segunda-feira, março 24, 2008

A distribuição das culpas (2/3)

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Afinal de contas, de que falamos quando falamos da juventude? E, para além dessa categoria global, como definir esse grupo — etário, social e simbólico — que são os jovens? Mais ainda: entre os jovens, sob o signo da juventude, o que é ou pode ser um indivíduo? Como defini-lo, como compreendê-lo, como pensar a sua integração na vida do colectivo?
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Infelizmente, a especificidade — e, convenhamos, a dificuldade — destas interrogações não tem sido muito encarada desde que começaram a ser divulgadas no YouTube as imagens da agressão de que foi vítima uma professora (por uma aluna a quem tirara um telemóvel). Entre as reacções a quente, tentado comentar as próprias incidências a que os media deram imediato destaque, creio que vale a pena seguir a argumentação, serena e pedagógica, do psicólogo Eduardo Sá, na SIC Notícias, no dia 21 de Março:




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Neste contexto, creio que é oportuno perguntar também quais são, socialmente, as imagens mais fortes da juventude. E a resposta, de tão evidente, envolve qualquer coisa de sintomático e perturbante. Não são as imagens provenientes da(s) família(s), não são as imagens da(s) escola(s) e também não são, seguramente, as imagens da(s) igreja(s) — são as imagens da publicidade.
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E esta é uma situação que quase ninguém quer discutir — aliás, em boa verdade, é uma situação que quase ninguém se dispõe, ao menos, a reconhecer. A publicidade tornou-se uma espécie de língua franca das sociedades e, desde as relações sexuais à gestão do dinheiro de cada um, todos os dias nos lança mensagens, muitas vezes imperativas, sobre o que podemos e devemos fazer para sermos "cidadãos exemplares".
Daí outra pergunta que se impõe: como é que, maioritariamente, as mensagens publicitárias, representam os jovens? A resposta é muito simples, directa e a todos os instantes confirmável: essas mensagens representam, maioritariamente, os jovens como seres cuja alegria, vocação e destino se cumprem em práticas consumistas. Que práticas consumistas? Duas são por demais evidentes, de tal modo são todos os dias marteladas, em todos os horários de todas as televisões:
1 - a aquisição dos mais modernos modelos de telemóveis;
2 - o consumo de bebidas alcoólicas.
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Deixemo-nos de disparates. Sobretudo não nos enredemos na demagogia dos que querem contornar argumentações deste género, sugerindo (eventualmente afirmando) que alguém está a querer dizer que o episódio da agressão aluna/professora é "culpa" dos telemóveis. Além do mais, é preciso repetir que não se trata, aqui, de promover um qualquer "tribunal popular" (à maneira de alguns programas televisivos), mas sim de reiterar a necessidade de pensar a responsabilidade social de quem lida com as representações dominantes dos próprios agentes sociais.
Trata-se, isso sim, de lembrar que vivemos num universo mediático/publicitário cujas representações e linguagens dominantes tendem, muitas vezes, a representar os jovens como seres sem alternativa, a não ser esgotarem-se (mesmo no sentido de desgaste de energias físicas) em delirantes histerias consumistas. Mais do que isso: não poucas vezes, o jovem-como-pateta-sem-ideias é apresentado como um modelo "carinhoso" de figuração documental ou dramatização documental.
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De forma muito simples, é preciso reconhecer algo de muito prático: as novas tecnologias não são, em si mesmas, "boas" ou "más". Não há tecnologia separada (ou separável) da sua apropriação individual e colectiva. Do ponto de vista da ética social e política, esse é um princípio tão válido para o fabrico de armas nucleares como, por exemplo, para a difusão e uso de um... telemóvel.