quarta-feira, maio 07, 2008

Em conversa: Portishead (2/3)

Continuamos hoje a publicação de uma entrevista com Geoff Barrow (na foto), dos Portishead. Esta conversa serviu de base a dois artigos entretanto já publicados no DN

Em 1994 eram muito diferentes eram ferramentas de comunicação entre o músico e o público. Mas não é essa a única grande fonte de diferença entre esses dias e o presente... Sabem o que vos espera...
Vivemos num tempo em que o lado do negócio da música é mais frio e calculista. Não queremos por isso lidar com companhias que trabalham telemóveis e querem bandas cool para os vender. Temos ideias muito concretas sobre quem somos. Estamos numa multinacional, é verdade, que têm parceiros corporativos. Mas queremos encontrar a nossa maneira de fazer as coisas. De uma forma honesta. Mas hoje não é fácil editar música sem ter também a sensação que estamos a vender um produto. São tempos diferentes... Há também aquele outro novo lado da indústria musical que é o as celebridades... Que também não tem a ver connosco... Nós queremos apenas fazer os nossos discos e poder editá-los. Mas sabemos que temos de fazer certas coisas para os promover. Porque houve quem pagou antes para que o lançamento do disco fosse possível. Sabemos disso...

O que pensa de alternativas à distribuição convencional que têm surgido nos últimos tempos. Como sucedeu com os Radiohead, e a oferta de música na Internet. Ou com Prince, que lançou o último álbum com um jornal? Estas atitudes fizeram-vos pensar sobre a vossa relação com esse lado de negócio da música?
Não fazemos grandes digressões nem vendemos merchandising. Por isso a venda da música é crucial para nós. Não queremos dar a música, mas sim torná-la acessível, a um preço justo. Não esperaria que um canalizador fosse a minha casa fazer uma obra à borla. Daí que também não espero que a música de uma banda que gosto me chegue às mãos à borla.

Fala da pirataria?
Sempre houve pirataria...

Nos dias das cassetes?
Sim, nos dias das cassetes. Eu gravava o top ten da rádio e não comprava os singles. Mas voltando ao presente, creio que vivemos tempos muito interessantes. Sou grande admirador dos Radiohead. Mas tiveram mais atenção nos media pelo sistema de distribuição do disco que pela música do álbum. E era um bom disco... Mas gostei da forma como o sistema que usaram tornou as coisas mais imediatas. Acabaram de o gravar e o disco estava logo disponível a seguir... É a maneira mais pura de lidar com a música. Mas, volto a frisar, nunca faria o mesmo pela minha música a troco de nada.

Esperavam que Dummy se transformasse num álbum de dimensão histórica, hoje visto mesmo como uma referência central da música dos anos 90?
Não o imaginávamos, não. Na altura éramos um grupo de pessoas que tinham conseguido que um manager apostasse em nós... Mostrámos-lhe maquetes, conseguimos um contrato com uma editora... Mas não esperávamos o que aconteceu.

Como reage quando é confrontado com a paixão com que as pessoas lembram Dummy?
É espantoso ver que as pessoas gostam do disco daquela maneira. Havia discos do nível do nosso naquela altura, mas que não chegaram às pessoas da mesma maneira. Foi bom para nós... É por vezes considerado como um disco chill out, o que não faz muito sentido... É um disco de canções. E esse foi o caminho que seguimos. Mas já estou a imaginar as reacções ao novo disco. Vão dizer que é estranho... Não me parece que seja estranho, porque é o que sempre fizemos. O que se passa é que o nosso estilo de música acabou absorvido pelo mainstream.

Sentem-se pioneiros na definição de um tipo de música?
É difícil aceitar esse tipo de elogios... Pioneiros ou não pioneiros, o que fizemos acabou, de facto, absorvido pelo mainstream. E isso é sempre uma coisa contra a qual nos queremos rebelar. É estranho...
(conclui amanhã)