalmente publicada numa pulp magazine em 1951. Sentinel of Eternity falava de uma pirâmide colocada na Lua que, durante séculos, enviara sinais para um ponto distante. O que aconteceria no momento em que a transmissão fosse interrompida? Deste e de outros contos (como Encounter in the Dawn, de 1953) Clarke e Kubrick partiram para a criação do argumento que serviria de base ao filme e que conheceria versão na forma de romance que teria primeira publicação em 1968, o mesmo ano em que o filme chegou aos ecrãs das salas de cinema.

2001: Odisseia no Espaço completou-se como um corpo total na visão de Stanley Kubrick. Mas Arthur C. Clarke resolveu continuar a narrativa, publicando em 1982 a sequela 2010: Odissey Two, que conheceria uma adaptação (menor) ao cinema em 1984 na qual são retomadas algumas personagens e, sobretudo, os espaços da nave Discovery. Com a lua de Júpiter Europa no centro das atenções, a história conheceria depois continuação em 2061: Odissey Three, livro que surgiria em 1987, o ciclo conhecendo conclusão dez anos depois com 3001: The Final Odissey.