sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Vidas e mortes

Um sala de interrogatório, um vidro de observação, um sistema policial em acção — a imagem parece retirada de um thriller mais ou menos rotineiro, porventura antecipando a revelação de alguma informação que vai ser decisiva para fazer "andar" a acção. Mas não. O contexto é tudo. E o filme As Vidas dos Outros só pode ser compreendido em função de uma muito precisa paisagem política e social, pública e privada: tudo se passa na RDA, a Alemanha de Leste, em meados da década de 1980, ou seja, poucos anos antes da queda do Muro de Berlim. Num regime ditatorial, a vigilância do quotidiano, sendo uma forma de controlo dos cidadãos e das suas actividades, funciona também como um mecanismo de normalização dos comportamentos mais banais, no limite dos pensamentos mais íntimos.
Primeira longa-metragem de Florian Henckel von Donnersmarck, As Vidas dos Outros impõem-se como um caso exemplar de um realismo metódico, obsessivo mesmo, em que, por assim dizer, nada do quotidiano é indeferente à dramaturgia — a vida (dos outros e de cada um) decidem-se em cada fracção de segundo, implicando, por vezes, a nossa morte interior.
Este é também um caso exemplar de oportunidade cinematográfica, com o mercado português a mostrar a capacidade de corresponder à actualidade e à sua dinâmica. A esse propósito, vale a pena lembrar que As Vidas dos Outros foi distinguido como melhor filme europeu de 2006, pela Academia Europeia de Cinema. Nos EUA, a Academia de Hollywood também o incluiu entre os seus eleitos, nomeando-o para o Oscar de melhor filme estrangeiro.