terça-feira, maio 01, 2007

Pode Vivaldi ser pop?

Uma capa de um disco pode cativar mesmo quem nunca pensou em pegar, muito menos, comprar aquele título. O universo da pop e do jazz há muito que sabem desta eficaz arma de mercado. A música clássica, aos poucos, parece estar a aprender como usar estas estratégias, mas de nova forma, a seu favor... Não é novidade o estabelecimento de uma colecção clássica com base numa noção de design apelativo e radicalmente afastado de modelos gastos (a foto do maestro, do solista, a eventual pintura de época). A Virgin Records, por exemplo, lançou em inícios de 90 uma série com design pop, fotos a preto e branco, lettering a preto ou branco, eventuais elementos adicionais (nomeadamente logo) a lilás. Marcou os escaparates. Mas pecou na selecção de títulos (e gravações). Mais recentemente vimos uma sólida edição de óperas de Britten pelo catálogo da London com soberbas fotos de arquivo na capa. A DG e Archiv deram-nos belos exemplos (embora pontuais) de fuga a modelos “clássicos” em 2006, seja no Monteverdi por McCreesh ou nas várias edições dedicadas ao centenário de Shostakovich. A sua série XX/XXI é visualmente estimulante, mas estamos aí em terreno fácil, leia-se, contemporâneo. A Naxos tem uma bela ideia de branding, mas acabou refém de um template do qual não quer (ou não sabe) fugir... Mesmo fixas, são melhores as soluções de uma Winter & Winter ou ECM... Mas a grande ideia pop da actual edição clássica tem sede em Paris e objectivo na gravação, integral, da obra de Vivaldi.

Concebida pelo musicólogo italiano Alberto Basso e pela independente parisiense Naïve (que edita, entre outros, Carla Bruni), a Vivaldi Edition é o primeiro mega-projecto discográfico deste século, tendo por objectivo a gravação das 450 obras cujas partituras, manuscritas, estão preservadas na Biblioteca Nazionale de Turim. Estes eram os manuscritos que o próprio Vivaldi tinha em casa à data da sua morte, em 1741, nos quais encontramos a totalidade das suas óperas, centenas de concertos, peças de música sacra e cantatas. Muita música, grande parte dela não ouvida desde o século XVIII. O projecto discográfico deu os primeiros passos em 2000, prevendo-se um ritmo de intenso de edições durante mais de dez anos, segundo um plano que, além dos discos, prevê também a exposição destas obras em concertos e festivais. Cereja sobre o bolo de uma arrojada mas estrategicamente bem concebida operação (que exige bons intérpretes e gravações a cada novo título que prepara), a sua identidade gráfica assegura que todo um esforço monumental comunique a vários públicos, não se esgotando portanto junto dos que já conheciam a obra de Vivaldi. Citando lógicas visuais do mundo da moda, recrutando modelos e fotógrafos a cada nova produção (leia-se, edição), cada capa chega aos escaparates com invulgar potencial de sedução. E a comunicação acontece...

Sucessores de um dos mais aplaudidos e premiados títulos da Vivaldi Edition (a gravação da Griselda, em 2006), o ano viu já dois novos discos nos escaparates. Primeiro, Musica per Mandolino e Liuto, com Rolf Lislevand como solista e Concerti Per Violoncello I, em espantoso conjunto de gravações pelo Giardino Armonico, dirigido por Giovanni Antonini, com o violoncelista Christophe Coin como solista. O disco reúne sete concertos de Vivaldi, entre os quais alguns dos mais antigos que dele se conhecem, datando de 1708 e 1709, supostamente escritos para instrumentistas do Ospedalle de la Pietà, em Veneza, instituição a que esteve ligado profissionalmente até ao fim dos seus dias. Entre os sete concertos escolhidos para este primeiro volume dedicado ao violoncelo contam-se peças que oscilam entre essas primeiras manifestações de escrita para o instrumento e outras, mais tardias, datando de cerca de 1730, por alturas de uma visita do compositor à Europa Central.