quinta-feira, janeiro 31, 2008

Novas profecias do oráculo

Chamam-se MGMT e, claro, para variar... vêm de Brooklyn (Nova Iorque). Cruzam um gosto pela recontextualização de regras e marcas do psicadelismo com um discurso de sabor profético que imagina um futuro onde os herdeiros do presente escutarão a música dos nossos dias através de ficheiros mp3 corrompidos... Antes da materialização das profecias, podemos escutar o seu álbum de estreia. Chama-se Oracular Spectacular e é outra das estreias obrigatórias do ano. O disco inclui uma regravação de Time To Pretend, um dos temas do seu EP de apresentação. Aqui fica o teledisco da nova versão.

Trunfos 'oldie' em Coachella

São três as bandas já separaradas e entretanto reunidas que actuam na edição deste ano do Festival Coachella, perto de Los Angeles, que decorre entre os dias 25 e 27 de Abril. Love & Rockets, Breeders e Madness ocupam posições de destaque na programação. A eles juntam-se os Krafwerk... Outros festivais...

quarta-feira, janeiro 30, 2008

Música em destaque na Berlinale

A edição deste ano do festival de Berlim (7 a 17 de Fevereiro) parece querer apostar na música. Shine A Light, o filme-concerto de Martin Scorsese, com os Rolling Stones, abre o festival, estando já garantida a presença da banda na cerimónia de abertura. Dois outros documentários, Patti Smith: Dream of Life, sobre Patti Smith e Freedom Speech, centrado na mais recente digressão de Neil Young, são outros filmes em destaque, mas fora da competição oficial. Na secção Panorama passa, em estreia mundial, Filth And Wisdom, o primeiro filme realizado por Madonna. A competição é forte este ano, com 21 filmes a concurso, entre os quais as novas propostas de nomes como Mike Leigh, Paul Thomas Anderson, Isabel Coixet, Eric Zonca, Yoji Yamada ou MIchel Gondry. Tropa de Elite, de José Padilha, sobre questões ligadas à segurança pública no Brasil, é o único filme falado em português na competição oficial.
Programa completo no site oficial do festival.

Jean Michel Jarre em Portugal

O músico francês dá os seus primeiros concertos em solo português em Abril. Dia 25, no Coliseu dos Recreios (Lisboa) e, dois dias depois, no Porto, apresenta ao vivo Oxygene, o álbum histórico que o lançou e que, recentemente, regravou sem quaisquer instrumentos digitais.

Os vampiros de que se fala

O primeiro sério candidato a álbum do ano só tem edição física, no mercado português, a 28 de Fevereiro. Contudo, o disco está já disponível nas lojas digitais. Trata-se da estreia dos irresistíveis Vampire Weekend que, depois do soberbo Mansard Roof, editam como segundo single o não menos contagiante A-Punk. Uma vez mais, perfeito! Aqui fica o teledisco, assinado pela dupla Hammer & Tongs, que já trabalhou com nomes como os Blur, Pulp ou R.E.M.

Patrick Wolf lança primeiro DVD

O primeiro DVD de Patrick Wolf vai chegar este ano, em data ainda a anunciar. Com realização a cargo do fotógrafo Brantley Gutierrez, regista o último concerto da sua digressão do ano passado, no Shepards Bush Empire, em Londres. Entretanto, o músico já está a trabalhar nas canções para o sucessor de The Magic Position.

Akerlund: 10 anos depois

1998, Ray of Light — lembram-se?
Para fazer o respectivo teledisco, Madonna chamava um sueco ainda pouco conhecido, de seu nome Jonas Akerlund. Da sua videografia constavam já vários trabalhos com os Roxette e essa obra-prima trash que é Smack My Bitch Up (1997), dos Prodigy — Ray of Light seria uma espécie de bandeira fin de siècle das potencialidades expressivas dos telediscos, nomeadamente através de novos arranjos de montagem (em parte facultados por novas tecnologias). Madonna descobriu nele um aliado de peso e voltou a convocá-lo para os clips de Music (2000), American Life (2003 — ambas as versões) e Jump (2006), e ainda os filmes de duas digressões, I'm Going to Tell You a Secret (2006), sobre a "Re-Invention Tour", e The Confessions Tour (2007).
Agora, a preparar o lançamento de um novo álbum, Madonna volta a trabalhar com Akerlund na fabricação do teledisco referente àquele que será o primeiro single: 4 Minutes to Save the World. A rodagem decorre por estes dias em Londres e conta com Justin Timberlake e Timbaland, co-autores da canção. Entretanto, Steven Klein, outro cúmplice regular de Madonna, será o fotógrafo da capa do disco. Lançamento em Abril. E mais uma expressão que circula como hipótese de título: Give it to Me.

* Site conjunto de Johan Renck e Jonas Akerlund.

terça-feira, janeiro 29, 2008

O regresso dos irmãos Wachowski

Andy e Larry Wachowski estão de volta à realização cinematográ-fica. No alinhamento americano para a temporada internacional do Verão, o seu novo filme Speed Racer (estreia nos EUA a 9 de Maio) parece perfilar-se como um dos objectos mais específicos, isto é, reunindo alguns dos factores mais sintomáticos — económicos e criativos — da evolução global da grande indústria do entertainment contemporâneo. A saber:
— adapta uma muito popular BD/animação de origem japonesa (autor: Tatsuo Yoshida);
— integra as novas tecnologias de video HD, tendo sido rodado totalmente em estúdio, com os actores contra uma projecção virtual chroma key;
— embora tendo o americano Joel Silver como produtor, a rodagem decorreu na Alemanha, nos estúdios de Babelsberg.
É a primeira realização dos Wachowski, cinco anos passados sobre The Matrix Revolutions, capítulo final da "Trilogia Matrix". A personagem central, "Speed", é interpretada por Emile Hirsch (que podemos ver, a partir desta semana, como protagonista do fabuloso O Lado Selvagem, de Sean Penn); do elenco fazem parte os nomes de Christina Ricci, Matthew Fox, Susan Sarandon e John Goodman. Na ficha do filme surgem o director de fotografia David Tattersall (responsável pelas imagens das três últimas produções da saga A Guerra das Estrelas), o designer Owen Paterson (trabalhou nos três Matrix) e o compositor Michael Giacchino (nomeado para o Oscar de melhor música por Ratatouille). Eis o trailer de Speed Racer.

Alexandre Desplat: música & cinema

Está a chegar (quinta-feira) um daqueles filmes "polémicos" cuja agitação circundante, felizmente, se tem dissolvido no mais banal vazio mediático: trata-se de Lust, Caution — lançado entre nós como Sedução, Conspiração —, uma realização de Ang Lee centrada na paradoxal relação amorosa entre um alto funcionário (Tony Leung) do governo fantoche da China, em 1942 durante a ocupação japonesa, e uma jovem (Way Tang) que, ao serviço da resistência, se insinua na sua vida privada. As cenas de sexo suscitaram a agitação de alguns paladinos da "pureza" das imagens e dos nossos pensamentos — questão rapidamente ultrapassada, não só pela pertinência dramática de tais cenas, mas também pela sua beleza tecida de crueldade e pudor.
Dito isto, vale a pena referir que Lust, Caution confirma também a singularidade do francês Alexandre Desplat no actual panorama dos compositores de música para cinema: a sua banda sonora original é um brilhante exercício de nostalgia e reinvenção, por um lado remetendo para um depurado classicismo, por outro lado induzindo um subtil distanciamento dramático e emocional.
Na produção francesa, desde a década de 1990, Desplat tinha já uma significativa carreira, nomeadamente como colabora-dor dos filmes de Jacques Audiard. Em poucos anos — digamos a partir da banda sonora de Rapariga com Brinco de Pérola (2003), de Peter Webber —, Desplat impôs-se internacionalmente, assinando uma pequena obra-prima de inesperada mé-trica e delicada contenção formal para Birth (2004), de Jonathan Glazer, com Nicole Kidman.
Em 2006, O Véu Pintado [cartaz], de John Curran, valeu-lhe o Globo de Ouro de melhor banda sonora, e A Rainha, de Stephen Frears, a primeira nomeação para o Oscar. Agora, Lust, Caution é, decididamente, um filme para ver e... escutar (uma curiosidade: numa das peças da nova banda sonora, Nanjing Road, o intérprete ao piano é o próprio Ang Lee).

David Fonseca edita versões

A Universal portuguesa lança, dia 18 de Fevereiro, um repackage de Dreams In Colour, álbum de 2007 de David Fonseca. O disco, que se apresentará como Tour Edition, mostra no seu alinhamento, além das 12 canções originalmente incluídas na edição original, um inédito e quatro versões. O inédito é If Out Hearts Do Ache, do próprio David Fonseca. As quatro versões a incluir no repackage, todas elas gravadas ao vivo, reinventam cássicos como Song To The Siren (de Tim Buckley), I'm On Fire (de Bruce Springsteen), How Do You Keep Love Alive (de Ryan Adams) e Let's Stick Together (de Bryan Ferry). Uma boa ideia era, além do repackage, lançar estas mesmas quatro canções num EP, nem que apenas em versão para download digital. Compreende-se o gesto editorial, mas há entre estes quatro temas uma coerência que justifica a sua individualização. Nem que para, apenas, fãs e coleccionadores.

Nick Cave regressa a Portugal

Datas oficiais: 21 de Abril no Coliseu de Lisboa e, no dia seguinte, no Coliseu do Porto. Estes dois concertos confirmados para Portugal fazem da passagem por estas terras o arranque da digressão europeia de Nick Cave com os Bad Seeds. O álbum, Dig, Lazarus Dig sai antes, a 3 de Março.

A caminho de 'Watershed'

Está aí a chegar Watershed, novo disco de KD Lang, o seu primeiro de originais em oito anos, após uma sucessão de álbuns de versões. É um dos seus melhores álbuns de sempre e podemos começar a descobri-lo com I Dream Of Spring, o single de avanço. À falta de teledisco, aqui fica uma actiuação televisiva recente. Arrepiante!...

Duran Duran vezes três

Uma caixa, de edição limitada e numerada, vai recolher os álbuns editados pelos Duran Duran entre 1981 e 83, os seus três primeiros: Duran Duran, Rio e Seven and The Ragged Riger. A caixa terá edição a 18 de Março.

segunda-feira, janeiro 28, 2008

"Nip/Tuck": desmontar a falsidade

Este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 Jan.), com o título 'Sexo e violência' >>> Mundo bizarro este em que vivemos: a reapresentação dos episódios finais de A Vigária de Dibley, com a fabulosa Dawn French, um dos emblemas mais genuínos do mais popular humor britânico, terminou no passado domingo [dia 20]. Onde, num dos canais de grande audiência? Não, na RTP2. E a que horas, em pleno horário nobre? Não, já passava muito da meia-noite quando terminou.
Não admira que, num mundo assim, uma série tão extraordinária como Nip/Tuck nunca tenha conseguido verdadeira visibilidade nas televisões portuguesas. Sejamos realistas: não se trata (longe disso) de um produto para audiências generalistas nem haveria razões plausíveis para a programar às nove da noite. Centrada na actividade de dois especialistas em cirurgia estética (Dylan Walsh e Julian McMahon), esta é uma série verdadeiramente adulta, tanto pelos temas como pela audiência que visa. Em todo o caso, é infinitamente mais séria que alguns trabalhos de pura pornografia jornalística que nos são impingidos em nome da “informação”. É, acima de tudo, uma visão do mundo contemporâneo que toca num tema que a ideologia dominante não gosta de enfrentar. A saber: a relação de cada um com a sua imagem mediática.
Com os episódios da quarta temporada a passar no canal Fox Life, Nip/Tuck tem evoluído num sentido cada vez mais cru e desencantado. Não se trata, obviamente, de favorecer qualquer maniqueísmo (a favor ou contra a cirurgia estética). Trata-se, isso sim, de observar um universo social em que a falsidade afectiva passou a desempenhar um papel fulcral nas relações humanas e, sobretudo, na dificuldade de estabelecer qualquer tipo de cumplicidade.
Quais são, então, os verdadeiros temas de Nip/Tuck? Em boa verdade, podemos identificá-los através de dois rótulos que, em televisão, são quase sempre utilizados de forma esquemática e moralista. Ou seja: Nip/Tuck é uma série sobre sexo e violência. Entenda-se: a perturbação sexual que nos faz descobrir estranhos a nós próprios; a violência emocional que uma relação entre pessoas pode conter. Claro que nem sempre é fácil olhar para Nip/Tuck. Mas se queremos as ilusões da facilidade, sabemos onde procurá-las.

A IMAGEM: Danil Semyonov, 2008

Danil Semyonov
Stavropol, Rússia, 2008 *
(Cerimónia de comemoração dos 65 anos da libertação de Stavropol
do domínio das forças alemãs)

* Imagem incluída nas fotografias da semana (18-24 Janeiro) da revista
Time.

Discos da semana, 28 de Janeiro

O primeiro grande álbum de rock’n’roll do ano começa, antes de nos mostrar qualquer canção, por lançar uma questão de fundo. Pergunta-nos se gostamos de música rock... Questão fulcral, num tempo em que, é visível, o rock’n’roll voltou a morar nos hábitos de quem faz e escuta música. Um tempo em que, todavia, exceptuando raros não alinhados, o rock’n’roll mais parece um jogo de baralha e volta a dar, o seguidismo sendo mais frequente que a real ousadia. Coisa estranha, afinal, numa música que, supostamente, nasce de uma pulsão de rebeldia, de inconformismo, de busca de personalidade, de frontalidade, de choque, por vezes mesmo de ruptura... Os British Sea Power nunca seguiram movimentos nem tendências, apesar de deixarem sempre claras as suas paixões e referências (e nada de invulgar aqui, que aceitar heranças não é, necessariamente, sinónimo de as duplicar). A memória de uns Echo & The Bunnymen, The Cure de inícios de 80, da Joy Division, de um Bowie de finais de 70, mora nas raízes de um som que procura sistematicamente novas formas de expressar um sentido de excentricidade muito caro à cultura pop britânica. Ao terceiro álbum parece ganhar forma uma opção firme por um rock musculado, mas ágil, épico e melodista. Poderemos sentir afinidades eventuais com os Arcade Fire, sobretudo no carácter sinfonista de alguns instantes (e a presença do seu ex-colaborador Howard Bilerman na equipa de produção contribui para vincar a ieia). Mas enquanto o colectivo canadiano explode sob sombras e um clima de tensão permanente, a música dos British Sea Power é mais livre, de horizontes abertos e claramente bafejada por uma brisa que acalma os ânimos. Waving Flags, o single de avanço, é um dos monumentos de pop coral mais irresistíveis dos últimos tempos. O álbum guarda depois outros momentos, exigindo-nos dedicação, compensando-nos depois a cada nova audição.
British Sea Power
“Do You Like Rock Music?”
Rough Trade
4 / 5
Para ouvir: MySpace


O novo álbum de Sérgio Godinho não é, apenas, “mais um disco ao vivo”, comentário que à partida até poderia parecer evidente se somarmos, desde 1991, a edição de outros quatro registos de palco (Escritor de Canções, Noites Passdas, Rivolitz e Afinidades, este último com os Clã). Nove e Meia No Maria Matos é, na verdade, o primeiro registo ao vivo de Sérgio Godinho com Os Assessores (o crédito é, de resto, evidente na capa), banda que o acompanha regularmente desde a gravação de Lupa (2000) e com quem tem trabalhado, digressão após digressão, na recuperação e transformação de velhas canções sob novos arranjos. É o documento desse trabalho o que, afinal, escutamos neste disco no qual o recente Ligação Directa tem um peso protagonista, contudo não excessivo. O disco documenta a passagem por Lisboa do espectáculo que se fez à estrada no ano passado, assinalando também um reencontro com um espaço com memória, uma vez que foi ali que terminou a sua primeira digressão de sempre, Sete Anos de Canções, há precisamente 30 anos. Apesar da diversidade de opções nos arranjos, todos eles oportunos e capazes de dar nova vida a velhos clássicos (mas sem lhes roubar nunca a alma), o alinhamento mostra sábia capacidade de ordenar tantas quadras soltas. Há no alinhamento, como manda a palavra uma “linha”, um sentido, quase como se fosse uma narrativa... Afinal, contam-se histórias.
Sérgio Godinho
“Nove e Meia no Maria Matos”
Universal
4 / 5
Para ouvir: MySpace


O shoegaze está mesmo de volta! Depois de discos recentes dos Midnight Movies, Raveonettes ou Magnetic Fields, mais um nome assegura outra contribuição segura: Pluramon. Projecto alemão, comandado por Marcus Schmickler, apresenta ao quinto álbum, e contando com a presença semi-oficial de Julee Cruise, uma segura colecção de canções capazes de, numa relativa montra de diversidade, sugerir unidade. The Monstrous Surplus capta as heranças da canção densa, tensa e intensa de uns Cocteau Twins e a teatralidade de uns Mazzy Star, em vez dos mais habituais e recorrentes traços de citações aos My Bloody Valentine ou mesmo The Jesus & Mary Chain. Há um clima de mistério, quase cinematográfico, particularmente sublinhado nos momentos em que a voz de Julee Cruise é protagonista. O alinhamento divide todavia esse protagonismo por outras presenças, entre as quais as de Jutta Koether e Júlia Hummer, a esta última cabendo uma reinvenção de If The Kids Are United, dos Sham 69 (originalmente editado como single em 1978), descobrindo nova forma subtil de abordar um clássico dos dias do punk, afirmando-se aqui, naturalmente pela surpresa, um dos mais espantosos momentos do álbum.
Pluramon
“The Monstrous Surplus”
Karaoke Kalk / Flur
3 / 5
Para ouvir: MySpace


O sucessor do promissor Repulsion Box (de 2005) revela nos escoceses Sons & Daughters uma inesperada capacidade de fuga ao desfile de equívocos, armadilhas e tragédias que nos últimos meses tem ceifado – frequentemente por males de inércia ou esgotamento criativo além das iniciais citações dos modelos pós-punk – a vida de muitas das bandas daquilo a que se chegou a chamar a geração “novo rock”. Sem fazer do novo This Gift um monumento (nem nada que se pareça!), o disco consegue todavia encontrar na assimilação do indie rock feminino mais cru e directo da década de 90 (leia-se PJ Harvey ou Elástica) uma série de modelos que se enquadram no constante desafio entre um certo melodismo pop e a intensidade eléctrica, de arestas não polidas, que caracteriza esta colecção de canções. A voz pouco (ou mesmo nada) maquilhada de Adele Bethel aceita as sugestões das referências escutadas, sublinhando depois o carácter aparentemente impefeito na arte final de canções intensas. Pena, contudo, que esta intensidade não se traduza, depois, em grandes composições como, por exemplo, mostraram no single de avanço Guilt Complex. Ou seja, This Gift solta energia, mas não mostra total capacidade em aproveitá-la em pleno... (*)
Sons & Daughters
“This Gift”
Domino / Edel
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Há músicas que se deve começar a descobrir pela história que as precede. Port O’Brien é hoje uma banda de cinco elementos que começou a dar primeiros passos há poucos anos como, apenas um duo, juntando a escrita e vozes de Van Pierszalowski e Cambria Goodwin em terras da Califórnia. Na génese da ideia morava uma admiração pelas canções de Neil Young e Nick Drake, entre outras figuras da folk. Determinante era, contudo, a temporada de Verão passada por Van Pierszalowski a bordo de um barco de pesca de salmão, em Kodiak Island, no Alasca. O ambiente, onde contrastava a serenidade do cenário com a intensidade do trabalho revelar-se-ia inspirador, muitas das canções que o grupo hoje canta tendo surgido nessas latitudes, entre as horas de repouso, o salmão já no porão. Um primeiro álbum revelou o grupo em 2005. E quando M Ward os apontou como nova banda favorita, a maré de atenções virou em seu favor. Correram a estrada ao lado dos Modest Mouse, Bright Eyes e Rogue Wave. E editaram, em finais de 2007, um álbum que reúne uma série de temas que tinham lançado, em auto-edição, nos últimos meses. Este é The Wind And The Swell, um álbum que mostra como aos postulados folk o grupo soma, sem perder o sentido de dieta acústica do seu som, uma multiplicidade de opções e contaminações, muitas delas colhidas nas melhores ideias do actual indie rock. Uma banda promissora, a ter em atenção.
Port O’Brien
“The Wind And The Well”
American Dust / Sabotage
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Eels (best of), These New Puritans, Novembro, Sam The Kid (repackage), Sons & Daughters, Cage The Elephant, Wendy James, Susumu Yokota, Miss Kittin, Lightspeed Champion

Brevemente:
4 de Fevereiro: KD Lang, The Kills, Hot Chip, Triffids (reedições), Morcheeba, Joni Mitchell (DVD), Cass McCombs, Motown (caixa 9 – 1969), Kitsune Maison (vol 5), Nada Surf, Kronos Quartet (Terry Riley)
11 de Fevereiro: Morrissey (best of), Michael Jackson (reedição), One Night Only, Bob Mould, Goldfrapp, Smashing Pumkins (EP), Soft Cell (reedição), Buzzcocks, Durutti Column (reedição), Mind da Gap (best of)
18 de Fevereiro: Nick Cave, The B-52’s, Envelopes, Tegan & Sara, David Fonseca (repackage)

Fevereiro: Vampire Weekend, Rita Redshoes, Boy Kill Boy, Gary Numan (reedição), UHF (reedição), Petrus Castrus (reedição), Quinteto Académico + 2 (reedição), Telectu (reedição), Quarteto 1111 (reedição), Duran Duran (reedições – três primeiros álbuns numa caixa), ABC, Moby, Sigur Rós, Sebastien Tellier, Correcto
Março: Bauhaus, R.E.M., Breeders, Elbow, Supergrass, Billy Bragg, Faces (reedições), Nick Cave & The Bad Seeds, Van Morrisson, Devotchka, Daft Punk, Young Knives, Zombies (reedição), John Tavener, Philip Glass (BSO), The Grid, The Teenagers, Super Nada, OMD (reedição), Guillemots, The La’s (reedição), Cinematic Orchestra (live), We Are Scientists, Why?

Estas datas são provisórias e podem ser alteradas
(*) Versão editada de um texto publicado no suplemento IN, da revista NS

domingo, janeiro 27, 2008

Discos Perdidos (4)
Ao Vivo no RRV em 1984, 1984

Em 1984 o Rock Rendez Vous (RRV) era já o espaço protagonista para a exposição pública de nova música em Lisboa. A criação do Concurso de Música Moderna (CMM) fora a gota de água para o estimular definitivo de uma nova geração de bandas, da qual saíram nomes fulcrais da história pop portuguesa da segunda metade dos anos 80, dos Mler Ife Dada aos Pop Dell’Arte e muitos mais... Para a festa de quarto aniversário do RRV pensou-se a edição de um álbum que juntasse pedaços de gravações de actuações que ali tivessem ocorrido nos meses anteriores. Por norma, como se lê na contra-capa do álbum, todas as actuações no RRV eram gravadas, ficando as fitas em arquivo. Depois de escutado um álbum com gravações ao vivo bandas francesas enviado por um amigo de Toulouse, a ideia que conduziria a este disco começou a ganhar forma. Impunha-se, entre tamanho arquivo já guardado, um critério de selecção. Que as bandas fossem “giras e inovadoras” e que “não houvesse contrato com outras editoras”, lia-se no texto de apresentação. As gravações foram tratadas por Paulo Junqueiro (hoje à frente da EMI no Brasil), mas, garante o mesmo texto já citado, o disco não tem “corantes nem conservantes”. O álbum Ao Vivo no Rock Rendez Vous em 1984 acaba por ser um dos raros documentos editados do som que passou por esse clube que marcou o Portugal musical de 80. A opção pela não inclusão de bandas com contratos editoriais deixa de fora algumas potenciais pérolas do seu tempo. Contudo, ainda sem contrato (assinariam depois pela Dansa do Som), os Xutos & Pontapés acabam por ser o trunfo maior do alinhamento, numa participação que revelava, em primeira mão, o Esquadrão da Morte. Num alinhamento de oito temas, cinco foram gravados durante o CMM de 1984. Nomes marcantes do panorama indie português de meados de 80, como os Croix Sainte (aqui numa versão live do tema que depois registariam no seu único EP) ou Ocaso Épico juntam-se aos Xutos & Pontapés num retrato de época que nunca chegou a ter edição em CD.

VÁRIOS
Ao Vivo no Rock Rendez Vous em 1984 (RRV, 1984)
Produção: Paulo Junqueiro
Lado A: Esquadrão da Morte (Xutos & Pontapés) + The Life Of He (Croix Sainte) + Candy Hour (Dead Dream Factory) + Assassinos No Poder (Crise Total)
Lado B: Modernos Europeus (F.A.S.) + Corpos a Compasso (Casino Twist) + Testamento (Culto da Ira) + Intro (Ocaso Épico)

sábado, janeiro 26, 2008

Visões de fé segundo Haydn

Paul McCreesh tem sido um nome em regular evidência nos últimos anos, sobretudo aclamado pela soberba edição de uma gravação das Vésperas de Monteverdi, pela Archiv, em 2006, tendo sido ainda alvo de elogios a sua Missa em Ré menor de Mozart, lançada pela mesma editora. Agora, uma vez mais acompanhado pelo Gabrieli Consort & Players, apresenta-nos uma gravação de uma das mais belas obras corais de sempre, por quase todos reconhecida como a obra-prima de Haydn. Joseph Haydn (1732-1809) dedicou-lhe 18 intensos meses de trabalho, entre 1796 e 1798. Com devoção e ousadia (isto para um veterano então com obra reconhecida na sinfonia, quartetos e sonatas), Haydn encontrou no oratório um novo desafio. O projecto para A Criação deve-se a uma série de visitas a Londres, no início da década de 90 do século XVIII, durante as quais escutou algumas das grandes obras corais de Handel na Abadia de Westminster. Recorde-se que, na época, Handel era visto em Londres como o mestre da “escola antiga” e Haydn uma figura do “moderno”. Mas este último, perante os grandes oratórios de Handel, resolveu voltar a estudar, não para entrar numa competição com essas mesmas obras, mas iniciando o trabalho de preparação que, depois de encontrado um libreto sobre a criação do universo (oferecido durante nova viagem a Londres entre 1794 e 95), conduziria a esta música. A Criação estreou em Viena em 1799, seguindo-se interpretações em diversos outros países (Haydn acompanhou a tradução para outras línguas), tornando-se num verdadeiro acontecimento cultural do seu tempo. A presente edição decorre de uma série de apresentações ao vivo, nas quais McCreesh se fazia já acompanhar pelos solistas que aqui convoca (Sandrine Piau, Mark Padmore, Neal Davies, Peter Harvey e Miah Persson) e pelo Chetam’s Chamber Choir. Nota final para o design espantoso da capa deste lançamento da Archiv, evitando os estafados modelos habituais. Este é o primeiro grande lançamento na área da música clássica de 2008.

Ligeiramente anterior à “aventura” que culminaria n’A Criação, a encomenda para As Últimas Sete Palavras de Cristo na Cruz levou Haydn a compor outra das suas mais notáveis obras de inspiração religiosa. Ei-la numa gravação sob direcção de Jordi Savall, com o seu Le Concert des Nations (natutralmente para o catálogo da Alia Vox). Aqui se recupera a versão orquestral original (uma outra, vocal, foi apresentada em 1801), traduzindo esta a intenção original do compositor quando, vivendo em Cadiz, lhe pediram uma obra instrumental sobre as sete últimas palavras de Cristo na cruz. Uma das mais curiosas características desta edição é a inclusão, no extenso booklet (com tradução portuguesa inclusa) de um texto de José Saramago.

Anunciadas nomeações para os César

A par dos Oscars (24 de Fevereiro), aproximam-se outros prémios importantes, nomeadamente da produção europeia. Assim, os BAFTA britânicos serão entregues a 10 de Fevereiro, enquanto os César franceses estão marcados para 22 de Fevereiro — as nomeações deste últimos foram conhecidas hoje, consagrando os seguintes cinco candidatos à distinção de melhor filme francês de 2007:
* LA GRAINE ET LE MULET, de Abdellatif Kechiche
* LA MÔME / La Vie en Rose, de Olivier Dahan
* PERSEPOLIS / Persepolis [foto], de Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud (estreia: 14 de Fevereiro)
* LE SCAPHANDRE ET LE PAPILLON / O Escafandro e a Borboleta, de Julian Schnabel
* UN SECRET, de Claude Miller

Entre os filmes nomeados estão também Enfim Juntos, de Claude Berri (três nomeações, duas delas para Laurent Stocker: melhor actor e melhor actor revelação) e As Canções de Amor, de Christophe Honoré (quatro nomeações, incluindo melhor música, para Alex Beaupain).

sexta-feira, janeiro 25, 2008

Paisagens americanas (2)

Ainda Nova Iorque, sempre Nova Iorque como centro das mitologias americanas... e da sua ressonância universal. Neste caso, trata-se de uma Nova Iorque pós-apocalíptica: em Eu Sou a Lenda, de Francis Lawrence (adaptado do clássico de Richard Matheson), Will Smith vive como o "único" sobrevivente de uma maldição nascida das manipulações científicas — já não é exactamente uma cidade, mas o mapa trágico de uma civilização perdida.
Curiosamente (mas sempre sintomaticamen-te...), o mesmo jornalismo que insiste em reduzir o cinema a uma fábrica de efeitos especiais, pouco ou nada tem para dizer sobre os espantosos efeitos visuais de Eu Sou a Lenda. Trata-se, não de criar um mundo "alternativo", antes de explorar ao máximo uma estranheza que nasce das maiores coincidências. As ruínas dos prédios, os carros em decomposição ou as ervas altas não apagam a sensação muito física de que nos movemos nos espaços lendários de Nova Iorque.
O cinema funciona, aqui, como máquina de uma visceral inquietação. Como se o apocalipse não fosse o outro lado da nossa existência, mas apenas uma ligeira diferença com que deparamos a partir do momento em que alteramos as superfícies do nosso mundo — poder simbólico, não de projectar o futuro, mas de reconfigurar o presente com a ambiguidade do nosso próprio medo.

> Outras paisagens: Nome de Código: Cloverfield.

O disco mais esperado do ano é...

... o terceiro álbum dos Franz Ferdinand. Quem o decidiu foram os leitores do Sound + Vision, que votaram preferencialmente naquele que é, de facto, um dos discos mais esperados do ano. E que, segundo palavras recentes de Alex Kapranos, o vocalista do grupo, promete ser diferente dos dois anteriores... Aguardemos, pois então. O segundo disco mais desejado do ano é o que assinala o regresso de Nick Cave, e do qual já aqui se escutou o single de avanço. Seguiram-se, neste inquérito, o novo álbum de Madonna (o seu último para a Warner, e no qual colaboram, entre outros, Pharell Williams, Kanye West e Justin Timberlake) e o disco que assinalará, em Março, o regresso aos originais, após 25 anos, pelos Bauhaus... Surpresa das surpresas, o sexto lugar dos estreantes Vampire Weekend, entre tamanha concorrência... Aqui ficam os resultados:

Franz Ferdinand – 22%
Nick Cave & The Bad Seeds – 19%
Madonna – 12%
Bauhaus – 9%
U2 – 8%
Vampire Weekend – 6%
The Breeders – 5% (*)
Coldplay – 5%
R.E.M. – 2% (*)
10º Martha Wainwright – 2%

16% dos participantes escolheram a opção “outro”. Por email chegaram sugestões, a mais frequente das quais apontando o regresso dos Portishead. Para os leitores do Sound + Vision outros discos muito aguardados são, ainda, os novos de Goldfrapp, de Moby e dEUS. Na música portuguesa destacaram-se The Gift e Rita Red Shoes. Houve quem pedisse por um álbum novo de Bowie. Também nós... Mas não sabemos se tal acontecerá...

(*) Apesar do arredondamento à unidade o desempate é possível em função do número total de votos.

Um hino que marcou o seu tempo

Discografia Duran Duran - 4
'Girls On Film' (single), 1981

Uma semana depois do lançamento do álbum de estreia Duran Duran, um terceiro single extraído do seu alinhamento chegou às lojas. A canção, que abria o Lado A do álbum, rapidamente acabou transformada num clássico de referência da discografia do grupo e hoje é peça incontornável da memória pop de 80. Girls On Film, mais próximo do modelo híbrido de cruzamento de linguagens pop/rock com estruturas rítmicas herdadas do disco usado em Planet Earth foi fenómeno global, atingindo o quinto lugar no Reino Unido e o número um em diversos países, entre os quais Portugal. A canção abria ao som de um motor de uma máquina fotográfica, reflectindo depois sobre a exploração de modelos pela indústria da moda (temática retomada no recente Red Carpet Massacre, nomeadamente no teledisco de Falling Down). Os telediscos que acompanharam o single (sobretudo a versão censurada) roubaram contudo qualquer hipótese de protagonismo à abordagem temática sugerida. O single solidificou o estatuto do grupo no Verão de 1981 e tornou-se presença regular nos concertos do grupo, sendo frequente a sua inclusão no encore. O lado B apresenta um tesouro esquecido desses dias, Faster Than Light, um dos melhores B sides de toda a discografia dos Duran Duran. Na versão máxi, em vez da remistura com instrumental extra muito vulgar na época, optaram por apresentar um novo arranjo da canção. Este arranjo serve de banda sonora à versão não censurada do teledisco.



Rodado pela dupla Godley & Creme, o teledisco de Girls on Film foi dos primeiros da história do novo formato a ser alvo de censura televisiva. Apresentava, em diversas sequências, mulheres em situações mais próximas do soft core que dos códigos habituais na cultura pop da época. Para assegurar a divulgação da canção na televisão foi criada uma outra versão “censurada”, usando mais imagens da banda em detrimento das cenas mais quentes com modelos. Esta é a versão aqui apresentada. Numa outra oportunidade será aqui apresentada a versão não censurada.

Um monstro na cidade

O cinema de ficção científica tem particular "gosto" em destruir grandes cidades. E Nova Iorque surge destacada na lista das opções. Basta recordarmos Nova Iorque 1997, de John Carpenter, na qual Manhattan virou prisão de alta segurança, O Dia da Independência, de Roland Emmerich, onde a cidade é das primeiras a sofrer o ataque dos alienígenas ou o recente Eu Sou a Lenda, de Francis Lawrence, com a população transformada em zombies por uma mutação surgida do que se pensava ser a cura para o cancro. Nome de Código: Cloverfield começa por nos mostrar uma festa em Manhatan, que está a ser filmada por um vídeo amador. Um tremor e um ruído chegam da rua... As luzes apagam-se por instantes e câmara e seu operador desviam a atenção da festa para o exterior. Enquanto um diabo esfrega um olho vêem-se sob inesperado ataque de um monstro, que em poucas horas deixa a cidade numa pilha de escombros. A câmara acompanha a fuga, o caos, o medo. Como que a documentar para a posteridade aquela noite de terror nas ruas de Manhattan. O filme, no fundo, é a simulação do que poderia estar nessa câmara de vídeo. Sem aparente montagem, sem música. Como se fosse o real...

A ideia é de J.J, Abrams, o criador das séries Lost e Alias. E surgiu por alturas de uma viagem promocional do seu Missão: Impossível III ao Japão. Ao passar por uma loja de brinquedos, pegou num boneco do monstro Godzilla (mítica figura do cinema de ficção científica dos anos 50, que invadia cidades e as deixava em cacos) e pensou: porque não criar um monstro americano? A memória da cabeça, decapitada, da Estátua da Liberdade no cartaz de Nova Iorque 1997 (não usada no filme, apenas nessa imagem promocional) cimentou o conceito. O segredo, depois, foi a chave do sucesso. O filme nasceu longe dos olhares dos media e da fúria de informação da geração Internet, tendo os produtores e o estúdio conseguido rodar cenas de exterior em Coney Island sem aparato visível e, só depois, criar invulgar burburinho antes mesmo do filme ter sido mostrado pela primeira vez. A informação foi revelada em doses limitadas, repetindo estratégias usadas em filmes como O Projecto Blair Witch e Serpentes a Bordo.

Cloverfield é um monster movie que usa a linguagem das câmaras caseiras, os códigos da era SMS e a ansiedade do pós-11 de Setembro como condimentos. Toma um dispositivo de aparente documentário amador como princípio, e consegue manter todo o filme fiel a essa hipotética gravação. Na sequência da festa, recorre a uma banda sonora de fundo (com Spoon, Gorillaz ou Of Montreal) que sugere traços da caracterização dos protagonistas. Figuras que, essencialmente filmadas depois em fuga, não nunca mais que estranhos em luta pela sobrevivência que uma câmara de vídeo acaba por colocar frente aos nossos olhos.
PS. Versão editada de texto publicado no Diário de Notícias

quinta-feira, janeiro 24, 2008

Patti Smith na Fundação Cartier

Patti Smith vai ter uma série de obras suas em exposição na Fundação Cartier, em Paris, a partir de 28 de Março. Land 250, assim se chamará a exposição que incluirá 250 polaroids (entre as quais imagens dos talheres de Rimbaud ou a guitarra de Hendrix), desenhos, e objectos. Um destes objectos é uma pedra de rio, tirada do local onde Virgínia Woolf se suicidou. Patti Smith gravou já explicações sobre as obras em exposição, que os visitantes poderão escutar in loco. A acompanhar a expoisção a fundação vai lançar quatro livros dedicados a Patti Smith. Land 250 reunirá as polaroids expostas. Trios será, em três volumes, uma antologia de textos e imagens. A acompanhar o post, uma das polaroids da exposição.

Heath Ledger, aliás, o Joker

Estranho poder da morte: a sua silenciosa nitidez afecta as imagens, todas as imagens. Assim, o desaparecimento prematuro de Heath Ledger colocou, de imediato, um problema — comunicacional e moral — aos responsáveis da Warner Bros.: que fazer com as suas imagens em The Dark Knight, o novo filme de Batman, de novo protagonizado por Christian Bale e dirigido por Christopher Nolan, com estreia americana marcada para 18 de Julho?
Não é tanto uma questão de acabamento, uma vez que o filme já se encontra há algum tempo em fase de pós-produção, mas sim um problema muito concreto com um dos primeiros — e fortíssimos — cartazes que tinha começado a ser divulgado. Nele encontramos a mancha da personagem do Joker (Heath Ledger, justamente) perguntando-nos em letras de sangue "porque estamos tão sérios" e, por assim dizer, sublinhando a sua própria e emblemática boca. Como já reconheceu um elemento do estúdio, citado na página de notícias do IMDb, agora "toda a gente vai interpretar cada frase que saia da sua boca de modo diferente" — entretanto, a imagem fica na sua singularidade e, importa dizê-lo, na fria indiferença da sua beleza.

Claude Berri: saber envelhecer

Da esquerda para a direita: Guillaume Canet, Audrey Tautou e Claude Berri. Os dois primeiros interpretam as personagens principais do novo filme dirigido pelo terceiro — chama-se Enfim Juntos e seria uma pena que os preconceitos "anglo-saxónicos" do mercado acabassem por penalizá-lo.
Berri filma a relação acidentada entre dois jovens, relação essa atravessada pelo facto de ele, cozinheiro num restaurante, ter que dividir o seu tempo entre o trabalho e os cuidados que a sua avó (a lendária e maravilhosa Françoise Bertin) necessita. Ao encenar os sobressaltos gerados pelo envelhecimento, Berri (n. 1934) retoma a herança do melodrama francês, num jogo que oscila sempre entre o gosto do realismo mais sóbrio e uma delicada e, por assim dizer, metódica sensualidade — como é óbvio, a memória do cinema de Jean Renoir está sempre presente.
Na sua dupla condição de produtor/realizador (e ainda muitas vezes argumentista e actor), Berri tem sido um militante defensor de um conceito plural de cinema, capaz de abraçar o produto genuinamente popular e também o filme de assumida experimentação formal. Entre os filmes que ele já produziu, lembremos apenas três casos emblemáticos: o romanesco de Tess (1979), de Roman Polanski, a aventura de O Urso (1988), de Jean-Jacques Annaud, e o fôlego trágico de A Rainha Margot (1994), de Patrice Chéreau. Além do mais, importa não esquecer que ele é o realizador do díptico Jean de Florette/Manon des Sources (1986), baseado em Marcel Pagnol.

Eleições nos EUA vistas pela Magnum

Christopher Anderson
Apoiantes de Barack Obama esperam a sua chegada a um comício
EUA, Salem, New Hampshire, 2008


No seu site oficial, a agência Magnum apresenta actualmente um belo portfolio dedicado às eleições primárias (a caminho das presidenciais), no estado do New Hampshire. São fotografias de Christopher Anderson, num tom que preserva a espontaneidade da reportagem sem ceder aos clichés políticos ou jornalísticos. Acima de tudo, são imagens que nos mostram que é possível olhar, mesmo as mais típicas práticas políticas, contrariando o pitoresco da informação de tipo televisivo — é um excelente exemplo de uma visão mais humana da política.

Na idade de ouro da televisão americana

Este texto foi publicado na revista Op (nº25, Inverno 2007), com o título 'Dentro e fora da televisão' >>> Qual é a coisa qual é ela... que começou como série televisiva, há mais de meio século, e ainda hoje persiste como fenómeno de culto e popularidade, podendo ser regularmente redescoberta em canais de televisão de todo o mundo, no mercado do DVD ou até mesmo na secção de filmes do iTunes? A resposta não possui nada de misterioso, até porque envolve uma personalidade tão conhecida e emblemática como Alfred Hitchcock (1899-1980): é a série Alfred Hitchcock Apresenta, originalmente emitida nos canais americanos CBS (1955-1964) e NBC (1964-1965).
Se fossem necessárias provas para demonstrar como o epíteto de “mestre do suspense” é escasso para definir a pluralidade criativa do autor de Suspeita, Janela Indiscreta e Os Pássaros, esta bastaria. De facto, no turbilhão industrial dos anos 50, com os estúdios de Hollywood a questionar os seus próprios fundamentos clássicos, Hitchcock foi dos primeiros a ter a percepção clara das potencialidades artísticas e financeiras do meio televisivo. Produzidos ao longo do seu período de maior e mais sistemático fulgor criativo, os 270 episódios de Alfred Hitchcock Apresenta são a prova exuberante de como a televisão pode funcionar como parceiro próximo dos temas e linguagens do cinema, ao mesmo tempo servindo de espaço experimental com peculiares condições de fabricação (maior rapidez de rodagem, meios proporcionalmente mais limitados).
Agora que surgem no mercado do DVD as duas primeiras temporadas da série (duas caixas com 39 episódios cada; ed. Universal), importa sublinhar e, mais do que isso, revalorizar a agilidade hitchcockiana. Ele conseguiu, afinal, rentabilizar ao máximo os recursos da “idade de ouro” da televisão, a ponto de podermos encontrar em muitos episódios de Alfred Hitchcock apresenta alguns talentos que vinham do espaço específico do cinema clássico ou que, em pouco tempo, se transformariam em verdadeiras estrelas. Lembremos, por exemplo, a participação de actores como Joseph Cotten, Jo Van Fleet, Peter Lorre, Vincent Price ou Claude Rains, a par de John Cassavetes, Charles Bronson, Joanne Woodward, Barbara Bel Geddes ou Robert Redford. Entre os realizadores, também por lá passaram nomes como Arthur Hiller, Stuart Rosenberg ou Robert Altman.
Obviamente, são os 17 episódios dirigidos pelo próprio Hitchcock que constituem o capítulo mais fascinante destas memórias (mesmo se é verdade que o rigor das suas matrizes narrativas confere ao todo um equilíbrio invulgar). O primeiro, Revenge/Vingança, serviu de lançamento oficial da série, tendo sido originalmente emitido a 2 de Outubro de 1955; foi a primeira vez que Vera Miles trabalhou com Hitchcock, vindo depois a integrar o elenco de O Falso Culpado (1956) e Psico (1960). Antes de cada episódio, a apresentação estava a cargo do próprio Hitchcock, num misto de elegância e sarcasmo cuja pertinência não se perdeu: ele era capaz de celebrar as virtudes de uma boa história, ao mesmo tempo desmontando as convenções do próprio meio televisivo.

quarta-feira, janeiro 23, 2008

Paisagens americanas (1)

A Estátua da Liberdade sem cabeça — uma velha ironia simbólica (originária de Planet of the Apes/O Homem que Veio do Futuro, filme de 1968 dirigido por Franklin J. Schaffner), agora retomada em Nome de Código: Cloverfield, produzido por J.J. Abrams e realizado por Matt Reeves.
Pode ser um primeiro e esclarecedor exemplo de um processo dramático — no sentido narrativo e também em termos emocionais — que está a atravessar muitas zonas temáticas e de produção do cinema americano. A saber: como representar o corpo vivo do país? Ou melhor: que paisagens, visíveis e imaginárias, realistas ou fantásticas, emergem como matéria iconográfica de um país rasgado por muitas formas de questionamento da sua identidade? E a palavra identidade deverá ser entendida, aqui, em duplo sentido: identidade como percepção interna do colectivo e identidade enquanto estatuto político-moral construído através das acções (políticas, económicas, militares) além-fronteiras.
O caso de Nome de Código: Cloverfield apresenta uma curiosidade meramente sintomática. Isto porque o seu conceito tende a confundir-se com uma típica campanha publicitária: eis um "filme-da-idade-dos-telemóveis" (de facto, encenado como sendo registado pela câmara de video de uma das personagens) com o suplemento de um "monstro", suplemento esse traduzido em efeitos simbólicos previamente expostos — sendo a decapitação da Estátua da Liberdade, também elemento figurativo do cartaz, a súmula de tal estratégia.
Na prática, estamos perante o novo modelo do filme-trailer. Os 30 segundos do spot televisivo (em baixo) mostram "tudo", sendo o filme a expansão metódica e redundante dos seus dados. Solicita-se, assim, o espectador em nome do inverso do tema proposto: sugere-se um medo global e visceral, ao mesmo tempo que se mobiliza o público para "descobrir" o que já sabe, isto é, para não enfrentar as raízes do medo. As paisagens são, neste caso, esvaziadas de história e, literalmente, instrumentalizadas.

Maresia e rock'n'roll

São de Brighton, cidade costeira no Sul do Reino Unido. Chamam-se British Sea Power, nunca tiveram muita atenção por estes lados, mas acabam de editar um terceiro álbum, de título, Do You Like Rock Music - que reforça o seu gosto pela criação de canções pop/rock de travo indie clássico, sem preocupações com os sabores do momento. Aqui fica o teledisco de Waving Flags, um aperitivo para este novo disco.

Thompson Twins em reedição


Os Thompson Twins, hoje uma banda quase esquecida, foram nos primeiros dias de 80 uma das mais interessantes forças da geração pop inglesa nascida no pós-punk a atingir, pontualmente, o sucesso global, não perdendo contudo a adesão das plateias mais dadas opções mais alternativas. E conseguiram-no com os seus dois melhores álbuns, Quick Step & Side Kick (1983) e Into The Gap (1984), discos que em início de Março serão reeditados. Estas reedições apresentam os álbuns com som remasterizado e com um segundo CD de extras, contendo estes lados B, remisturas e versões instrumentais, algumas delas lançadas apenas em cassete na época, agora em primeira vida na era digital.

terça-feira, janeiro 22, 2008

Heath Ledger (1979 - 2008)

O actor australiano Heath Ledger foi encontrado morto, em Nova Iorque, num apartamento de Manhattan, durante a tarde do dia 22 de Janeiro — segundo as primeiras notícias, junto ao corpo havia vários comprimidos (CNN). O filme mais recente de Ledger era I'm Not There, de Todd Haynes; em fase de pós-produção encontra-se The Dark Knight, nova aventura de Batman, dirigida por Christopher Nolan, na qual Ledger assume a personagem do "Joker" (a estreia americana está anunciada para 18 de Julho).
Nascido a 4 de Abril de 1979, Ledger teve a sua consagração universal com a personagem de Ennis del Mar [foto], em O Segredo de Brokeback Mountain, de Ang Lee — o papel valeu-lhe uma nomeação para o Oscar de melhor actor. Os primeiros filmes em que se destacou foram O Patriota (2000), de Roland Emmerich (onde contracenava com Mel Gibson), e Coração de Cavaleiro (2001), de Brian Helgeland. Mais recentemente, vimo-lo em Casanova (2005), de Lasse Hallström, e Candy (2005), de Neil Armfield. Há poucas semanas, tinha iniciado a rodagem de The Imaginarium of Doctor Parnassus, de Terry Gilliam, com lançamento previsto para 2009.

Oscars: os candidatos a melhores filmes

Um destes filmes receberá o Oscar de melhor filme de 2007 em língua inglesa:
* ATONEMENT/Expiação
* JUNO/Juno (estreia: 21 Fev.)
* MICHAEL CLAYTON/Uma Questão de Consciência (estreia: 21 Fev.)
* NO COUNTRY FOR OLD MEN/Este País Não É para Velhos (estreia: 28 Fev.)
* THERE WILL BE BLOOD/Haverá Sangue (estreia: 14 Fev.)

E um destes títulos será distinguido como melhor filme estrangeiro (nenhum deles tem estreia anunciada em Portugal):
* BEAUFORT (Israel)
* DIE FÄLSCHER/Os Falsificadores (Áustria) (estreia: 6 Março)
* KATYN (Polónia)
* MONGOL (Cazaquistão)
* 12 (Rússia)

Os candidatos a melhor longa-metragem de animação são:
* PERSEPOLIS/Persepolis (estreia: 21 Fev.)
* RATATOUILLE/Ratatui
* SURF'S UP/Dia de Surf


> Lista de nomeações por categorias.
> Lista de nomeações por filmes.

Oscars: Julie Christie nunca existiu?

Sejamos claros: o DVD é, hoje em dia, uma via fundamental de relação com o mundo do cinema. Mesmo que possamos temer pela dispersão do valor — espectacular e simbólico — das salas escuras, não faz sentido demonizar o DVD e todos os circuitos "alternativos" de difusão.
Mas sejamos igualmente claros: Julie Christie, actriz inglesa detentora de um Oscar de 1965 (com Darling, de John Schlesinger) e protagonista de filmes lendários como Doutor Jivago (também de 65), não é exactamente uma figura anónima da história do cinema. Daí a pergunta: terá sido sensato — e comercialmente produtivo — lançar o filme Longe Dela/Away from Her (onde ela tem uma notável interpretação na personagem de uma mulher atingida pela doença de Alzheimer) directamente em DVD, sem passar pelas salas?
A questão que fica é esta: Julie Christie já ganhou dez prémios (não é gralha: DEZ) com a sua interpretação, incluindo o Globo de Ouro de melhor actriz dramática, e hoje mesmo foi nomeada para o Oscar de melhor actriz — no panorama das nomeações para os Oscars de 24 de Fevereiro, essa é uma notícia com uma componente inevitavelmente portuguesa.

Revelações 2008: Hercules & Love Affair

Mais um nome a ter em conta em 2008: Hercules & Love Affair. Se, nos últimos tempos, navegando online, encontraram um tema de travo disco, dominado por electrónicas e com a voz de Antony (sim, o dos Johnsons), então já ouviram o som de Hercules & Love Affair. Este é o projecto de Andrew Bulter, natural do Colorado, crescido em Washington DC e residente em Nova Iorque há dez anos. Estudou em tempos com um colaborador de Philip Glass, e conta entre os colaboradores do seu novo projecto com as ilustres contribuições de Antony, DJ Kim Ann Foxman (figura reconhecida no mundo do design de jóias nos EUA) e Nomi, nome habitualmente ligado às CocoRosie. O seu primeiro álbum sairá brevemente pela DFA Records. À falta de teledisco, aqui fica o MySpace do projecto, onde se pode escutar Blind, o próximo e irresistível single de Hercules & Love Affair.

Yazoo confirmam reunião e antologia

Confirma-se. Os Yazoo vão mesmo reunir-se para uma curta digressão que deverá coincidir com a edição de uma antologia da sua obra a editar em Maio. Esta antologia surgirá no formato de uma caixa com quatro discos. Três deles são CD, reunindo os álbuns Upstair's at Eric's (1983) e You And Me Both (1984) e uma colecção de lados B e remisturas. O quarto disco será um DVD com entrevistas recentes com Vince Clarke e Alison Moyet (os dois elementos do grupo) e os telediscos criados para os singles editados.

Leonard Cohen regressa à Europa?

É o rumor que abre a semana... Segundo revela o serviço online na Uncut, Leonard Cohen poderá anunciar, em Fevereiro, datas para uma digressão europeia. A confirmar-se será a sua primeira passagem por palcos europeus em 15 anos! O rumor (sim, porque é ainda e aprenas rumor) surge na sequência da notícia de uma digressão nos EUA e Canadá este Verão. Segundo o mesmo serviço da Uncut, a situação financeira de Cohen, nomeadamente um eventual e volumoso desvio de dinheiros por parte de uma profissional ao serviço das suas contas, poderá estar na raiz da decisão deste regresso à estrada.

O romanesco segundo Scott Fields

Este texto foi publicado na revista Op, nº 25, do Inverno de 2007 >>> O guitarrista americano Scott Fields (n. 1952) tem as suas raízes criativas ligadas ao free jazz dos anos 60/70, em Chicago. Estas duas edições simultâneas podem constituir uma excelente introdução ao seu gosto de improvisação e, sobretudo, à procura de estruturas narrativas com componentes subtilmente romanescas. Não por acaso, Beckett [foto] remete para uma inspiração especificamente literária e teatral (como, aliás, já acontecera com Mamet, álbum de 2001 inspirado em várias peças de David Mamet). Dénouement é o relançamento de um registo de 1997. Separados por dez anos, os dois álbuns definem as coordenadas de uma paisagem formal em que o inesperado dos sons parece gerar uma estranha e envolvente teia de emoções contraditórias, tendendo para uma indizível serenidade.

Scott Fields Ensemble
Dénouement
Beckett
Clean Feed, 2007

segunda-feira, janeiro 21, 2008

A IMAGEM: Annie Leibovitz, 2007

Annie Leibovitz
Joni Mitchell, 2007

Descobertas da "Variety"

É uma curiosa, e já tradicional, proposta da Variety. Por alturas de reavaliação do mundo da produção independente — isto é, em tempos de Festival de Sundance —, aquela publicação de referência faz a sua lista de uma dezena de cineastas "novos" (quase sempre apenas com uma ou duas longas-metragens), celebrando o seu contributo e o seu potencial de renovação. São 10 directors to watch, este ano incluindo o romeno Cristian Mungiu (vencedor da Palma de Ouro de Cannes/2007 com 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias), o sueco Johan Renck (realizador de videos como Nothing Really Matters, de Madonna, ou She's Madonna, de Robbie Williams, tem a sua primeira longa-metragem, Downloading Nancy, na competição de Sundance — em cima, foto de rodagem) e Ben Affleck (a pretexto do seu magnífico Vista Pela Última Vez.../Gone Baby Gone, com estreia portuguesa marcada para 7 de Fevereiro).
É o resultado de uma visão dinâmica e inventiva da produção cinematográfica, muito para além dos blockbusters e das grandes campanhas... Vale a pena descobrir o dossier e perguntar quantos destes filmes e cineastas vão chegar ao mercado português? Ou ainda recordar as listas de anos anteriores e verificar quantos por cá (não) foram descobertos.

Discos da semana, 21 de Janeiro

Nestas primeiras semanas de 2008, e enquanto as novas fornadas não chegam aos escaparates, tempo disponível para falar de algumas das últimas edições de 2007. E o álbum hoje em destaque, curiosamente, acabou de ter lançamento entre nós. Trata-se de Night Drive, espantoso depoimento de transformação dos Chromatics, uma banda de Portland (EUA) que, com origens num passado punk, se reinventou no último ano optando por uma radical deslocação de azimutes estéticos para uma paisagem a 180 graus de distância, rumo a uma pop electrónica minimal, contida e... sombria. O fundador Adam Miller (que viveu a etapa punk do grupo) partilha hoje os Chromatics com Johnny Jewel (também membro dos Glass Candy) e a vocalista Ruth Radelet. Juntos concebem em Night Drive uma espécie de filme negro (não é por acaso que o disco tem como subtítulo a designação Original Motion Picture Soundtrack), com acção algures num lugar onde as visões do italo disco de Giorgio Moroder acabaram transformadas numa distopia... O álbum abre com uma referência de tempo, uma voz sugerindo, ao telefone, um cenário de fim de noite, depois de horas entre bares e discotecas... É nesse instante, desencantado, ainda sem a luz do dia, ruas vazias e a solidão por companhia, que acontecem as canções que, de certa maneira, se sugerem como banda sonora para uma qualquer história after hours... A voz, melancólica, de Ruth Radelet, acompanha quadros que se sucedem, sugerindo todos eles histórias mais de resignação e contemplação que de intervenção. É ao tempo dos melhores dias de Moroder que os Chromatics vão buscar as referências para a sua sombria pop electrónica. O frio que se comentava na música de uns Ultravox (fase John Foxx), de uns Human League pré-Dare, cruzado com desencantos disco é suportado por uma contida produção pouco dada a adornos desnecessários. Night Drive é um dos melhores álbuns de pop electrónica dos últimos anos. E não é preciso citar a (espantosa) versão de Running Up That Hill, de Kate Bush, para o apontar como essencial.
Chromatics
"Night Drive"
Italians Do It Better / Sabotage
5 / 5
Para ouvir: MySpace


Revelados em 2002 em Whip It On, os dinamarqueses Raveonettes cedo deixaram claro que o seu recurso ao pastiche era opção de estilo, mais concretamente, um jogo de citações, e não uma estratégia de compensação para a falta de ideias (que bate à porta de muitas outras bandas, não esta). Ao quarto álbum, o primeiro depois de uma ligação a uma multinacional, ei-los que mostram porque são ainda um nome a ter em conta no actual cenário indie rock. Se os sabíamos já capazes de reinventar os mais diversos domínios do que, ao longo dos anos se convencionou designar por garage rock, agora propõem em Lust Lust Lust o que poderia ser o elo perdido entre o surf rock e o shoegazing... Ou seja, entre Jan & Dean e os My Bloody Valentine, entre Dick Dale e os Jesus & Mary Chain, os Raveonettes encontram uma nova identidade, que exploram num alinhamento cheio de belas canções, entre as quais se destacam Hallucination, You Want Candy (esta no extremo mais retro da questão), Blitzed e o soberbo Dead Sound, single de avanço que doseia de forma irresistível momentos de placidez e descarga de electricidade, com referência óbvia aos Suicide no belíssimo refrão. A personalidade compósita deste duo, que vive da soma de referências captadas em discos de várias etapas de história rock’n’roll permite destacar Lust Lust Lust da actual maré de revivalismo shoegazer que revelou já belos outros momentos em discos dos Asobi Seksu, Midnight Movies e mesmo os Magnetic Fields.
Raveonettes
"Lust Lust Lust"
Fierce Panta
4 / 5
Para ouvir: MySpace


E agora uma estreia... Aaron Thomas é australiano, somando já nove anos de estrada, guitarra às costas, correndo palcos pelo seu país natal, os Estados Unidos e, mais recentemente, Espanha. Vive hoje em Madrid, assinando pela local Popstock o seu álbum de estreia, que é também lançado entre nós. As canções de Follow The Elephants não escondem as suas principais referências, que passam por nomes como os de Jeff Buckley (uma quase inevitabilidade geracional), Radiohead, Bob Dylan ou os Beatles. Na música há, contudo, além destes pilares estruturais, marcas de uma convivência com uma noção de grande espaço, assim como uma ligação fluida entre o urbano e o selvagem, que muitas vezes escutámos em mestres da pop independente australiana, dos Go Betweens aos Triffids. As palavras, escritas por si, sempre na primeira pessoa, são pequenos contos do dia a dia. Momentos e histórias, que partem do real, da observação, ocasionalmente traduzindo uma noção de distância e separação, natural em quem optou por encontrar casa no outro lado do mundo. Uma voz agradável, e uma escrita segura (nove anos de estrada foram certamente tempo de teste, ensaio e erro) fazem de Follow The Elephants uma estreia merecedora da atenção dos amantes da canção de autor com passado rock’n’roll e vontade de contar histórias. Para fãs de Jeff Buckley, Dylan... Por aí...
Aaron Thomas
"Follow The Elephants"
Popstock
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Oito anos depois do The Covers Album, Cat Power edita um novo disco de versões. Mais que uma mera montra de paixões, admirações, de gostos, Jukebox revela uma forma de vestir os outros pela nossa voz. Ou seja, Cat Power escolheu entre temas de terceiros) uma série de canções que expressam males de alma que conhece, assimilando-os, transformando-os, fazendo-os, assim, também seus. Ao longo deste alinhamento dá nova voz e corpo instrumental, numa banda que reúne músicos da Blues Explosion e Dirty Three, a canções que conhecemos cantadas por Frank Sinatra, Bob Dylan, Joni Mitchell, Hank Williams, Janis Joplin, Billie Holliday ou James Brown, entre outros. Uma das versões, na verdade, parte de um original seu Metal Hart, de 1998, que agora reinterpreta A estes 11 temas juntou ainda um inédito, de sua autoria, Song To Bobby, homenagem a Bob Dylan, com travo às memórias do mestre, nos dias antes da electricidade. Não deixa de ser curioso o facto de ser esta a melhor canção do alinhamento, confirmando que, nem sempre, os álbuns de versões mostram o melhor de cada cantor. O disco acontece a dois tempos, ora sublinhando uma admiração sabida pelo rhythm’n’blues, ora optando pontualmente pela quase nudez para voz e acompanhamento minimal, nesta segunda opção, nascendo algumas das mais interessantes das reinvenções aqui registadas. A melhor das covers no álbum escuta-se na sublime nova leitura, dreamy, de Lost Someone, original de James Brown, exemplo de fuga aos códigos retro de paixão r&b de que Cat Power tanto gosta, mas que reduzem, em outros instantes deste disco, outras pérolas a um caldo morno, tecnicamente irrepreensível, mas por vezes pouco imaginativo. O discreto New York New York, outrora de Sinatra, é triste engano, duplamente equívoco ao ser colocado como faixa de abertura.
Cat Power
“Jukebox”
Matador / Popstock
3 / 5
Para ouvir: MySpace


A fechar o lote de discos apresentados esta semana, um EP de estreia de um novo projecto nacional, de que já aqui se falou no Sound + Vision. Já se fala deles há algum tempo, sobretudo desde finais de 2007. E as melhores expectativas dessas primeiras opiniões confirmam-se, agora, neste convincente EP de apresentação. Acima de tudo, Plutão mostra nos Macacos do Chinês (um bom nome, acrescente-se) um raro exemplo de evolução estética, face ao que conhecemos do habitual panorama (musicalmente pobre, apesar das conhecidas excepções) da maior parte dos projectos nacionais nascidos nos domínios do hip hop e suas esferas adjacentes. Nos Macacos do Chinês observamos um gosto pelo trabalho de construção cénica, pelo jogo entre a palavra, o ritmo e a melodia. Curiosamente, o tema que dá título ao EP é o que menos reflecte esta ideia, revelando ainda uma vontade, muito habitual na cultura hip hop portuguesa, em usar mais palavras que as que o tempo deveria permitir na canção. Já os dois restantes temas, um deles usando um sample de uma gravação de O Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky, revelam o aprumo de formas acima referido, indiciando aqui caminho a seguir... Através dos Macacos do Chinês o que conhecemos no Reino Unido como grime chega a estas paragens, para começar a descobrir a sua eventual expressão local. Um belo ponto de partida para um projecto a acompanhar com atenção.
Macacos do Chinês
“Plutão”
Enchufada
4 / 5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Damien Rice, Happy Mondays (reedições), Vic Chesnutt, British Sea Power, Justin Timberlake (DVD)

Brevemente:
28 de Janeiro: Sérgio Godinho (ao vivo), Eels (best of), These New Puritans, Novembro, Sam The Kid (repackage), Sons & Daughters, Cage The Elephant, Wendy James, Susumu Yokota, Miss Kittin, Lightspeed Champion
4 de Fevereiro: KD Lang, The Kills, Hot Chip, Triffids (reedições), Morcheeba, Joni Mitchell (DVD), Cass McCombs
11 de Fevereiro: Morrissey (best of), Michael Jackson (reedição)

Fevereiro: Vampire Weekend, Rita Redshoes, Boy Kill Boy, The B-52’s, Gary Numan (reedição), Buzzcocks, Bob Mould, Durutti Column (reedição), Goldfrapp, Soft Cell (reedição), UHF (reedição), Petrus Castrus (reedição), Quinteto Académico + 2 (reedição), Telectu (reedição), Quarteto 1111 (reedição), Mind da Gap (best of), Duran Duran (reedições – três primeiros álbuns numa caixa), ABC, Moby, Sigur Rós, Sebastien Tellier, Correcto
Março: Bauhaus, R.E.M., Breeders, Elbow, Supergrass, Billy Bragg, Faces (reedições), Nick Cave & The Bad Seeds, Van Morrisson, Devotchka, Daft Punk, Young Knives, Zombies (reedição), John Tavener, Philip Glass (BSO), The Grid, The Teenagers, Super Nada, OMD (reedição), Guillemots, The La’s (reedição), Cinematic Orchestra (live), We Are Scientists, Why?

Estas datas são provisórias e podem ser alteradas