sábado, setembro 30, 2006

Discos Voadores, 30 de Setembro

O novo álbum dos Junior Boys tomado como ponto de partida para um breve olhar sobre a história recente das ferramentas electrónicas usadas na canção popular.

Lisa Germano “After Monday”
Regina Spektor “On The Radio”
Charlotte Gaisnbourg “5.55”
Benjamin Biolay + Chiara Mastroiani “Dance Rock’n’Roll”
Spartak “King Tubby”
Junior Boys “Double Shadow”
Vitalic “Suicide Commando”
Beck “Cell Phone’s Dead”
Dandy Warhols “Everyday Should Be A Holliday”
The Veils “One Night On Earth”
Nuno Prata “Não, Eu Não Sou Um Fantasma”
The Hidden Cameras “Awoo”
Yo La Tengo “Beanbag Chair”
Scissor Sisters “I Can’t Decide”
Camera Obscura “Come Back Margaret”

Cansei de Ser Sexy “Meeting Paris Hilton”
You Should Go Ahead “Wake Up Song”
The KBC “Not Anymore”
Junior Boys “Count Souvenirs”
Junior Boys “In The Morning”
Air “Radio #1”
Mellow “Another Mellow Winter”
OMD “Joan Of Arc”
Junior Boys “FM”
Brian Eno “This”
The Knife “Marble House”
The Gothic Archies “We Are The Gothic Archies”
U-Clic “Like”
White Rose Movement “Test Card Girl”

Discos VoadoresSábado 18.00 – 20.00 / Domingo 22.00 – 24.00
Radar 97.8 FM ou www.radarlisboa.fm

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Zap Canal

Chega finalmente ao DVD um dos melhores concertos ao vivo da década de 90, sob realização de David Mallet. Originalmente editado em VHS em 1994, o filme retrata, na íntegra, um concerto em Sidney, na recta final da Zoo TV Tour, a digressão gerada pelo visionário Achtung Baby (1991) e durante a qual nasceu, foi gravado e editado o seu sucessor, Zooropa (1993), a obra-prima da discografia dos U2. O concerto, que reflecte sobre o conceito de zapping, a idade da comunicação em massas pela televisão, o poder da imagem, a força da mensagem subliminar, e também a queda do muro de Berlim e abertura a Leste (lembram-se dos carros Trabant pendurados em jeito de projectores de luz?) é também um espectáculo rico enquanto performance sobre o palco, os U2, sobretudo Bono, a vestir a rigor a pele de outras personagens. Momento alto do concerto, naturalmente o que começa ao som de Daddy’s Gonna Pay For Your Crashed Car, já com a maquilhagem e roupas garridas de MacPhisto, encetando o episódio, inevitável, do telefonema em directo para alguém… Em Sidney desligam-lhe o telefone na cara (mas entre os extras mostram-se ocasiões mais bem sucedidas, uma delas com a bem disposta voz de Luciano Pavarotti a atender, do outro lado do fio).
A edição em DVD junta a este soberbo filme de palco uma série de extras, nomeadamente pequenos documentários sobre os bastidores técnicos e estéticos da digressão, não faltando um breve olhar sobre a morte dos carros Trabant, um dos símbolos maiores da então já extinta RDA. Os extras exibem ainda excertos de outras actuações na mesma digressão com canções não incluídas no alinhamento de Sidney ou com versões alternativas em dias de importância histórica (como o da véspera de uma manifestação de protesto junto à central nuclear de Sellafield, em Junho de 1992). Serve-se ainda uma versão para karaoke de Numb e, para comic relief, uma colagem de imagens colhidas no “confessionário” instalado em cada estádio ou pavilhão que acolheu a digressão, no qual cada um podia entrar para fazer a sua confissão ou grande declaração, algumas delas depois exibidas nos grandes ecrãs durante o espectáculo… Nenhum português nesta selecção.

(Versão longa de texto publicado no DN)

Tempos modernos

O novo anúncio do iPod convoca os tem-pos modernos — mais exactamente, é feito com sons da canção Someday Baby ("You can take your clothes, put' em in a sack...") do novo álbum de Bob Dylan, ambiguamente chamado Modern Times. Porquê ambiguamente? Porque Dylan se expõe num futurismo político, de desencanto e amor face à sua América, ao mesmo tempo que, sem preconceitos (que nunca teve), convoca o imenso património tradicional em que a sua música está ancorada. Eis uma peça de brevíssima e eficaz elegância narrativa, nascida de uma marketing inteligente — e nos tempos que correm, menosprezar a inteligência é um luxo a que não nos podemos dar.

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sexta-feira, setembro 29, 2006

Em conversa com Hilly Krystal (2)

Conclusão de uma conversa com Hilly Krystal, o fundador (e ainda hoje dono e principal responsável) do CBGB, instituição mítica na história rock'n'roll de Nova Iorque, que ali vive o seu derradeiro mês de vida, as portas com ordem para encerrar, definitivamente, a 31 de Outubro. Segue-se nova vida em Los Angeles... Mas a luta continua. Pela segunda vida do CBGB em Nova Iorque. Pela vida do próprio Hilly, a quem foi recentemente diagnosticada uma doença grave. A entrevista foi gravada numa manhã do passado mês de Abril, no pequeno escritório de Hilly Krystal, à entrada do clube, e foi originalmente publicada em Agosto na revista '6ª', do Diário de Notícias.

A partir de certa altura, por volta de 1976, o nome do clube tornou-se conhecido, inclusivamente fora do país… As novas bandas punk inglesas também queriam tocar no CBGB...
Creio que isso aconteceu porque o Seymor tinha um acordo inicial com editoras em Inglaterra e Holanda… Eram acordos de distribuição… Ele estava atento ao que estava a acontecer, e levou lá fora os Ramones em digressão. E isso pôs as coisas a mexer mais… Mas já havia bandas em Inglaterra… Só que os jornalistas ingleses não falavam delas no início. Penso que a digressão dos Ramones estimulou a imprensa. As bandas inglesas tocavam até aí em pubs, que fechavam às onze e meia da noite, hora a que todos eram corridos. Nos pubs ingleses havia dois sets por noite, enquanto que nós, em Nova Iorque, apresentávamos quatro, porque também ficávamos abertos até às três ou quatro da manhã. Os jornalistas ingleses aperceberam-se do que estava a acontecer e entusiasmaram-se. Penso que o carácter rebelde do movimento punk até era mais desejado em Londres que em Nova Iorque. Aqui tinha havido uma grande recessão no início dos anos 70, mas as pessoas ainda tinham o suficiente, não era um desastre. As rendas eram baratas, a gasolina era barata. Tudo era barato… Mas em Inglaterra vivia-se um ambiente mais problemático. E os miúdos ingleses não tinham onde ir. A cidade americana que mais se assemelha musical e socialmente ao que então se viva em Inglaterra era Cleveland. Havia muitas bandas de Clevland… E de Buffalo e também Detroit. Havia os Dead Boys, Pere Ubu, Devo, e antes deles outras mais.

Sempre que se fala no CBGB as memórias apontam aos anos 70, mas nos 80 e 90 as bandas nunca deixaram de aqui tocar…
O Lou Reed, por exemplo, já cá vinha antes, mas como tantos outros, só começaram a querer vir tocar quando viram que qualquer coisa estava a acontecer. Nos anos 80, por exemplo, havia bandas como os B-52’s, os Sonic Youth. Os Sonic Youth não eram ninguém quando aqui começaram a tocar, e as pessoas saiam a meio dos concertos deles… Os Swans também aqui passaram nos primeiros tempos.

Já aqui tocaram bandas portuguesas…
Houve uma banda punk muito boa que cá tocou, recentemente… Gostei muito, mas não me lembro do nome da banda. Mas lembro-me que os Shirts foram a Portugal em 1979. Venderam muito bem o Laugh And Walk Away, se não me engano… O grupo está reunido, sem a Annie. Mas soam muito bem. O som é parecido ao que tocavam… Um pouco mais velhos, mas muito bem. O disco deve sair brevemente.

O que pensa destas reuniões recentes: Blondie, Television?...
Os Blondie nunca estiveram realmente separados. Os Television, esses sim, separaram-se, porque o Tom Verlaine é um homem muito estranho. Não o vejo há muitos anos… Éramos amigos… A Patti Smith está muito bem, com o mesmo grupo de sempre. Regressando aos Blondie… Houve uma pausa natural quando o Chris esteve doente, e então tiveram mesmo de parar. Mas recuperou. E a Debbie nunca deixou de trabalhar. Mas do que ela gostava mesmo era da banda…

Qual é o legado do CBGB para Nova Iorque e para a cultura popular em geral?
Gostei muito do que aqui aconteceu nos anos 70. Havia uma necessidade entre os mais jovens para se afirmar como indivíduos, uma vontade de dizer algo, coisas positivas, coisas negativas. Não era um discurso como o que se fizera contra a guerra no Vietname, era mais individualista. E isso é saudável. É importante que os jovens de todo o mundo possam dizer o que sentem. O que aqui fizemos foi isso. E o legado que deixamos foi o termos apoiado, ou mesmo forçado, essa nova geração a dizer o que queriam, a mostrar o que eram, a ser quem eram. Fica o legado por essas e muitas outras razões. O rock’n’roll é uma espantosa força unificadora. É político, mas também anti-político, no sentido em não coloca necessariamente um contra o outro. É fácil de tocar. É fácil pegar numa guitarra e aprender a tocar. Ou o baixo ou a bateria. E se se tem algo para dizer, diz-se. Basta isso. E há quem o faça a vida toda, mesmo que depois venham a ter outras profissões. Espalhou-se pelo mundo fora. E porque é um meio de expressar identidade e sugerir identificação, comunica facilmente com outras pessoas. Junta os miúdos.

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A história de Story

É um dos mais espantosos cenários que, em tempos recentes, se viram em cinema. Concebido por Martin Childs (Oscar de melhor direcção artística em 1999, com A Paixão de Sahkespeare), trata-se de um condomínio — a acção passa-se em Filadélfia — que possui, de uma só vez, a aparência banal de um lugar para cidadãos sem história e a vocação transcendental de um templo onde cada um vai pôr à prova a sua identidade e o seu destino.
A história de A Senhora da Água é conhecida: o guarda do condomínio, Cleveland (Paul Giamatti), depara com uma ninfa, Story (Bryce Dallas Howard), que assombra a piscina — em boa verdade, ela vem do Mundo Azul e necessita dos humanos para cumprir a tarefa do seu regresso. Mas é uma história que importa seguir para além dos automatismos do dossier de imprensa que o jornalismo mais preguiçoso repete sem se empenhar em olhar o que tem à sua frente. Assim, não é verdade que Cleveland esconda Story: bem pelo contrário, um dos aspectos mais singulares desta aventura interior decorre do facto de toda a pequena comunidade que habita o condomínio assumir o problema de Story como uma questão interna da sua própria afirmação e sobrevivência. E ainda é menos verdade que o realizador M. Night Shyamalan esteja preocupado em confirmar a sua "imagem de marca" como alguém que, cinco minutos antes dos filmes acabarem, nos surpreende com alguma revelação mais ou menos estonteante... Será que ainda há quem pense que os filmes se esgotam no "final" das suas "histórias"? O que aconteceu até lá chegarmos já não conta?...
A Senhora da Água é um verdadeiro filme sobre a religiosidade: nele, cada imagem é a exposição de uma realidade e a revelação dos limites dessa realidade. Ou ainda: uma fábula em que o Bem e o Mal se confrontam perante o olhar ansioso do espectador. E também um filme genuinamente político que relança a questão política mais primitiva: que mundo desejamos e construímos na nossa relação com o(s) outro(s)?

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quinta-feira, setembro 28, 2006

Em conversa com Hilly Krystal (1)

Queria abrir um bar de blues, mas acabou por ser padrinho dos Ramones. Hilly Krystal, que desde 1973 comanda as operações do CBGB’s prepara-se agora para rumar a Las Vegas. Mas antes, convoca memórias de um bar que escreveu história em Nova Iorque. Primeira parte de uma entrevista originalmente publicada, em Agosto, na revista '6ª', do DN.

Esta não era nem a música nem o destino que esperava quando abriu o clube em 1973…
A minha ideia era a de abrir um clube de country, bluegrass e blues. Não seria a country de Nashville, mais os idiomas folk, o bluegrass. Entre os artistas que havia na cidade nessa altura falava-se de interesses no city blues, no country blues… O contexto era diferente. E até nas jukeboxes havia singles não dançáveis que algumas rádios tocavam. Eu conhecia alguns músicos nestas áreas, sobretudo no Nordeste. Arranjei este lugar e isso era o que queria fazer.

Esta zona era um lugar bem diferente em 1973…
Sim, a Bowery era a pior parte da cidade. E muita gente nunca vira a este lado. Só aparecia gente do Village e East Village, e mesmo assim… Tudo bem. Mas não conseguia trazer gente de outros lugares, porque tinham medo desta zona.


E o que mudou?
Comecei a programar mais e diferentes géneros de música. E decidi tentar coisa novas. Algum jazz, rock’n’roll… E depois toda aquela nova onda de músicos… Chamaram-lhe punk mais tarde, mas no princípio tratávamo-los como street rock. Eram miúdos sem nenhum lugar para tocar a sua música. Tocavam em águas furtadas, onde também dormiam. Havia os Talking Heads a viver numa água furtada na Broadway, as Stilettos a morar no quarteirão mais abaixo do nosso. E depois os Ramones, de Queens. Os Shirts eram de Brooklyn… Tinham onde ensaiar, mas nenhum clube os deixava tocar a sua música.


E abriu-lhes as portas?
Tentei um dia por semana, sob insistência do manager dos Television, que me convenceu a fazer isto num domingo. Tocaram os Television e os Ramones. E descobri que havia muito mais gente a querer tocar a sua música. Meses mais tarde, pelo Verão, mudei de política. Eu também sou músico, e sempre gostei de compor, sobretudo na esfera da clássica a essa altura. E ver outros a querer fazer a sua música pareceu-me positivo. Vamos nisso, e logo vemos o que acontece.

Era uma opção viável enquanto gestão de um clube?
Levei anos a conseguir ganhar dinheiro. Mas dormia nas traseiras do clube, pelo que não tinha de pagar mais outra renda.


Que grupos lhe deram a impressão de estar a ver mais que pontuais fenómenos localizados, abrindo a consciência de um movimento a dar os primeiros passos?
Não sei bem… Não eram os melhores músicos, tecnicamente falando. Esporadicamente começou a haver um público mais fiel para alguns deles. Os Ramones, depois de terem tocado umas 20 ou 30 vezes, já tinham um público seu. Mudaram o estilo, tornaram-se mais coesos e ficaram mais excitantes. Penso que, quando a Patti Smith começou a aparecer, isto na Primavera de 1975, as coisas começaram-se a compor. Era já uma figura conhecida. Era uma poetisa reconhecida, respeitada. E a comunidade da poesia começou a aparecer. O grupo dela tocou aqui sete semanas, com os Television a fazer as primeiras partes. Tocavam quarto noites por semana, dois sets por noite. Ela tinha já muitos fãs, e trouxe ainda mais. O Clive Davies, da Arista Records, veio vê-la várias vezes e acabou por assiná-la. Foi excitante ver tudo isso a acontecer. Depois montei um festival. Creio que em inícios de Julho… Era mais uma operação arriscada, e publiquei grandes anúncios no Village Voice. Havia tantas bandas que ninguém ainda conhecia… E programei a actuação das melhores 40 bandas de rock de Nova Iorque ainda sem contrato discográfico. Havia o festival de Newport, de jazz e folk, a decorrer então na cidade, e esperava que toda essa gente visse os anúncios e aparecesse. E apareceram… Vieram os jornalistas, e ficaram surpreendidos com as bandas que ali viram.


Clive Davis foi, como disse, o primeiro executivo da indústria discográfica a aperceber-se que qualquer coisa estava ali a acontecer…
Ele sempre foi um homem interessado, mas apenas na Patti Smith. Era quem ele queria. O Seymour Stein assinou os Talking Heads e os Ramones, entre outros mais. O Craig Lreon era um A&R, e aparecia muitas vezes. Os jornalistas começaram a escrever regularmente sobre estas bandas, e os fotógrafos a tirar fotografias… Neste contexto eu só podia continuar a apoiar estes acontecimentos. Foi duro, foi difícil. Trabalhávamos ininterruptamente, mas foi uma aventura. E foi divertido. Sentia-se que qualquer coisa estava mesmo a acontecer. Não sei se seria o sucesso… A Patti Smith foi contratada. Mas foi quando os Ramones assinaram que senti a coisa mais profundamente, porque essa sim, foi uma banda aqui cultivada desde o início. O mesmo posso dizer que senti, depois, com os Blondie, Talking Heads, Shirts, Mink de Ville…

(conclui amanhã)

PS. A foto publicada neste post é para uso exclusivo do Sound + Vision e não pode ser reproduzida sem autorização.


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quarta-feira, setembro 27, 2006

TV on The Blog

Não era por acaso que Return To Cookie Mountain era um dos mais aguardados álbuns deste Verão. Há dois anos, álbum de estreia dos TV On The Radio, Desperate Youth, Blood Thirsty Babes revelara uma torrente de ideias à espera de tempo e rodagem para as ordenar e delas fazer nascer mais num estimulante híbrido, representativo portanto das tendências artísticas do tempo em que vivemos. Assim foi e, agora, não só a casa está arrumada, como à face esteticamente actual e interventiva o grupo de Brooklyn acrescenta uma postura política que sabe pensar acima dos clássicos (estafados e cada vez mais anacrónicos) duelos entre esquerda e direita, procurando antes uma nova forma de pensar o presente, onde vivemos, com quem vivemos, o que nos rodeia. Este é o primeiro teledisco extraído do álbum: Wolf Like Me.

Damon prolífico

Damon Albarn anunciou já a edição do primeiro single do seu novo projecto paralelo aos Blur, The Good, The Bad And The Queen. O single, Herculean, será lançado no dia 30 de Outubro nos formatos CD single e em vinil de sete polegadas, edição descatalogada logo no dia seguinte. O lançamento do single vai ser acompanhado por um concerto, em Londres, quatro dias antes, tendo os bilhetes já esgotado, nenhuma sobra poucos minutos depois de colocados à venda. O álbum dos The Good, The Bad And The Queens ó terá edição em 2007. Entretanto, e sem grande envolvimento pessoal de Damon Albarn na promoção, a EMI lança, em meados de Outubro, um novo DVD dos Gorillaz.

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Marilyn Manson e Tim Burton

Marilyn Manson e Tim Burton juntos? Sim, o músico gravou uma versão de This Is Halloween para uma nova edição do DVD de The Nightmare Before Christmas… Um novo hino gótico a caminho, portanto…

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Música de intervenção

Num tempo de celebração do centenário de Shostakovitch faz todo o sentido o reencontro com um dos mais espantosos documentários televisivos recentemente criados sobre a sua vida e obra. Shostakovitvh Against Stalin: The War Symphonies, de Larry Weinstein (disponível em DVD), toma por fio condutor uma série de performances sob direcção de Valery Gregiev, levando-nos, entre 1935 e 1945 (ou seja, entre a quarta e nona sinfonias), a descobrir a intensa relação entre a música de Shostakovitch e o seu tempo político em que nasceu, a forma como dele ganhou consciência e sobre o qual agiu. Imagens de época cruzam-se com planos actuais e entrevistas a familiares, amigos, o próprio Shostakovitch e outros compositores, permitindo-nos compreender como esta música retratou e reflectiu sobre os anos de terror sob o jugo despótico de Estaline e como o grande líder oscilou entre posições de confronto e elogio ao compositor, aceitando o que leu como episódios de glória e resistência (sobretudo na forma da 7ª Sinfonia, recusando a crítica ou sarcasmo (bem visível na 9ª).
Explícita sobre retratos falados que contextualizam o tempo em que cada obra nasceu, a música de Shostakovitch é aqui claramente lida na sua identidade política, como expressão natural de um compositor que viveu e assimilou o seu tempo. Mostra como o partido tentou sempre encaminhar um reconhecido talento, acusações de formalismo e de “música feita contra o povo” a cada episódio potencialmente incómodo. Mas, ao mesmo tempo, a fibra e tenacidade de um homem austero e discreto que nunca deixou de traduzir na sua arte reflexões sobre o totalitarismo e o medo colectivo e que, sobre a sua célebre 7ª, canto de resistência de Leningrado (hoje novamente São Petesburgo) contra os alemães, lembrando que também esta é uma música sobre uma cidade que Estaline sistematicamente vinha a destruir, trabalho que Hitler tentou depois concluir.

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segunda-feira, setembro 25, 2006

Discos da semana, 25 de Setembro

Junior Boys “So This Is Goodbye”
Num ano que acolheu já espantosos álbuns de canções onde as electrónicas são ferramente predominante – como Love Songs Of The Hanging Gardens de Kelley Polar, Silent Shout dos The Knife ou The Warning dos Hot Chip – o segundo álbum dos Junior Boys é reforço de uma família de acontecimentos que parece querer romper com uma ideia, errada, que aponta a pop de alma digital a destino inevitável na pista de dança. Assim pode até ter acontecido com as primeiras manifestações de personalidade deste mesmo duo, sobretudo quando acabado de emergir de Hamilton (no Ontário), sob os comandos de Jeremy Greenspan e Johnny Dark. O quase total afastamento deste último, mais evidente agora a presença do engenheiro de som Matt Didemus entretanto reunido a Greenspan, acabou por conduzir a evolução do som dos Junior Boys para terrenos distintos dos que haviam revelado no álbum de estreia Last Exit (2004). So This Is Goodbye é um disco de espaços íntimos, electrónica de face pop para conforto em casa, excepção única para o afloramernto de intensidade rítmica, mesmo assim moderada, que se escuta em In The Morning (onde colabora Andi Thoma, dos Mouse On Mars), curiosamente tomado como um momento de transição, editado como single há alguns meses, estabelecendo uma ponte para o que de mais pessoal o álbum agora revela. O álbum é filigrana de elementos electrónicos, requinte de melodia pop, cenário ideal para uma voz tranquila que, a meia-luz, nos canta as dúvidas do amor dissipado, contemplando uma solidão presente. Sem nunca promover a dor como caminho para a depressão, antes a reflexão como mecanismo de iluminação, as canções aceitam a luz possível em quadros que evocam a elegância de uns Blue Nile, a tepidez emotiva de uns OMD, a noção de espaço aprendida com Brian Eno. Este, de resto, é mestre ostensivamente assimilado no refrão em FM, espantosa e arrebatadora balada digital que nos dá conta do que seria uma canção dos Prefab Sprout se Paddy MacAloon trocasse as guitarras pelos sintetizadores. Outra das jóias maiores de um álbum de espantosa coerência é uma versão de When No One Cares, canção imortalizada por Frank Sinatra, transformada num registo de superior requinte digital. Um dos discos do ano!

Guillemots “Through The Window Pane”
Alguns dos discos mais marcantes dos últimos dois anos nasceram do exército de colagem de referências, amálgamas de ideias, mashes de estilos e formas. Arcade Fire, Clap Your Hands Say Yeah, Architecture In Helsinki, Patrick Wolf… Os Guillemots são mais uma carta neste baralho. Um quarteto multinacional sediado em solo inglês e de alma e desejos em tudo distintos das correntes que, ali, escrevem as grandes notícias da actualidade. A sua música, estimulante e desafiante, sugere uma grande e saudável salada de referências sem geografia nem tempo definidos (sendo todavia evidentes algumas ligações a elegantes escolas pop “ambientais” de 80, nomeadamente os Blue Nile, Dream Academy ou Prefab Sprout). Entre uma placidez ambiental de textura elaborada e ocasionais momentos onde a intensidade rítmica ganha maior viço carnal, faz-se um álbum que exige tempo e dedicação, tão diferentes as formas e tons que se sucedem, cada canção uma surpresa. No tema título tropeçam na armadilha Coldplay, mais logo depois salvam a pintura. Aqui há carisma, verve poética e um raro sentido de liberdade. Este ainda não é o disco perfeito, mas desde já consagra os Guillemots entre os raros grupos da Inglaterra actual onde a personalidade criada supera as amálgamas de referências citadas.

The Veils “Nux Vomica”
Dois anos depois de promissora estreia em The Runaway Found, os neo zelandeses The Veils (sediados em Londres) fazem do segundo álbum uma mais consistente montra de uma personalidade compósita que revela, sem receio, a admiração por sóbrios modelos clássicos de escola indie (Echo & The Bunnymen, Bithday Party, The Cure e The Smiths). Canções bem estruturadas, uma produção encorpada (belo trabalho de guitarras) e a cada vez mais característica voz de Finn Andrews garantem mais um passo seguro numa carreira que continua a prometer futuro. Atenção a Pan e One Night On Earth, dois dos potenciais grandes hinos de rádio do ano!

Nuno Prata “Todos Os Dias Fossem Estes Outros”
A abertura, ao som de Não, Eu Não Sou Um Fantasma, dá-nos uma das melhores canções nascidas este ano entre nós. E o álbum, mesmo nunca repetindo este momento de superior inspiração, não deixa de ser um dos mais interessantes acontecimentos nacionais pop/rock deste ano. Denota claras heranças da árvore Ornatos Violeta (nada de grave, Nuno Prata tendo sido um dos responsáveis pela construção dessa identidade). Mas procura agora outras demandas, na primeira pessoa, reforçando a prioridade da canção como veículo para a afirmação dessa busca, processo ainda em curso mas de que este álbum é primeira e promissora revelação. Um disco a escutar, e mais uma boa prova de novas, e válidas, opções de reencontro com a língua portuguesa em terreno pop/rock.

Loto “Beat Riot”
A excessiva identificação com modelos de referência (que nunca é grave, e, de resto, natural, em qualquer disco de estreia) cede lugar a uma ideia mais interessante: a do desafio aos ícones admirados para que participem, eles mesmos, no processo de gradual demarcação da citação e início da projecção de um caminho pessoal. Peter Hook, presente. Del Marquis, idem. Melhor design de interiores na gestão do som, palavras menos vazias. Produção com mais corpo, cor e intensidade. Mas poucas vezes a canção está ao nível do melhor que os Loto nos mostraram no passado. Ou seja, ao aperfeiçoamento técnico (inegável) não souberam fazer acompanhar o correspondente salto criativo que as novas abordagens aqui pedem.

Também esta semana: Pixies (dois DVDs), Charlotte Gainsbourg, Alex Kid, Lurent Garnier, Lloyd Cole

Brevemente:
2 de Outubro: CSS, The Killers, Arrested Development, Juliette & the Licks, Black Keys, Mercury Rev (best of), Four Tet (remisturas), Depeche Mode (3 reedições e um DVD), Arthur Russell (reedição), The Byrds (caixa), Whitest Boy Alive
9 de Outubro: The Gothic Archies, Cerys Mathews, The Pipettes (edição nacional), The Answer, The Datsuns, The Bluetones, I Am Ghost, Pet Shop Boys (ao vivo), Beck (edição nacional)
16 de Outubro: U-Clic, Maximilian Hecker, Osvaldo Golijov (ópera)

Outubro: Sam The Kid, Sérgio Godinho, The Gift (ao vivo CD e DVD), Protocol, Goldfrapp (remisturas), Pet Shop Boys (DVD), Philip Glass (ópera), Duran Duran (2 reedições), Robbie Williams, Clinic, Chuck E Weiss, Jay Jay Johansson, Isobel Campbell, Aimee Mann, Agnés Jaoui
Novembro: Humanos (ao vivo), Mariza (ao vivo), Tom Waits, Moby (best of), Jarvis Cocker, Sons & Daughters, Bryan Ferry, The KBC, Third Eye Foundation.

Estas datas provém de planos de lançamento de diversas editoras e podem ser alteradas a qualquer momento

FNAC, U2 + Depeche Mode: balanço(s)

Noite de domingo, na FNAC/Colombo: foi uma sessão multifacetada e, por assim dizer, fragmentada. Viram-se os U2 e os Depeche Mode através dos seus emblemáticos concertos. E viram-se também alguns sinais dispersos — mas, assim o esperamos, bem reveladores — desse devir-ecrã de muitas formas contemporâneas de fazer espectáculo com a música: Duran Duran, Nine Inch Nails, Kraftwerk. Ficou, sobretudo, a certeza de que as imagens não mudaram apenas de conceito(s) e tecnologia. Estamos também a viver um processo de transfiguração dos modos clássicos de percepção do humano. Tema em aberto, para mais músicas, outros concertos e novas imagens. J.L.
O lançamento de dois DVDs como mote para um olhar sobre a história recente da relação do vídeo com o palco. Ou, por outras palavras, sound + vision. E um reforçar da ideia de uma nova etapa na vida da indústria da música, que toma o concerto como entidade a duas vidas e dois tempos, o primeiro o da vivência do espaço comum, o segundo o da sua transformação em produto audiovisual para comercialização em DVD. Estocada letal para o velho álbum ao vivo? Feito apenas de som e da memória das imagens vividas frente ao palco? N.G.

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domingo, setembro 24, 2006

U2 + Depeche Mode (FNAC, hoje à noite)

U2 Zoo TV: Live from Sidney e Depeche Mode Touring the Angel: Live in Milan — são duas das mais recentes propostas em DVD capazes de nos fazer redescobrir a energia e as singularidades da música ao vivo. São também dois objectos tanto mais sedutores quanto por eles passa toda uma tendência de integração de novas imagens e novos ecrãs que, de uma maneira ou de outra, têm marcado alguns dos nomes chava da cena pop. Excelentes motivos para um encontro* de revisão de algumas dessas imagens, com propostas de enquadramento e reflexão.
* Nuno Galopim + João Lopes — hoje, na FNAC do Colombo
(Domingo, dia 24, 22h00).

sábado, setembro 23, 2006

Discos Voadores, 23 de Setembro

A edição de uma antologia com gravações dos primeiros tempos na carreira dos R.E.M. como mote para uma galeria de memórias do rock alternativo nos EUA dos anos 80.

The Whitest Boy Alive “Burning”
The Veils “One Night On Earth”
The Hidden Cameras “Awoo”
Scissor Sisters “I Can’t Decide”
I’m From Barcelona “Collection Of Stamps”
2008 “Acordes Com Arroz”
R.E.M. “Radio Free Europe”
The Young Knives “Ladborough Suicide”
Dandy Warhols “Have A Kick Ass Summer (Me And My Friends)”
Beck “Cell Phone’s Dead”
U-Clic “Like”
Infaldels “Reality TV”
Vitalic “Suicide Commando”
Jnuir Boys “In The Morning”
The Knife “Like A Pen”

Nuno Prata “Não, Eu Não Sou Um Fantasma”
Tom Verlaine “Heavenly Charm”
TV On The Radio “Blues From Down Here”
R.E.M. “Begin The Begine”
R.E.M. “Finest Worksong”
R.E.M. “It’s The End Of The World As We Know It”
Sonic Youth “Tom Violence”
Throwing Muses “Dizzy”
Pixies “Caribou”
Camper Van Beethoven “Good Boys, Bad Boys”
Mazzy Star “Ride It On”
Swans “Can’t Find My Way Home”
Galaxie 500 “Blue Thunder”
JP Simões “Se Por Acaso (Me Vires Aí)”
Bob Dylan “Spirit Of The Water”

Discos VoadoresSábado 18.00 – 20.00 / Domingo 22.00 – 24.00
Radar 97.8 FM ou www.radarlisboa.fm

sexta-feira, setembro 22, 2006

Uivos canadianos

Dois anos depois de um segundo álbum marcante, o seu muito esperado sucessor acaba quase com sabor a relativa desilusão. Awoo limita-se a repetir as mesmas fórmulas, pop barroca, liberdades formais, caos ordenado de referências de som sobre os poemas sem filtro de Joel Gibb. Mas raras são as canções ao nível do que se esperava. Excapção, rara, para o tema título, precisamente o primeiro single extraído do álbum. Aqui fica:

Lisa Germano em Lisboa

Vai ser a 2 de Dezembro, no Santiago Alquimista... Imperdível!
PS. Só espero que dos bares não chegue muito barulho de copos e chávenas. Um concerto como este pede música no palco, não música ambiente!

quinta-feira, setembro 21, 2006

'Gypo', um dogma com sentido

Passou esta semana, pelo Quarteto, o filme Gypo, da inglesa Jann Dunn, uma das melhores longas metragens em competição na décima edição do Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa. O filme corresponde certamente a um dos mais baixos orçamentos entre as longas metragens em competição, recorrendo a realizadora e produtora apenas aos seus cartões de crédito. Daí, todavia, nasceu um filme não só internacionalmente premiado, como até comercialmente bem sucedido, garantindo a sua visibilidade o dinheiro suficiente para uma nova produção da mesma equipa, e que contará com Bob Hoskins como protagonista.
Gypo, que aceita as regras Dogma 95 (fintando, apenas, numa cena, a proibição de usar som não directo) é a pungente história de três personagens , duas delas Helen (Pauline McLyn, uma acriz veterana sobretudo com história feita em papéis de comédia) e Paul, casal de classe proletária inglesa residente em Margate, a outra sendo uma jovem refugiada checa, alvo de manifestações de cruel discriminação apenas e tão só pelo facto de ser uma sem-país. A desagregação do do casal é acelerada pela palavras e acções desagradáveis, ensopadas em xenofobia primária, que Paul lança contra a jovem checa que, por sua vez, acabará por lembrar a Helen o que é atenção e amor, verdades que um casamento de 25 anos há muito esqueceu (se é que alguma vez conheceu).
Dividido em três partes, cada qual centrada numa das três personagens, a história é servida de pontos de vista distintos, uns completando as revelações dos outros. Engenhoso golpe de asa narrativo sobre um argumento sólido e interpretações convincentes. Ao contrário da esmagadora maioria dos “dogmas” já conhecidos, este filme toma-o por necessidade de resposta de meios perante uma história a contar e não apenas como dispositivo formal para dar que falar. Um filme a trazer para o circuito comercial nacional!

PJ Harvey edita Peel Sessions

PJ Harvey junta-se aos Pulp, Siouxsie & The Banshees e House Of Love numa campanha de lançamentos de álbuns de Peel Sessiona para assinalar o segundo aniversário da morte do radialista inglês John Peel. O disco de PJ Harvey incluirá 12 temas registados em sessões para a BBC entre 1991 e 2004. A edição está marcada para 23 de Outubro.

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Por uma noite só

Os Sugarcubes vão reunir por uma noite só para celebrar os 20 anos da sua formação num concerto único a realizar no mês de Novembro na Islândia. O grupo, que se formou em 1986 e separou em 1992, partindo então Björk rumo a uma carreira a solo que dela fez um dos nomes mais marcantes da década de 90, foi o primeiro caso de internacionalização de uma banda islandesa, representando ainda a mais bem sucedida das carreiras nascidas da ressaca do fenómeno punk que desencadeou inúmeras revelações na Islândia musical de inícios de 80. O concerto, além de celebrar os 20 anos dos Sugarcubes, contribuirá financeiramente para a boa saúde da editora islandesa Bad Taste, todos os lucros obtidos para aí devendo ser encaminhados. No seu site, Björk sublinha esta opção de forma a garantir que a editora possa continuar a trabalhar, sem o lucro em mente, pelo benefício da música islandesa. A sua primeira opção de bom senso desde que deixou de usar instrumentos, e começou a fazer filmes com banha de baleia…

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Novo single dos The Knife

Um dos melhores albums do ano, Silent Shout dos suecos The Knife, tem mais um single dele extraído. Tem por título Like A Pen, e teledisco já apresentado, animação inventiva que hoje aqui apresentamos. O álbum (e o single é mais uma evidência da ideia) é expressiva manifestação de electrónica ao serviço da canção, clima sombrio omnipresente, ambiente de cortante gelo e evidente personalidade reforçada por uma voz diferente e marcante.

quarta-feira, setembro 20, 2006

Perder o comboio...

A cada mês que passa a impressão de que as estruturas convencionais da indústria discográfica estão por um fio torna-se cada vez mais evidente. A somar a mais de dez anos de estatismo perante a revolução digital (enquanto decorria choruda fictícia temporada de vacas gordas, alimentada pela reedição re-reedição e re-re-reedição de velhos fonogramas), a políticas de preços injustificadamente elevados, a frequentes opções editoriais de trálálá-lixo em detrimento de real música, começam a surgir novas manifestações de incapacidade em lidar com um mundo que está a mudar mais depressa que a sua capacidade de a ele se adaptarem. E isto para não falar na péssima gestão de catálogo (sobretudo campanhas de reedições) nas delegações locais das sobreviventes multinacionais.
Se a luta contra a pirataria é ideia justa e urgente, as ferramentas usadas são claramente insuficientes. Não bastam serviços de venda online (e convenhamos que ainda são limitados os catálogos disponíveis), não basta legislação de protecção a direitos, não basta lutar por mudança de hábitos (e aplicação de leis) na rádio… O preço do CD é hoje francamente desmotivador. O IVA sobre a música, injusto. E a localização de novo talento ou está sob travão ou desnorteada porque, verdade seja dita, alguma da nova melhor música (e com capacidade para fazer números nas vendas) começa a surgir fora do circuito dominado pelas editoras menos ginasticadas. A Internet, e uma correcta gestão entre a oferta de uns ficheiros e a venda de outros, é caminho de futuro. Porém, ainda parece haver quem não o tenha compreendido.
Na mesma semana em que a Warner revela que chegou a um acordo com o YouTube, a Universal faz saber que considera ilegal o uso que este mesmo site, assim como o MySpace, fazem da música dos seus artistas. Mal compreendendo que, ali, tem hoje janelas de divulgação mais eficazes que uma televisão surda para a música nova e uma rádio que foge de todo o som posterior a 1986. A isto juntam-se falácias borlistas, via SpiralFrog, que falam de ficheiros oferecidos por grandes editoras, mas a troco de publicidade e com mais não sei quantos obstáculos que rapidamente darão a ideia por profundo logro.
O MySpace vai vender música. Três milhões de bandas ali representadas poderão fazer negócio, directamente do produtor ao consumidor, sem nunca precisar de um contrato editorial. É certo que uma grande editora promove esquemas de marketing, e acompanhamento, não esquecendo o investimento nas gravações. Mas para muita música que aí corre, a alternativa é aliciante. E se os Arctic Monkeys ou Clap Your Hands Say Yeah trataram bem de si via Internet (os segundos sem editora), os sinais são claros. Muita da nova música vai nascer e passar ao lado das estruturas convencionais. Às grandes editoras restará repensar a sua postura de mercado, abraçando naturalmente as estrelas galácticas ou gerindo com afinco o acervo de memória que nelas reside. Mas com atitudes como a que a Universal revela, fera ferida sem compreender que está a morder em no local errado, não se vislumbram mudanças de atitude que revelem capacidade em compreender o contexto actual, os novos veículos de divulgação e as suas potencialidades enquanto elementos capazes de estimular um negócio que lhes escorrega cada vez mais depressa dos dedos.
Em crise pela sobrevivência ou se age inteligentemente ou escorrega em disparates de desespero. Tem havido mais sinais da segunda que da primeira opção. É pena.

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Pragas bíblicas em disco

Chega ao Mercado no próximo dia 2 de Outubro, pela 4AD, o álbum Plague Songs, recta final de um projecto que, há cerca de um ano, partiu do desafio da organização britânica Artangel a dez músicos, pedindo-lhes que criassem, cada qual, uma canção baseada numa das pragas bíblicas. Scott Walker, Rufus Wainwright, Stephin Merritt e Robert Wyatt estão entre os convidados de uma ideia que começou por ganhar forma em Exodus, um concerto em Margate, e que agora tem conclusão na gravação e edição de um disco com as canções encomendadas. Aqui fica o alinhamento:

Klashnekoff - "Blood"
King Creosote - "Relate the Tale"
Stephin Merritt - "The Meaning of Lice"
Brian Eno & Robert Wyatt - "Flies"
Laurie Anderson - "The Fifth Plague"
Cody ChesnuTT - "Boils"
Tiger Lillies - "Hailstones"
Imogen Heap - "Glittering Cloud"
Scott Walker - "Darkness"
Rufus Wainwright - "Katonah"

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Final Fantasy premiados

O álbum He Poos Clouds, do projecto Final Fantasy é o vencedor da edição deste ano do Polaris Music Prize, o equivalente canadiano ao Mercury Prize britânico. Entre os nomeados para este prémio surgiam ainda nomes como os Wolf Parade, Broken Social Scene, New Pornographers e Metric.

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segunda-feira, setembro 18, 2006

Discos da Semana, 18 de Setembro

Scissor Sisters “Ta-Dah”
Que fazer depois de um disco que, como raros, despertou paixões e ódios? Que fazer depois de ver uma ideia nascida de um delírio underground acabar transformada num fenómenio inesperadamente transversal? Que fazer, se estamos perante uma banda de personalidade vincada, vacinada contra tentações exteriores à sua agenda artística, mas ainda em pleno processo de demanda de uma identidade?... Ta-Dah, o segundo álbum, responde a todas estas questões, sorriso na face e vontade em manter viva a festa. É um disco de evolução na continuidade, talvez receoso de apostar em evidentes estratégias de ruptura. Mas não é ainda chegado o momento para o fazer. Mantém-se portanto vivo e evidente o mesmo quadro genético revelado no álbum de estreia, que procura referências em escolas festivas dos anos 70, o disco sound ainda ostensivamente presente, o funk a alimentar as febres de sábado à noite, rock’n’roll encorpado (por vezes de ascendência glam) a dar corpo próprio a uma música que se dança, mas vive viço de palco e convoca qualquer corpo à entrega. Mas entre a continuidade desenha-se a diferença, a partida para novos destinos, o saborear de outros prazeres. I Can’t Decide é country cruzado com vaudeville, numa história de travo western que vinca a profunda identidade americana que cruza todo o álbum. The Other Side convoca o livro de estilo Roxy Music pós-Manifesto, elegância e requinte a revelar aqui o melhor na postura vocal de Jake Shears. Kiss You Off, na voz de Anna Matronic, é reinvenção de exagero à la Kiss sob política new wave e garrida alma pop. Might Tell You Tonight é pop perfeita, mid tempo de travo clássico. Ta-Dah, discretamente, leva os Scissor Sisters para lá de Nova Iorque (que era evidente cenário protagonista no álbum de estreia). Abraça heranças e paisagens da América, furacão liberal por oposição a tempos de temor conservador. Mas longe de querer ser uma bandeira ou manifesto político, é palco de festa libertadora, padecendo de saudável febre de sábado à noite. Sem margem para dúvidas, Ta-Dah vence o desafio do “difícil segundo álbum”.

Camera Obscura “Let’s Get Out Of This Country”
Depois de uns primeiros dez anos de vida sob a sombre dos conterrâneos Belle & Sebastian, os Camera Obscura procuram neste belíssimo terceiro álbum caminhos para uma libertação que, naturalmente não imediata, começa contudo a dar sinais de outras demandas… Encontraram a luz ao fundo do túnel na actual geração sueca que cruza pop e folk (que nos deu já nomes como I’m From Barcelona, Acid House Kings ou Camera Obscura). E algo de facto acontece. O afastamento de um dos antigos vocalistas cortou uma das mais evidentes amarras nas velhas comparações com os Belle & Sebastian, a construção de uma música para uma só voz condicionando de facto novas rotas e destinos. Let’s Get Out Of This Country saboreia afloramentos novos, de uma country timidamente visitada em registo de balada em Dory Previn a temperos mais quentes na igualmente tranquila Tears For Affairs, revelando-se ainda um flirt “spectoriano” em If Looks Could Kill. A pop pastoral (que garante intenções de não ruptura com o passado) domina os cenários do tema-título e do fabuloso Come Back Margaret. E, cereja sobre o bolo, a canção perfeita que é Lloyd Are You Ready To Be Heartbroken (homenagem a Lloyd Cole numa das suas canções-chave com os Commotions) serve de cartão de visita, convidando à descoberta de um álbum que exala luminosidade feita de ecos folk, heranças pop de 60 e arranjos elegantes, sem nunca perder o sentido de uma alma indie, em perfeita sintonia com os tempos.

The Hidden Cameras “Awoo”
Há dois anos, o surpreendente segundo álbum dos The Hidden Cameras, Mississauga Goddam (um dos melhores discos do ano, recorde-se), era um dos primeiros sinais evidentes na revelação de novas e desafiantes tendências entre a música Canadiana, que de resto acabariam por dominar as atenções de muitos nos meses seguintes. Agora, a edição do muito esperado sucessor de tão libertadora pop sem freios acaba quase com sabor a relativa desilusão. Awoo limita-se a repetir as mesmas fórmulas, pop barroca, liberdades formais, caos ordenado de referências de som sobre os poemas sem filtro de Joel Gibb. Mas sem canções ao nível das que antes lhes ouvimos, um álbum apenas agradável, inegavelmente bom, todavia de continuidade inesperada onde se aguardavam, sem travões, novas e mais excitantes visões. Mas, sublinhe-se, ninguém é obrigado à revolução a cada nova gravação… Confiantes, esperemos pela próxima, enquanto se escutam as canções deste disco.

Cassius “15 Again”
Há cinco anos, os franceses Cassius representaram uma das revelações tardias da geração francesa que teve em Etienne de Crécy e Daft Punk pilares estruturais, mas nos Air o seu mais criativo fruto. Mais próximos desse pilar house, os Cassius editaram então um sólido (mas hoje quase esquecido) álbum de estreia no qual se cruzavam as heranças colhidas em experiências pessoais no hip hop e requintes ensaiados como La Funk Mob via Mo’Wax, com um gosto pela house, pelo disco, a canção ocasionalmente na sua meta. O seu novo disco (o terceiro), enferma ainda das mesmas marcas do desnorte que fez de Au Rêve, de 2002, um tiro ao lado. 15 Again é uma amálgama de destinos, uma colecção de canções, que só ocasionalmente descolam da mediania (algumas mesmo medíocres), na qual moram bons princípios e, ocasionalmente, interessantes jogos híbridos nas referências convocadas. Música indecisa entre avançar para a pista de dança ou para os palcos, claramente distante do acid disco que nos davam em 1999, temperos novos encontrados entre o dub, house, acid house, electro alguma pop…Não bastam os bons ingredientes para fazer boa culinária...

Também esta semana: U2 (DVD), Electronic (best of), The Album Leaf, The Hidden Cameras, Bonnie Prince Billy

Brevemente:
25 de Setembro: Junior Boys, Guillemots (edição nacional), Loto, Pixies (dois DVDs), The Veils, Charlotte Gainsbourg, Depeche Mode (3 reedições e um DVD), Arthur Russell (reedição), The Byrds (caixa), Alex Kid, Lurent Garnier, Lloyd Cole, Nuno Prata
2 de Outubro: Beck, The Killers, Arrested Development, Juliette & the Licks, Black Keys, Mercury Rev (best of), Four Tet (remisturas)
9 de Outubro: The Gothic Archies, Cerys Mathews, The Pipettes (edição nacional), The Answer, The Datsuns, The Bluetones, I Am Ghost

Outubro: U-Clic, Maximilian Hecker, Kasabian (edição nacional), Sam The Kid, Sérgio Godinho, The Gift (ao vivo CD e DVD), Protocol, Goldfrapp (remisturas), Pet Shop Boys (CD ao vivo e DVD), Philip Glass (ópera), Duran Duran (2 reedições), Robbie Williams, Clinic, Chuck E Weiss, Jay Jay Johansson, Isobel Campbell, Aimee Mann
Novembro: Humanos (ao vivo), Mariza (ao vivo), Tom Waits, Moby (best of), Jarvis Cocker, Sons & Daughters, Bryan Ferry, The KBC, Third Eye Foundation.


Estas datas provém de planos de lançamento de diversas editoras e podem ser alteradas a qualquer momento

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sábado, setembro 16, 2006

Discos Voadores, 16 de Setembro

A edição do segundo álbum dos Scissor Sisters motiva um reencontro com algumas das suas referências de origem, nomeadamente o electroclash, na Nova Iorque de há quatro ou cinco anos.

Amy Millan “Skinny Boy”
Regina Spektor “On The Radio”
Little Annie “Derma”
Camera Obscura “Come Back Margaret”
I’m From Barcelona “Collection Of Stamps”
Scissor Sisters “I Can’t Decide”
The Hidden Cameras “Awoo”
Spartak “King Tubby”
Dandy Warhols “Have A Kick Ass Summer (Me and My Friends)”
TV On The Radio “Hours”
Young Knives “Ladborough Suicide”
The Faint “The Conductor”
Boy Kill Boy “Civil Sin”
You Should Go Ahead “Melancholic Phantom”
The Veils “One Night On Earth”

Vitalic “Suicide Commando”
Junior Boys “In The Morning”
U-Clic “Like”
Scissor Sisters “Intermission”
Scissor Sisters “The Other Side”
Scissor Sisters “Transmission”
Fischerspooner “The 15th”
FPU (Tiga) “Ocean Drive”
Felix da Housecat “Madam Hollywood”
Scissor Sisters “Electrobix”
Scissor Sisters “It Can’t Come Quickly Enough”
Scissor Sisters “Paul McCartney”
Loto “Cuckoo Plan”
The KBC “Not Anymore”

Discos VoadoresSábado 18.00 – 20.00 / Domingo 22.00 – 24.00
Radar 97.8 FM ou www.radarlisboa.fm

sexta-feira, setembro 15, 2006

O ano do desassossego

Stephin Merritt tem trabalhado intensamente nos últimos meses, e de cada vez para cada um dos seus inúmeros projectos. A 10 de Outubro é editado, pelo projecto The Gothic Archies, o álbum The Tragic Treasury: Songs From A Séries Of Unfortunate Events, ciclo de canções baseadas nas histórias dos livros de Lemony Snicket. Com humor, Stephin Merritt afirmou já que o que distingue este dos seus outros projectos é o facto de, nos Gothic Archies, “qualquer réstia de esperança é absolutamente extinta”… Entretanto, gravou um tema pelos Future Bible Heroes. Tem por título My Punch e destina-se a um álbum de tributo ao escritor Neil Gaiman, Where’s Neil When You Need Him? Para breve, data eventualmente apontada à primavera de 2007, espera-se novo álbum dos Magnetic Fields… Para quem já editou um álbum com canções para teatro, em nome próprio, convenhamos que não está nada mal...

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Há escoceses na Suécia

Ao terceiro álbum os escoceses Camera Obscura começam a mostrar sinais de descolagem de um registo ostensivamente herdado dos conterrâneos Belle & Sebastian. As marcas de identidade (e proximidade) ainda aqui estão, especialmente um travo pastoral e um gosto pelas memórias da melhor pop de 60. Mas há indícicios de um processo de libertação, que muito deveu a uma opção por um produtor sueco e pela tentativa de descoberta de novos rumos, não muito distantes, em trilhos que nos últimos meses vimos a ser percorridos por bandas como os I'm From Barcelona, Acid House Kings ou The Concretes (a vocalista destes últimos, de resto, convidada no disco dos escoceses). Este é o teledisco do tema-título do seu novo álbum, Let's Get Out Of This Country:

Rolling Stones em desenho animado

Rolling Stones em desenho animado? Sim, assim foi no teledisco Harlem Shuffle (de 1986), que há poucos dias aqui recordámos. Mais ambicioso é, agora, o projecto de Paul e Gaetan Brizzi (os mesmos de Asterix Vs César) que vão realizar um filme de animação sob o título Ruby Tuesday, contando com esta e mais 11 canções dos Rolling Stones na sua banda sonora. A história será uma ficção que não envolverá qualquer realidade do universo dos Stones, com produção a encetar em 2007. Brevemente será concluída a selecção das restantes 11 canções a ouvir (e ver) no filme.

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quinta-feira, setembro 14, 2006

O vento mudou e ele voltou

Uma campanha conveniente? Ou (e também) uma “pré-re-candidatura” à Casa Branca? Agenda política presidencial de parte, Uma Verdade Inconveniente é, antes do mais, uma confirmação da importância que o cinema documental passou a ter no panorama actual dos circuitos de produção e exibição. O filme é já o terceiro documentário mais visto de sempre nos EUA, superado apenas pelo mais politicamente incorrecto Farenheit 9/11 de Michael Moore e pelos pinguins enregelados do ano passado…
Há cinco anos, quando as características do sistema eleitoral americano (e não os números totais dos votos somados) ditaram a derrota de Al Gore, o candidato retirou-se da vida política activa, reaparecendo alguns meses depois com uma das suas bandeiras de sempre: a política ambiental. Preparou uma conferência apoiada pelas maravilhas do power point, começou a correr auditórios de universidades, auditórios fora das universidades, salas americanas, salas não americanas… Até ao dia em que lhe propuseram a transformação (ou será dele a ideia?) da conferência em filme e livro, tipo fenómeno pop… Convenhamos que a ideia foi uma boa ideia, sobretudo porque revela que Al Gore deixou de ser o cinzento e pouco entusiasmante Al Bore que Bush conseguia vencer até nos debates televisivos, para se tornar num eficaz, contagiante e até bem humorado comunicador. Talvez um dos melhores da actual geração de políticos americanos, num estilo informal quase ao nível de Bill Clinton.
A conferência fala sobretudo de aquecimento global, num discurso ordenado e de descodificação rápida, levantando números preocupantes e cenários eventualmente catastrofistas caso a política ambiental (nomeadamente a norte-americana) não mude. Gore cruza episódios da vida pessoal em momentos em que explica como o universo privado pode dar-nos gatilhos para mudanças de comportamento público. E não perde a oportunidade para ridicularizar Reagan e Bush (pai), denunciando ainda algumas eventuais verdades inconvenientes de relatórios da actual administração… Mostra que a mudança é possível (inclusivamente sem prejuízo económico) e lembra que “neste país a vontade política é, também, um recurso renovável”… Objectivos políticos velados? Ou, afinal, bem claros nas entrelinhas?
O filme tem o mérito de quase nada interferir sobre a viva e cativante conferência de Al Gore, pontualmente cruzando outras imagens (vivendo aí da voz em off do protagonista). No fim garante-se a passagem de uma mensagem urgente. Sugere-se militância. Promove-se a mudança de opinião (de forma mais eficaz que Michael Moore). E um voto diferente em 2008… Terá o cinema encetado uma nova etapa de vida enquanto arma política? Isto sem lhe retirar o papel fundamental que pode ter numa indispensável inversão de rumos, sob pena de enfrentarmos alguns dos piores cenários já levantados pela ficção científica, nos próximos 20 anos…

Sufjan na estrada

Sufjan Stevens está em digressão, e pela estrada vai andar ao longo dos próximos três meses. Para já está em solo norte-americano, chegando apenas à Europa em Novembro, com primeira data marcada dia 1 para Dublin. A agenda já revelada não inclui ainda qualquer referência a Portugal, sendo as datas mais próximas de nós as que estão já confirmadas em Barcelona (Casino L’Allanca, 7 de Novembro) e Paris (Bataclan, 9 de Novembro). E que tal uma passagem por Lisboa. Dia 8 está livre… Pelo menos assim parece ser…

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Binoche nas teias de Setembro

Juliette Binoche é, de uma só vez, uma verdadeira estrela e uma actriz cujos riscos desmentem a mera preocupação de manter uma certa "imagem de marca". De novo o podemos confirmar em Alguns Dias em Setembro, estreia na realização de Santiago Amigorena, argumentista de origem argentina radicado em França. Trata-se de uma história centrada em Irène (Binoche), personagem do mundo da espionagem que se envolve no drama de Elliott (Nick Nolte), espião que, alguns dias antes de 11 de Setembro de 2001, parece saber coisas que mais ninguém sabe — inesperadamente, os conflitos de Elliott possuem uma perturbante dimensão familiar em que Irène se vai envolver por razões genuinamente afectivas. Falando da encruzilhada da sua personagem, Binoche refere assim a sua "inocência" e a sua "culpa":
"Ao partir para esta aventura, Irène corre, realmente, o risco de morrer. Creio que o faz para reconquistar uma certa inocência, um pouco como uma filha que tenta refazer o laço com o pai. (...) sente-se culpada porque, sendo agente secreta, sabe que vive num ninho de víboras. Ela própria reconhece que trabalhou para as duas partes, os ocidentais e os árabes. E é a primeira a saber que os “bons” não estão de um lado e os “maus” do outro – de ambos os lados, há pessoas que agem por razões de poder, sexo ou dinheiro. (...) Para ela trata-se de reencontrar, talvez, uma espécie de dignidade." (extracto de uma entrevista a publicar amanhã, dia 15, na revista "6ª" do Diário de Notícias).

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quarta-feira, setembro 13, 2006

11 de Setembro (com filtro)

Há muito que uma série televisiva não gerava tanta polémica antes mesmo de transmitida. E mais ainda depois de o ser, apesar das audiências não terem demonstrado que uma discussão acesa atiça curiosidades. Pelo contrário, a série não conseguiu mais que 13 milhões de espectadores nos EUA, batida de longe pelos 20 mil que viram o jogo de futebol transmitido na mesma noite… Afinal não é só por cá…
Mas de que se fala? Fala-se de The Path To 9/11, mini-série em apenas dois longos episódios, realizada por David L. Cunningham (em cujo elenco se destaca apenas a figura de Harvey Keitel), que entre nós teve direito (ou castigo?) de transmissão pela SIC, esta semana, em horário nunca antes das quase duas da manhã… A série reconstitui os acontecimentos do 11 de Setembro de 2001, contextualizando-o num quadro de eventos que remonta, visivelmente, ao anterior atentado ao World Trade Center em 1993. Aqui se fala da Al-Qaeda e da sua génese, do seu mentor, campos de treino no Afeganistão e células espalhadas no mundo, ao mesmo tempo que assistimos a outros atentados históricos e acções de resposta americana, entre operações secretas e jogadas diplomáticas. Na construção narrativa e visualmente, a série é mais um caso de notável aproveitamento das novas linguagens televisivas, ao nível portanto do que de melhor a HBO nos tem apresentado nos últimos anos. Assenta sobre um retrato da (alegada) realidade, mas consegue afastar-se do tom “docu-drama” que tem ocupado, até aqui, a totalidade das produções televisivas (não documentais) sobre o 11 de Setembro. Mas, e quem protestou antes de tempo tinha razão, The Path To 9/11 tem ares de máquina de propaganda destinada a fomentar a admiração do americano médio pela “resoluta” administração actual, por oposição ao aparente desnorte e placidez da anterior. Ou seja, faz dos impasses e negociações diplomáticas uma aparente (e errada) situação de tolerância Clinton perante a Al-Qaeda. E, num momento decisivo, enquanto se espera pelo somatório de “ok” para avançar entre CIA militares e presidência, mostram-se imagens, reais, de um dos discursos em que Clinton nega qualquer história Lewinsky… Pouco depois, outro discurso Lewinsky, novamente pelo Clinton real… Como que a mostrar que as prioridades estivessem noutras guerras… E por aí adiante…
O ex-gabinete de Margaret Albright foi o primeiro a reagir, mesmo antes da transmissão (e, diz-se, houve alterações de última hora na narrativa, possivelmente na montagem ou desmontagem de uma ou outra cena). Depois foi Richard Clarke, o chefe da brigada anti-terrorismo de Clinton e, mais tarde, manager de crise para Bush, que a apontou como “distorção” da realidade e que não faz jus às acções de ambas as administrações, antes pelo contrário. Agora é a Clinton Foundation, que aponta que a série optou pela ficção em detrimento da realidade, pelo entretenimento no lugar da pedagogia…
Ou seja, pela primeira vez, terá agido bem um canal português ao lançar semelhante propaganda de luxo para altas horas da madrugada? Ou calhou? Mesmo assim, não valia a pena ter-se mostrado a coisa a horas decentes, com debate como sobremesa, à boa antiga?

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Diane Arbus (2/3)

A biografia de Diane Arbus, escrita por Patricia Bosworth, é um espantoso trabalho de recolha de informações sobre uma vida convusiva, fascinante, trágica. Inseparavelmente, trata-se de uma narrativa metódica, quase austera, capaz de nos dar uma visão íntima dessa mulher genial da fotografia contemporânea que se suicidou, em 1971, aos 48 anos de idade. Na capa da edição do livro de Bosworth (Vintage/Random House) surge uma espantosa imagem assinada por Eva Rubinstein, outra fotógrafa, nascida em 1933, cujo destino profissional se chegou a cruzar com o de Arbus, nomeadamente quando Rubinstein frequentou um dos seus cursos. A imagem resulta de um mútuo desafio: Arbus exigia aos seus alunos que fotografassem alguém ou alguma coisa que nunca tivessem fotografado antes; Rubinstein pediu para fotografar a própria professora. Embora surpreendida, Arbus aceitou, apenas impondo que a sessão de retratos fosse num determinado dia, às oito horas da manhã. A camisola preta e as calças de pele preta eram uma indumentária normal em Arbus; em todo o caso, foi assim que ela apareceu a Rubinstein, colocando-se na sala, tendo como fundo um conjunto de fotografias dispostas de forma mais ou menso aleatória, algumas delas, segundo Rubinstein, de conteúdo explicitamente sexual — a imagem data de 1970 ou 71, poucos meses antes da morte de Arbus.
O livro de Patricia Bosworth — que já escreveu biografias de Montgomery Clift e Marlon Brando — é o ponto de partida para o filme Fur: An Imaginary Portrait of Diane Arbus, muito provavelmente um dos títulos de que vamos ouvir falar a propósito dos Oscars referentes à produção de 2006. Dirigido por Steven Shainberg (A Secretária), o filme tem Nicole Kidman no papel de Diane Arbus; no elenco incluem-se ainda, entre outros, Robert Downey Jr., Ty Burrell e Jane Alexander. A fotografia é de Bill Pope e a música de Carter Burwell. A adaptação da biografia escrita por Bosworth esteve a cargo de Erin Cressida Wilson.
Fur: An Imaginary Portrait of Diane Arbus tem estreia americana marcada para 10 de Novembro — em Portugal, ainda não consta da lista de nenhum distribuidor.

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terça-feira, setembro 12, 2006

X-Static Process

A revista Time Out, produto de raízes genuinamente britânicas, aqui em edição russa. Com uma fotografia assinada por Steven Klein, a publicação celebra uma santa dos cultos locais.

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Because the Night, 2 vezes

Na obra lírica e musical de Bruce Springsteen, Because the Night é um tema cujo apelo lendário se cruza com a mística de Patti Smith. Isto porque a canção, de facto, foi revelada ao mundo por Smith, no seu ábum de 1978, Easter. Acontece que se tratou de uma dádiva de Springsteen (com o contributo criativo de Smith) quando, num estúdio ao lado, gravava Darkness on the Edge of Town — a versão de Smith, primeiro single de Easter, transformar-se-ia num dos maiores sucessos de vendas de toda a sua carreira e para muitos, algo insolitamente, uma imagem de marca da "sua" música. Springsteen viria a incluir a canção nos espectáculos da tournée daquele álbum mas, de facto, apenas a editou na colectânea de 1986, Live, 1975-85. Este registo de Springsteen a cantar Because the Night em 1978 — a preto e branco, tecnicamente muitíssimo degradado — é quase uma peça de museu.

"Eu sobrevivi, Moe"

* Foto de Alex Webb, obtida em Manhattan, Nova Iorque, no dia 11 de Setembro de 2001 — incluída no conjunto de imagens disponíveis no site da agência Magnum, assinalando os cinco anos dos atentados contra o World Trade Center.

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11 de Setembro: a sobrevivência

Nesta imagem podemos ver os actores Michael Peña e Nicolas Cage, ambos com fardamento policial, ao lado das personagens verídicas que interpretam no filme de Olive Stone, World Trade Center: William Jimeno e John McLoughlin. Não é exactamente uma prova de verdade — afinal de contas, a justeza de uma ficção não se mede por uma mera "coincidência" com os factos evocados. É, isso sim, um laço de cumplicidade definido em nome de um valor muito simples: a sobrevivência, isto é, literalmente, a continuidade da vida. O filme de Stone é um objecto pensado e concretizado em nome dessa continuidade — afinal uma saga íntima, perturbante e comovente, que recusa deitar fora as crenças do humanismo clássico (que é também o humanismo do cinema clássico). Estreia nos ecrãs portugueses no dia 21 de Setembro.

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segunda-feira, setembro 11, 2006

11 de Setembro de 2006, Nova Iorque (2)

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11 de Setembro de 2006, Londres

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11 de Setembro de 2006, Paris

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11 de Setembro de 2006, Lisboa

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11 de Setembro de 2006, Nova Iorque (1)

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Discos da semana, 11 de Setembro

R.E.M. “The Best Of The I.R.S. Years, 1982-1987”
Muito antes dos hinos que chegaram às RFMs do mundo fora, muito antes de uma inesperada (mas justificada) elevação do grupo a um estatuto de transversalidade no gosto global que dele fez depois um dos nomes mais populares de 90, a década de 80 foi palco de aventuras de menor visibilidade mas, indubitavelmente, maior concentração de grandes acontecimentos e revelações. Nascidos na alvorada da década, os R.E.M. foram das primeiras bandas a partir da ressaca da new wave para reencontrar, num novo contexto, a ideia de garage rock, busca que não alheou do seu cartaz de referências um interesse pelo legado folk que, mais tarde, acabaria por tomar mais evidente peso na equação da escrita das canções do grupo. Grandes álbums como Murmur (1983), Reckoning (1984), Fables Of The Reconstruction (1985), Life’s Rich Pageant (1986) e Document (1987) são peças determinantes na construção de uma nova identidade indie rock americana e sua sólida inscrição como língua franca de uma nova geração de college radios, terreno então desbravado para o aparecimento imediato de uma multidão de novos talentos e ideias, revelando depois nomes como os Pavement ou Throwing Muses, entre muitos outros. Este é um best of que, apesar de apontado à época do ano em que se pensa primeiro quanto se vende e, só depois, o que se vende, é gourmet de memórias fundamentais deste período. Uma selecção de tijolos estruturais da identidade indie rock americana que não dispensa a consulta integral dos álbuns da época mas serve, em primeira análise, de bom ponto de partida ou oportuna revisão de grandes momentos, prova de que, comparado com o que nos tem dado ultimamente, a banda já viu melhores dias. Precisamente estes, que a fizeram um nome incontornável na história da música popular.

Vários “Leonard Cohen: I’m Your Man”
Banda sonora para o documentário de Lian Lunson que vimos, há poucos meses, no IndieLisboa, o disco é, também, documento parcial do espectáculo com versões de Leonard Cohen que Hal Wilner idealizou para comemorar o dia do Canadá no Festival de Brooklyn em 2002 e que, entretanto, ganhou vida própria, já apresentado em Sidney e Brighton. O filme foi uma oportunidade perdida para um trabalho de fundo (e fôlego) sobre um dos maiores cantautores do século. Monótono, entremeada de entrevistas e actuações, nem aproveitou o tutano das palavras, lançando aos poucos, sem qualquer aparente critério as canções registadas em palco… A banda sonora poupa-nos ao filme, e deixa-nos com alguns dos seus melhores pedaços, na forma de versões. Rufus Wainwright brilha num Chelsea Hotel que canta com a propriedade de quem nele (de facto) viveu por uns tempos e transforma Everybody Knows a seu jeito. Martha, a irmã, dá vida muito sua a Tower Of Song. Antony transporta If It Be Your Willl para um virtual palco de Memphis nos anos 60, contagiante banda rhythm’n’blues a seu lado. Jarvis Cocker conquista num I Can’t Forget com personalidade transformista, pop, claro. Nick Cave sublinha visceralidade em I’m Your Man. Depois, sem o mesmo fogo, Teddy Thompson, Beth Orton, a dupla Handsome Family e as manas McGarrigle completam um leque onde não faltam, com a sua graça, Perla Batalla e Julie Christensen. Final, contudo, em alta, na versão de estúdio de Tower Of Song com o próprio Cohen ao lado dos U2. Agradável, mas longe de superar o tributo I’m Your Fan, de 1991.

Prince “Ultimate”
Finalmente editada a antologia anunciada pela altura do lançamento do último álbum de originais de um dos maiores génios activos nos dias de 80 (depois perdido para demandas erráticas e inconsequentes das quais nunca mais recuperou em pleno). A antologia centra-se essencialmente em gravações entre 1979 e 1992, ignorando (inteligentemente) a etapa final de gravações para a Warner em meados de 90. Guardam-se, pois, aqui, algumas das suas mais inesquecíveis canções, os clássicos que fizeram a história, um recordados nas versões originais, alguns evocados nas remisturas dos máxis originais (estas reunidas no CD2). À excepção de Girls & Boys, Batdance e Paisley Park, está representada a galeria das glórias de Prince. Pena que o inlay, apesar da boa foto panorâmica de capas de discos, não registe por palavras a importante história que aqui se conta.

Michael Brook “Un Inconvenient Truth”
Tendo já trabalhado com Davis Guggenheim em dois documentários sobre educação, Michael Brook regista para Uma Verdade Inconveniente (filme com Al Gore, sobre o aquecimento global, que estreia esta semana entre nós) uma banda sonora inteligentemente pensada para servir um ambiente (e uma agenda de ideias), daí nascendo depois aquele que se revela agora como um dos seus melhores discos. Brook é já um veterano, com trabalho de ambos os lados da mesa de gravação de estúdios desde finais da década de 70. Para Uma Verdade Inconveniente reencontra modelos apreendidos nos dias “ambientais” junto de Brian Eno e Harold Budd, servindo paisagens electrónicas delicadas, tranquilas, terapêuticas.

Também esta semana:
Amy Millan, Echo & The Bunnymen (best of), Baumer (reedição), Johnny Cash, The Byrds (best of), Magoo

Brevemente:
18 de Setembro: Scissor Sisters, Junior Boys, U2 (DVD), Electronic (best of), Camera Obscura, The Album Leaf, The Hidden Cameras, The Veil, Bonnie Prince Billy, Charlotte Gainsbourg, Cassius
25 de Setembro: Guillemots (edição nacional), Loto, Pixies (dois DVDs), Depeche Mode (3 reedições e um DVD), Arthur Russell (reedição), The Byrds (caixa), Alex Kid, Lurent Garnier, Lloyd Cole
2 de Outubro: Beck, The Killers, Arrested Development, Pipettes (edição nacional), Juliette & the Licks, Black Keys, Mercury Rev (best of), Four Tet (remisturas)

Outubro: U-Clic, Maximilian Hecker, Kasabian (edição nacional), Sam The Kid, Sérgio Godinho, The Gift (ao vivo CD e DVD), Protocol, Goldfrapp (remisturas), Pet Shop Boys (CD ao vivo e DVD), Philip Glass (ópera), Duran Duran (2 reedições), Robbie Williams, Clinic, Chuck E Weiss, Jay Jay Johansson, Isobel Campbell, Datsuns, Aimee Mann
Novembro: Humanos (ao vivo), Mariza (ao vivo), Tom Waits, Moby (best of), Jarvis Cocker, Sons & Daughters, Bryan Ferry, The KBC, Third Eye Foundation.

Estas datas provém de planos de lançamento de diversas editoras e podem ser alteradas a qualquer momento

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domingo, setembro 10, 2006

A confirmação de Regina Spektor

Depois dos sinais encorajadores do anterior Soviet Kitsch, o novo disco da jovem cantaurora russa crescida e educada em Nova Iorque promete dela fazer uma das cantauroras de referência para a geração 00. A Perestroika permitiu-lhe sair de Moscovo com a família, e aos nove anos de idade viu-se em Nova Iorque, onde a exposição à música de Joni Mitchell e Ani di Franco se mostrou determinante paleta de iniciação a novas influências. A sua música hoje revela ainda a presença de Billie Holliday, Tori Amos e Patti Smith, cruza genéticas captadas na música clássica, na folk, na alma russa, revela um gosto pela literatura que se descodifica em referências a nomes como Scott Fitzgerald, Hemingway ou Boris Pasternak… Regina Spektor escreve assumidas ficções, luminosidade ou introspecção projectadas em personagens não necessariamente autobiográficas. Aqui fica o primeiro teledisco de Begin To Hope. A canção, Fidelity, é uma das "canções do ano". N.G.

Não é todos os dias que podemos descobrir um teledisco em que o conceito visual e o dispositivo narrativo, para além da sua coerência e equilíbrio(s), se adequam tão exemplarmente à própria canção que se filma. Escusado será dizer que este Fidelity é mais um exemplo — entre dezenas, ou mesmo centenas — de uma produção de videoclips que continua a ser olimpicamente ignorada pelas televisões generalistas, mais ocupadas em promover "canções da minha vida" com o espírito (ou melhor, a falta de espírito) de um pensamento velho, esclerosado e, em boa verdade, sem nenhum gosto pela vitalidade criativa que as memórias nos podem trazer. J.L.



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Discos Voadores, 9 de Setembro

A edição de Moden Times, de Bob Dylan, leva-nos a redescobrir alguns episódios-chave no seu passado e a verificar que, como ele, há outros veteranos a viver grandes momentos de forma.

Sol Seppy “Move”
Regina Spektor “That Time”
Metric “Comeback Baby”
Sonic Youth “What A Waste”
Tom Verlaine “A Stroll”
Jarvis Cocker “I Can’t Forget”
Bob Dylan “When The Deal Goes Down”
JP Simões “Inquietação”
Love & Rockets “No New Tale To Tell”
Infadels “Girl That Speaks No Words”
Young Knives “Ladborough Suicide”
U-Clic “Robot’N’Roll”
Loto “Cuckoo Plan”
Thom Yorke “Analyse”
The Knife “Like A Pen”

Camera Obscura “Come Back Margaret”
I’m From Barcelona “Collection Of Stamps”
2008 “Acordes Com Arroz”
Bob Dylan “Thunder On The Mountain”
Bob Dylan “Beyond The Horizon”
Bob Dylan “Highway 61 Revisited”
Bob Dylan “I Want You”
Bob Dylan “Love Minus Zero / No Limit”
George Harrison “If Not For You”
Johnny Marr “Don’t Think Twice I’ts Alright”
Neil Diamond “Oh Mary”
Neil Young “It’s A Dream”
Sérgio Godinho “Rainy Day Women”
Bob Dylan “Someday Baby”


Discos VoadoresSábado 18.00-20.00 / Domingo 22.00-24.00
Radar 97.8 FM e http://www.radarlisboa.fm/

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sábado, setembro 09, 2006

40 anos nas estrelas

O mais bem sucedido franchising da história da ficção científica, decorre de uma série televisiva de finais dos anos 60 que, durante apenas três épocas entre 1966 e 1969 (originalmente com audiências bem discretas), revolucionou o meio e que esta semana celebrou os 40 anos sobre a emissáo do primeiro episódio (The Man Trap). Herança natural de uma verdadeira explosão de produção no cinema e literatura de temáticas de antecipação científica durante os anos 50 e 60, Star Trek representou a primeira grande experiência televisiva nesta área para um público adulto, abrindo precedentes que ainda hoje dão frutos. Estreada a 8 de Setembro de 1966, Star Trek acabou por conhecer várias vidas na televisão (seis séries, uma delas de animação), no cinema (dez filmes já estreados), nos livros e em todo um vasto leque de merchandise (ainda hoje controlado pela Paramount), comparável apenas ao que George Lucas conseguiu gerar em torno de A Guerra das Estrelas. Antes de Star Trek, a ficção científica tinha já conhecido algumas expressões na televisão, a mais bem sucedida das quais a série Twilight Zone, de finais de 50. Mas em nada se pode comparar essa ousadia pioneira ao impacte que a ideia de “ir onde o homem nunca antes foi”, frase-chave do genérico de Star Trek, conquistaria quase dez anos depois.

Criada por Gene Roddenberry, produtor e ex-argumentista televisivo cativado desde cedo pelas novelas marcianas de Rice Burroughs, a série começou por se desenhar como uma ideia em 1964. Como pilar estrutural apresentava-se uma nave (originalmente a Yorktown) e uma tripulação chefiada por um capitão resoluto (a princípio um certo Roger April), e na qual se integrava um estranho extraterrestre, Mr. Spock, originalmente um ser vermelho de orelhas bicudas e placa metálica no estômago... Com receio de dar visibilidade a um «diabo» politicamente incorrecto, a Paramount pediu alterações, quase exigindo a expulsão de Spock. Encontrou-se uma solução consensual, criando um ser meio humano meio extraterrestre, batalhando entre as duas origens, mantendo as orelhas bicudas.
Depois de um primeiro episódio-piloto, The Cage, rejeitado pelos responsáveis da Paramount em 1965, um segundo, com novo elenco e especificações, mereceu finalmente a confiança da estação televisiva no ano seguinte (a ficção científica não tinha fama de dar audiências nesses dias). A nave tinha entretanto mudado o nome para Enterprise, o comandante chamava-se agora Kirk (William Shatner) e Spock (Leonard Nimoy) mantinha-se entre os protagonistas como oficial científico. Com eles alinhavam, na tripulação, o médico Dr. McCoy (DeForrest Kelley), a oficial de comunicações Uhura (Nichelle Nichols), o engenheiro chefe Scott (James Doohan) e o timoneiro Sulu (George Takei). O oficial Chekov (Walter Koenig) só se juntaria à tripulação na segunda época, ideia do próprio Roddenberry para retratar um mundo onde os conflitos internos estavam resolvidos, ou seja, bem posterior aos da guerra-fria em que se vivia.
A série cresceu e prosperou entre 1966 e 69, estendendo-se ao longo de três épocas e 79 episódios (uns mais inspirados que outros). Firme ao leme dos acontecimentos, Roddenberry fez questão de garantir às histórias uma certa verosimilhança (dentro de padrões de ficção, é claro). Para tal foi criada toda uma ordem astronómica, tecnológica e política, a qual funcionou para os episódios como um livro de estilo para um jornal. O universo revelava-se, semana a semana, em histórias tão sofisticadas quanto o magro orçamento de produção permitia, usando cenários e figuras do futuro para analogias e reflexões sobre o presente, abordando agendas humanistas e de evidente optimismo. Os argumentistas ao serviço de Roddenberry escreveram histórias sobre a escravidão, mundos dominados por potências militarizadas, figuras discriminadas… A Enterprise estava assim entregue a uma missão de cinco anos para «ir onde o homem nunca foi», em busca de novas formas de vida, novas civilizações, tentando perguntar primeiro e disparar depois...

Star Trek é uma das mais vivas forças da cultura pop desde finais de 60. Fundou uma legião de admiradores com nome próprio (trekkies, designação reconhecida pelo Oxford English Dictionary). E conheceu até projecção na vida real quando, em 1976, a NASA deu ao primeiro protótipo do vaivém espacial o nome de Enterprise.
Star Trek abriu uma nova era de relacionamento entre a produção televisiva e os seus consumidores, lançada por encontros e convenções desde inícios dos anos 70, que revelaram um culto maior que o que a estação Paramout julgava ter quando, em 1969, cancelou a produção dos episódios da série original. Só então a estação se apercebeu do impacte cultural de uma série que tinha, entre outros feitos, permitido o primeiro beijo inter racial da história (entre Kirk e Uhura). O protagonismo desta cena aconteceu depois de uma etapa inicial de vida da série na qual o papel de Uhura (interpretado por Nichelle Nichols) pouco mais exigia que serviços mínimos e deixas curtas. A actriz chegou a queixar-se e a ameaçar afastar-se, demovida então de o fazer por Martin Luther King, que lhe apontou a importância da presença de uma figura afro-americana em ambiente e papel de igualdade com os restantes membros de uma tripulação essencialmente branca.
O impacte de Star Trek no mundo da televisão e cinema dos últimos 40 anos é notório. Depois de uma vida inicial entre 1966 e 69, a série não mais deixou de residir em horários de repetição em estações de televisão de todo o mundo, aí sublinhando em definitivo um culto ainda sem par na história da ficção televisiva. Em 1973, por um ano, e sem grande sucesso, uma série de animação deu continuidade a personagens. Cinco anos depois, Star Trek: Phase Two, nova série, chegou a estar em pré-produção, mas acabou transformada no primeiro filme Star Trek, com realização de Robert Wise. O regresso ao pequeno ecrã fez-se só em 1987 com Star Trek: The Next Generation, sob coordenação de Robbenberry até à sua morte, em 1991. Esta revelou-se, no plano das audiências, complexidade narrativa e na direcção artística, a mais bem sucedida das séries Star Trek, com produção de episódios por sete épocas, até 1994. Seguiram-se, por vezes com sobreposição de vidas activas, Star Trek: Deep Space Nine (1993-99), Star Trek: Voyager (1995-2001) e Star Trek: Enterprise (2001-2005), estas últimas com audiências menos volumosas.Em 40 anos, Star Trek conquistou 31 Emmys (de um total de 140 nomeações), mas nunca um Óscar. Todavia, os dez filmes somaram rendimentos na ordem dos 1,76 biliões de dólares. Há 120 discos Star Trek (sobretudo bandas sonoras e lições de klingon), 40 jogos de computador, e uma vasta oferta de episódios e filmes em VHS e DVD. Há 70 milhões de livros Star Trek publicados pelo mundo fora. Há centros Star Trek em parques de diversão da Paramount, exposições itinerantes e uma fixa, a Star Trek Experience, em Las Vegas. Apesar do fim (aparente) da vida televisiva do franchise, um décimo primeiro filme está já anunciado, tendo por responsável J.J. Abrams (o criador de Lost)…

O universo Star Trek por vezes gerou já as mais inesperadas provas de admiração e devoção entre fãs. Desde as convenções em que os admiradores se vestem a rigor (cada qual com o uniforme da personagem, departamento ou série de que mais gosta) aos manuais técnicos e históricos compilados a partir das indicações ficcionadas nos episódios, há de tudo para todos os gostos. E porque não, também, um Star Trek em lego? É o que podem ver num site no qual a ponte da nave Enterprise original é "legificada" na perfeição. Nem falta o auricular de Uhura nem mesmo aquele visor de ecrã vermelho, só para os olhos, de Spock... 40 anos depois, a imaginação ainda a ir onde o homem nunca antes foi...

Versão longa de um texto publicado na edição de 8 de Setemro da revista '6ª', do DN

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