quinta-feira, fevereiro 25, 2010

Scorsese: os espaços em branco

Leonardo DiCaprio toma notas de quê? E para quê? Ou ainda: Shutter Island é um filme sobre a decifração das aparências ou o assombramento dos factos?
Digamos, para simplificar, que não há aparência que não esteja assombrada. Martin Scorsese é o cineasta dessa ambivalência, até mesmo na contemplação da morte — sobretudo na contemplação da morte.
É bem certo que vivemos num mundo em que, todos os dias, a cultura televisiva nos tenta convencer que olhar o mundo é o mesmo que fazer palavras cruzadas — tudo acabaria por fazer sentido, e esse sentido tudo fecharia numa certeza sem espaços em branco. Shutter Island é uma prodigiosa adaptação de um espantoso romance de Dennis Lehane e, nessa medida, uma genial revisitação da tradição do film noir. Mas é também um objecto de resistência a essa cultura triunfante que transforma sinais de superfície em certezas transcendentais e "justas" (vivemos, afinal, num mundo em que as televisões querem ocupar os lugares dos tribunais e onde até há comentadores de futebol que falam dos resultados dos jogos em termos de "justiça"...). Este é um filme para vermos e revermos, falarmos e continuarmos a escrever — e também para saborear em silêncio.

>>> Site oficial de Shutter Island.
>>> Vanity Fair: Martin Scorsese responde ao
Questionário de Proust.
>>> Site oficial de
Dennis Lehane.